As consequências causadas pelo desrespeito ao meio ambiente prejudicam a natureza e o próprio ser humano, mas falta muito para as pessoas conviverem com responsabilidade e respeito ao próximo e demais seres vivos. Militante do Grupo Ecológico Sentinela dos Pampas, Gesp, a bióloga Adriane Deon conta que é comum em Passo Fundo, No norte do Rio Grande do Sul, a canalização de córregos devido à transformação dos mesmos em canal de esgoto e lixão, bem como o despejo de dejetos e resíduos em banhados e áreas de nascentes.
Empresas imobiliárias ou pessoas físicas aterram esses ecossistemas para transformá-los em loteamentos urbanos, com ou sem licença, em desrespeito às Áreas de Preservação Permanente, as APP’s. Estas ocupações são causa de problemas de assoreamento dos rios e impermeabilização e erosão do solo, que contribuem para eventos extremos como enchentes e alagamentos.
APPs em área urbana ou área urbana em APP’s?
A especulação imobiliária associada à falta ou ineficiência de políticas públicas de gestão da expansão urbana e a falta de fiscalização empurram as camadas mais pobres da sociedade para áreas irregulares e de ocupação ilegal. Ocorre, dessa forma, a expansão de favelas e loteamentos irregulares, onde, além da precariedade da infra-estrutura (rede de água e esgoto, coleta de lixo, iluminação pública, calçamento de ruas, praças, entre outros fatores) e serviços públicos (postos de saúde e escolas, por exemplo), grande parcela da população convive com graves problemas socioambientais. Em especial, como quando da ocupação de APP’s, que ocorre ao longo de rios, em áreas úmidas como banhados e nas proximidades de nascentes, córregos e barragens de captação de água, em terrenos com grande declividade e topos de morros, entre outros.
Conforme a bióloga ambientalista, o Gesp recebe muitas denúncias de agressões em áreas de preservação permanente, sobre as quais, após realizar uma vistoria e coleta de dados, encaminha as informações ao Ministério Público Estadual, MPE. Dentre as denúncias, está um caso antigo, relativo a dano ambiental que vem ocorrendo na área do Bosque Lucas Araújo.
Nesta área, onde residem famílias de média e alta rendas, existem áreas úmidas e nascentes que formam olhos-d’água que deságuam no Arroio São Roque - tributário da Bacia Hidrográfica do Rio Jacuí - e que também vêm sendo agredidas com a deposição de lixo. Os fatos envolvem agressão em área de preservação permanente, APP, neste bairro cujo nome revela ser a área um fragmento representativo de Mata Atlântica existente na cidade de Passo Fundo e que merece especial atenção das autoridades e órgãos fiscalizadores.
Invasões
O Gesp, informa Adriane Deon, já encaminhou ao MPE denúncias também de invasão de APPs por famílias de baixa renda, com o aval do poder público. Um dos casos é o da Vila Bom Jesus, cuja renda provém da coleta de material reciclável. A área foi um ecossistema de banhado consistente, com vegetação característica, que tinha a presença de espécies da fauna local e recursos hídricos com pequenas nascentes e arroios.
Foi feito arruamento com deposição de asfalto e sistema de drenagem das águas superficiais ao lado de um ecossistema úmido, sendo o local considerado pela legislação vigente área de preservação permanente. Para ocorrer a intervenção em uma APP, explica Adriana, é necessário ser feito um parecer do órgão Estadual responsável, desde que se tenha uma utilidade pública para este. No local não se encontra nenhuma moradia a ser beneficiada pela rua, tanto que esta não tem saída.
Contudo, um dos casos que mais chamou a atenção dos ambientalistas, em Passo Fundo, foi a denúncia que o Gesp recebeu sobre as atividades que estão acontecendo na área onde está projetado o Conjunto Habitacional Par Planaltina. A bióloga explica que a área em questão encontra-se junto a um fragmento de Floresta Ombrófila Mista pertencente ao Bioma Mata Atlântica, incluindo vários exemplares de Araucária (Araucaria angustifólia), associado a uma área de campo nativo sulino, possuindo vegetação e fauna característica para ambos os ecossistemas.
Desta forma, trata-se de uma área nobre em recursos hídricos, contando com nascentes e um córrego que, inclusive, já tem uma parte canalizada devido às residências existentes no local. “Este córrego é tributário do Arroio São Roque, pertencente à Bacia do Alto Jacuí, e as obras do empreendimento habitacional provocaram impacto e degradação em APP. Houve supressão da vegetação e deposição de resíduos da terraplanagem num raio que varia de 15 a 28 metros de extensão, abrangendo a demarcação das estacas até a borda do fragmento.", disse Adriana Deon. "A demarcação do talude invade a APP em aproximadamente sete metros, estando a apenas 23 metros do córrego."
Segundo ela, a demarcação do talude avança 16 metros adentro do que a legislação vigente permite quanto a nascentes e olhos-d’água (que é de 50 metros), estando este a apenas 34 metros. "E ainda, agravando a situação, existe depósito de resíduos da terraplanagem a apenas oito metros do olho-d’água,”, disse a bióloga, descrevendo a dramática situação no Conjunto Habitacional.
♦Realizado nos dias 20 e 21 de agosto, em Porto Alegre, o curso de Jornalismo Ambiental promovido pelo Núcleo dos Ecojornalistas, NEJ-RS, teve como palestrantes os professores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Fernando Antunes (Mestre em Comunicação Social) e Rualdo Menegat (Doutor em Ciências), que abordou o tema Cegueira e civilização, onde está a natureza?, além do jornalista Hernán Sorhuet, colunista do jornal uruguaio El Pais, que palestrou sobre o tema Desafios da cobertura jornalística dos temas ambientais.
(Por Verônica Daniela Conceição, jornalista participante do Curso de Jornalismo Ambiental NEJ-RS, EcoAgência, 14/09/2010)