O modelo de produção agrícola e o comportamento alimentar social podem ser responsáveis pelos problemas de saúde enfrentados hoje pela população brasileira.
Regina Miranda, do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável do Rio Grande do Sul, alerta que "geração atual é a primeira em que os filhos não vão viver mais do que os próprios pais".
Isso vai acontecer porque, ao longo do tempo, o homem permitiu que os hábitos alimentares fossem moldados pelo interesse do capital. O primeiro passo foi a Revolução Verde e, agora, com uma produção agrícola viciada em produtos nocivos à saúde. O resultado disso é, principalmente, um índice crescente de pessoas doentes.
Segundo Regina, a relação social com o alimento era baseada "na busca pela excelência". Em outras palavras, o homem tinha preocupação de consumir alimentos nutritivos e de boa qualidade.
No entanto, no processo de industrialização, o sistema capitalista padronizou os hábitos alimentares. “Nós nos tornamos seres ociosos e consumidores de alimentos pouco nutritivos. Ou seja, a relação alimentar do homem tornou-se mórbida”, afirmou Regina.
“Essas escolhas sociais de alimentação impactam diretamente o modelo de produção vigente, a qualidade do alimento, a maneira de como o indivíduo vai se alimentar e, por fim, o próprio corpo, pois o corpo é desenhado a partir das nossas escolhas”, concluiu Regina.
Câncer
Não é a toa que, entre 2000 e 2006, os agricultores tiveram uma maior incidência proporcional de câncer do que a população urbana, mostrou Raquel Maria Rigotto, integrante do Núcleo Tramas, da Universidade Federal do Ceará. “A leucemia é o principal câncer associado ao uso de agrotóxico”, afirmou.
Os agrotóxicos podem causar intoxicação aguda – aquelas em que se pode perceber imediatamente após o contato com o produto químico – ou doenças crônicas, que aparecem semanas e meses depois.
Os agrotóxicos podem causar, entre as doenças crônicas,dermatite, câncer, desregulamentação endócrina, neurotoxidade retardada, efeitos sobre o sistema imunológico, doença do fígado, má formação fetal e aborto.
Apesar disso, há uma grande barreira para associar o agrotóxico como causa dessas enfermidades. “Quando a gente vai discutir com as indústrias que os agrotóxicos são responsáveis pelas doenças, elas dizem que não há problema algum com os produtos químicos. O que dificulta a comprovação de que os agentes químicos são os causadores das doenças crônicas”, desabafou a consultora em Estatística e Saúde Publica da Fiocruz, Rosany Bochner.
Para avançar na construção de um banco de dados com informações sobre as intoxicações, Rosany ainda fez um apelo de que “é muito importante que as pessoas nos informem sobre os casos de doenças crônicas causadas pelo contato com agrotóxicos”.
A Rede Nacional de Centros de Informação e Assistência Toxicológica, sob coordenação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e da Fiocruz, possui um disque intoxicação (0800 722 6001), por onde a população pode informar os centros sobre os casos de contaminação por agrotóxicos.
Para os estudiosos, é necessário que se criem políticas públicas que viabilizem uma produção agrícola sem o uso de agrotóxicos. “O problema do agrotóxico não é mais só do agricultor, mas também do consumidor”, afirmou Rosany.
O país é o maior consumidor de agrotóxico do mundo. Cerca de 451 produtos químicos estão registrados hoje no Brasil. Mais de 1090 produtos químicos são comercializados em território nacional e o governo brasileiro ainda faz redução fiscal para o uso de agrotóxico.
O integrante da coordenação nacional do MST João Pedro Stedile apresentou preocupação com a falta de estudos sobre os impactos dos agrotóxicos no meio ambiente nas áreas tropicais, uma vez que as indústrias de agrotóxicos fizeram testes somente em solos de clima temperado.
O Seminário Nacional contra o uso de Agrotóxicos, organizado pela Via Campesina, Fiocruz e a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio termina nesta quinta-feira.
(Por Vanessa Ramos, MST, 17/09/2010)