Convidado pelo jornal Diário da Amazônia para fazer uma palestra em Porto Velho, o jornalista Washington Novaes concedeu ontem uma entrevista exclusiva ao jornal e discorreu sobre meio ambiente e desenvolvimento sustentável. Com 53 anos de carreira, e uma trajetória que inclui as principais redações do Rio de Janeiro e São Paulo, Novaes escreve para o jornal O Globo no Rio de Janeiro, o Estado de S. Paulo e TV Cultura. Apesar de abordar com desenvoltura questões ambientais, ele afirma que não se considerar um especialista em meio ambiente. “Sou apenas um jornalista. Acontece que o meio ambiente está no centro de tudo. Tudo que as pessoas fazem afeta o meio ambiente, por isso me dedico a esse assunto”.
Diário – Por que o senhor direcionou a sua carreira para a questão ambiental e indígena?
Washigton Novaes – Antes de tudo, eu sou jornalista. Não sou ambientalista. Abordo as questões ambientais porque elas são transversais às questões econômicas, políticas e sociais. Quando abordo a questão ambiental, costumo citar as palavras do ex-secretário geral da ONU (de janeiro de 1997 a janeiro de 2007), Kofi Annan. Ele diz que o centro das questões mundiais está na insustentabilidade do consumo crescente. Estamos consumindo 30% a mais do que a capacidade de recuperação do planeta. Estamos no caminho para a falência do planeta. O consumo já é uma ameaça à espécie humana. Não podemos fazer de conta que este problema não existe.
Diário - Como o senhor coloca a Amazônia neste contexto?
Washington Novaes – A Amazônia está no centro das discussões sobre o desenvolvimento sustentável. O Brasil, incluindo a região amazônica, conta com tudo o que os outros países almejam. Temos um território continental, 13% da água acessível para o consumo humano, 15% a 20% da biodiversidade – que representa uma riqueza real, e uma matriz energética limpa. O que falta no restante do planeta, nós temos aqui. Mas não há uma estratégia para utilizar todos estes recursos. Estamos jogando fora os nossos trunfos. Até hoje a política governamental para a região foi formada por fatores isolados, para atender a interesses de pessoas que estão fora da Amazônia, que vivem em outros Estados e até mesmo em outros países.
Diário – Qual seria o melhor caminho para o desenvolvimento da Região Amazônica?
Washington Novaes – O Brasil precisa investir em ciência e tecnologia para explorar o potencial oferecido pela rica biodiversidade da região. Um exemplo do bom aproveitamento deste potencial é uma pesquisa feita pelo Instituto de Pesquisa da Amazônia (Inpa) que resultou em uma variedade de pupunha sem espinho para a produção de palmito. Esta variedade hoje é responsável por 90% da produção de palmito no Brasil, inclusive para exportação. O segmento de medicamentos produzidos a partir de princípios encontrados nas plantas, por exemplo, movimenta US$ 250 bilhões por ano e o Brasil não participa deste setor, não investe em pesquisa, não faz nada. Um caso que retrata bem este descaso do País com o setor é o do pesquisador Sérgio Ferreira, que fazia estudos sobre uma substância encontrada no veneno da cobra jararaca para tratar de problemas de alterações da pressão arterial. Ele trabalhava em Ribeirão Preto (São Paulo), mas não tinha apoio para as pesquisas. Foi, então, convidado para trabalhar em um laboratório nos Estados Unidos. Com isso, hoje o Brasil gasta milhões de reais para importar este medicamento que poderia muito bem estar sendo produzido aqui no nosso país.
Diário - Já existe uma iniciativa para o uso de ciência e tecnologia na exploração dos recursos naturais da Amazônia?
Washington Novaes – Há três ou quatro anos, já na administração do presidente Lula, a Organização Brasileira para o Progresso da Ciência propôs ao Governo Brasileiro uma estratégia de desmatamento zero com o uso da ciência e da tecnologia para a exploração de recursos naturais apenas nas terras que pertencem à União. Na Amazônia, 47% das terras são públicas, 13% são terras indígenas e 10%, unidades de conservação. A proposta era para a utilização apenas das terras públicas, mas não houve acordo. A Amazônia possui 300 mil quilômetros quadrados de área desmatada que não estão sendo utilizadas e poderiam servir para o plantio de soja e outros produtos. Dá para plantar e ao mesmo tempo utilizar os recursos naturais de forma sustentável. Mas não há estratégia governamental para isso. E como os ilegais é que geram emprego, a população fica do lado daqueles que desmatam e tiram a madeira de forma irregular para depois explorar a lavoura e a pecuária.
Diário – O que o senhor tem a dizer sobre a matriz energética no Brasil e a construção de novas hidrelétricas, principalmente na Amazônia?
Washington Novaes – O Governo do Brasil não discute a matriz energética. Em 2006, a Universidade de Campinas (SP) fez uma pesquisa sobre o assunto e constatou que o País desperdiça grande parte da energia produzida. Só na transmissão a perda calculada é de 17%, enquanto no Japão este percentual é de apenas 1%. O recomendável é que fosse feito um trabalho para melhorar a eficiência na transmissão e distribuição de energia, além da repotencialização de usinas mais antigas, para não ter que construir novas hidrelétricas. Para construir Tucuruí, foram inundados 2.730 Km² de floresta e 20 anos depois mergulhadores atuam na área para retirar a cobertura vegetal da região, 90 mil pessoas foram remanejadas, a malária se disseminou e a energia produzida em Tucuruí é utilizada para a produção de ferro buza e alumínio para o Japão. A tendência dos países mais ricos é de repassar para os mais pobres a produção de alumínio, juntamente com os dividendos sociais e ambientais acarretados para essa indústria. O Japão produzia 1,2 milhão de toneladas de alumínio, atualmente produz 50 mil toneladas. Com a hidrelétrica de Belo Monte vai se repetir esta estratégia. A energia que será produzida em Belo Monte, a exemplo de outras hidrelétricas, inclusive as do Madeira, não será para a Amazônia, mas para atender a outros interesses. Nem o ICMS ficará na região, mas beneficiará outros Estados brasileiros.
A Amazônia sempre foi utilizada como desaguadouro de problemas de outras regiões do Brasil. Foi o que aconteceu com a construção da Transamazônica e com a Zona Franca de Manaus, obras construídas para abrigar brasileiros de outras regiões. No caso de Rondônia, ao invés de fazer a reforma agrária no sul do País, foram transferidos grandes contingentes de brasileiros para o Estado. A Amazônia precisa de investimentos em saneamento básico e outros benefícios para a população. Além de programas consistentes para o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, na formação de cientistas, para a exploração sustentável da rica biodiversidade da região.
Palestra
A palestra ministrada pelo jornalista Washington Novaes ontem no auditório da Ulbra em Porto Velho foi prestigiada pelos senadores Valdir Raupp (PMDB) e Acir Gurgacz (PDT), por profissionais da área de comunicação e pessoas interessadas na temática ambiental. O assunto desenvolvimento sustentável da Amazônia foi discutido por mais de uma hora. O evento foi realizado em comemoração aos 17 anos do Diário da Amazônia.
A jornalista Luiza Arcanjo, participou do evento e disse que os dados apresentados por Novaes mostram o custo para fazer derrubadas e queimadas. “Ainda é três vezes menor do que outras técnicas que privilegiam o desenvolvimento sustentável”, afirmou. Outro ponto forte da palestra para a jornalista e assessora de imprensa do Ministério Público Federal foi a ‘retórica da indignação’ dita por Novaes. “O fato de todos reclamarem sobre assuntos que incomodam, mas ficarem paralisados, restringindo-se a reclamar. É só uma retórica de indignação, sem ação alguma. E isto aconteceu recentemente em Rondônia com a fumaça das queimadas. Muita reclamação da população, mas não houve nada de concreto, nenhuma atitude de indignação da população”, afirmou ela.
(Diário da Amazônia, 14/09/2010)