Há décadas dividida em duas partes, a região do Angelim teve mais um pedaço de terra retomado por famílias quilombolas do norte do Espírito Santo. A retomada ocorreu após um mutirão da comunidade, que conseguiu recuperar 35 hectares que já estão sendo utilizados para o plantio de alimentos.
O ato repete a retomada da comunidade de São Domingos, que conseguiu reconquistar 13 hectares ocupados indevidamente também pela ex-Aracruz Celulose (Fibria), em junho deste ano.
Conforme divulgado pela ONG Fase Solidariedade-Educação, Angelim 1, como é chamada a área retomada é reconhecida pela Fundação Cultural Palmares e pelo governo federal e estava há décadas divididas em duas partes devido à expansão dos eucaliptais da ex-Aracruz Celulose (Fibria), praticamente separando as famílias quilombolas na região.
Foi exatamente este pedaço de terra que, após alguns meses sem manejo em seguida ao corte dos eucaliptais, foi completamente retomado. A retomada aconteceu por meio da organização de um ajuntamento, palavra que os quilombolas usam tradicionalmente para designar uma ação produtiva coletiva, um mutirão.
A retomada ocorreu em meados de agosto, mas só foi divulgada após a efetivação do plantio de mudas de abacaxi, cerca de cerca de 800 pés de abóbora, bananeiras de três tipos (prata, nanica e da terra), muitos pés de milho, feijão de corda e coqueiros.
Segundo os negros, deu-se preferência, neste primeiro plantio, aos chamados “bens de raiz”, aqueles que permanecem após a colheita e que são típicos do território.
Na área, das 27 famílias que vivem na comunidade de Angelim 1 – cerca de 120 pessoas –, até cinco famílias deverão habitar os novos 35 hectares retomados. O objetivo, segundo os quilombolas, não é lotear o terreno, mas facilitar a reprodução da vida em condições tradicionais, respeitando a cultura quilombola e o meio ambiente.
Conforme publicado no site da Fase, “há famílias que sobrevivem cestas básicas, outras dependem do Bolsa Família para comprar alimentos, uma profunda decadência por falta de espaço para plantar”.
Neste contexto, os quilombolas deverão priorizar a produção de alimentos saudáveis para próprio consumo, na busca de alterar a realizada registrada em 2009 quando os quilombolas foram classificados na lista de comunidades em situação de insegurança alimentar.
As duas retomadas de terras pelos quilombolas, além de possibilitar a reconquista da identidade dos negros, significa espaço para que os mesmos recuperem sua cultura através do cultivo de alimentos saudáveis, sem a utilização de agrotóxicos.
Ao todo, os negros quilombolas estão sob intensa pressão da ex-Aracruz Celulose há 40 anos. Após o processo de expropriação de terras que praticamente expulsou os negros de terras tradicionais de quilombo, estes negros foram mantidos ilhados entre eucaliptais, sem meios de subsistência e sob forte perseguição da segurança armada da empresa.
Os negros afirmam que sofrem até os dias de hoje com a manipulação de suas terras por grandes projetos e com a omissão do poder público.
(Por Flavia Bernardes, Século Diário, 15/09/2010)