Canoa é o principal meio de transporte do homem da várzea. Quando ficam velhas, mudam de uso. Servem para lavar mandioca ou para plantar. “Essas cascas de ovo a gente conserva quando elas estão mais sequinhas, a gente pega, ela serve com um adubo", conta a agricultora Marlene Guedes que planta cebolinha, tomate, salsinha, maxixe, pimenta.
Adubo é naturalmente trazido pelas águas. A terra boa para plantar é o segredo da várzea. Diferente de outros lugares da Amazônia, o solo aqui é rico em nutrientes, principalmente o nitrogênio, o potássio e o fósforo, fundamentais para agricultura. É a cheia que traz esses nutrientes. E eles ficam quando a água vai embora, mudando completamente a vida nesse lugar.
O agricultor Francisco Moreira, conhecido na região como seu França, quase não acreditou no que o rio deixou para trás. A cheia deste ano transformou o terreno dele. O que antes era barro virou terra fértil. "Todo ano que alaga terra ela muda, uma terra nova já. É bom”, diz.
Em menos de dois meses, olha só como está a plantação de melancia. "Vocês querem experimentar?" convida Moreira. É a primeira melancia da safra desse ano do seu França. É a vida voltando para essa região de várzea. O resultado está aqui. Muito boa a melancia, muito doce.
O agrônomo do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Nilton Falcão, há 30 anos estuda os solos da várzea. Para ele, o ribeirinho consegue encaixar bem a época de cultivos entre o regime de subida e descida dos rios.
“Acredito que o ribeirinho, ao longo dos anos, começou a analisar alguns pontos-chave que seriam limitantes para a sobrevivência dele, para ele conseguir uma produção excedente e vender e oferecer para o mercado. Ele aprendeu que o fluxo da água teria a várzea baixa, as encostas e a várzea alta", diz.
A várzea é ao mesmo tempo rica e frágil. Por isso, não existem grandes plantações, só agricultura de subsistência. O excedente da colheita é trocado entre as próprias famílias ou na cidade mais próxima. Além de melancia aqui se planta mandioca e milho. A Embrapa tem estudos mostrando que é possível desenvolver cultivos de modo sustentável.
Além das novas técnicas, os pesquisadores reconhecem: a experiência dos ribeirinhos é fundamental para o crescimento da agricultura de várzea. “Cientista tem muita teoria. O ribeirinho tem muita prática e muita vivência. Então, o ideal é você casar esses conhecimentos e tentar fazer pequenas melhoras. Eu digo que o cientista não vai lá para fazer uma mudança radical, o cientista vai lá para ver todo esse conhecimento que o ribeirinho adquiriu, como melhorar. Para melhorar a produção, aumentar a qualidade do produto e melhorar o nível de vida deles”, completa Falcão.
(Globo Amazônia, com informações do Globo Rural, 14/09/2010)