A indústria do tabaco na China patrocina escolas. Quase a metade dos médicos homens do país é fumante. E o ritual de um jantar de casamento exige que a noiva acenda cigarros para cada um dos homens convidados à festa. A China se comprometeu a banir o fumo dos lugares públicos fechados a partir de 9 de janeiro de 2011, em obediência ao tratado mundial antitabagismo, apoiado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Mas fumar é algo tão comum na China que parece improvável que o país cumpra a meta. Até mesmo o governo parece resignado diante da perspectiva de fracasso.
“Restam apenas alguns meses pela frente”, observa Jiang Yuan, vice-diretor do Escritório Nacional de Controle ao Tabaco. “Eu sinto que é extremamente difícil alcançar esse objetivo. O governo chinês está enfrentando um desafio tremendo de tentar controlar o tabaco.”
O fumo está de alguma forma relacionado à morte de pelo menos 1 milhão de pessoas na China a cada ano. A OMS cita uma projeção feita pelo professor Richard Peto, da Universidade Oxford, Grã-Bretanha, de que dos homens jovens chineses vivos atualmente, um a cada três morrerá por causa do vício.
“Estamos falando de um a cada três homens graduados pela Universidade de Tsinghua, de um a cada três homens que são executivos-chefes de empresas, um a cada três engenheiros, um a cada três cientistas, um a cada três políticos e líderes militares”, adverte a doutora Sarah England, que comanda a Iniciativa para Libertação do Tabaco, promovida pela OMS, na China. “Isso virou uma questão de interesse nacional.”
Durante os últimos anos, a China baniu a propaganda de cigarros no rádio, na televisão e nos jornais e tornou ilegal o ato de fumar em alguns lugares fechados, como nos aviões. Durante a Olimpíada de 2008, Pequim e outras grandes cidades chinesas viraram lugares temporariamente livres do fumo em locais públicos.
Nos últimos meses, a China proibiu o fumo nos pavilhões e restaurantes da Xangai Expo, bem como no prédio-sede do Ministério da Saúde em Pequim, que tem 19 andares. O Ministério da Saúde foi o primeiro a banir o fumo nas suas dependências. Há algumas semanas, as autoridades instruíram os jardins de infância, escolas primárias, secundárias e vocacionais a banirem o fumo nas dependências e também a proibirem os professores de fumarem na frente dos alunos.
Mesmo assim, as autoridades de saúde ainda estão perdendo a luta contra os cigarros num país onde fumar é um vício que se espalhou por todos os estratos da sociedade, apoiado por um fortíssimo monopólio estatal do tabaco. A proporção de fumantes não se alterou de maneira significativa e na verdade a produção de cigarros até cresceu.
No começo deste ano, a mídia chinesa repercutiu muito a história de uma garotinha de três anos fumando um cigarro. Fotos publicadas na internet mostraram Xing Yamen sentada numa cadeira enquanto tragava um cigarro. A mãe da menina disse que Yawen começou a fumar provavelmente por causa de um trauma, após ter sido atropelada por um caminhão em fevereiro do ano passado. “No passado, nós trabalhamos tão duro, acho que negligenciamos Yawen”, disse a mãe da menina, Gao Shuli, em entrevista por telefone. “Ela é muito pequena e não sabe nada, mas fumar é algo que afetará seu futuro inteiro”.
O acordo da OMS requer que os países lutem contra o fumo por intermédio de ações como aumentar o preço e os impostos sobre os cigarros, a divulgação de alertas do governo nos maços de cigarros sobre doenças provocadas pelo fumo e a proibição total das propagadas de cigarros. O governo também precisa se comprometer a proibir o fumo nos lugares públicos fechados, locais de trabalho e no transporte público, e fazer cumprir a lei em cinco anos. Isto é o que a China se comprometeu a fazer a partir de 9 de janeiro de 2006, quando assinou o tratado. Quase 170 países assinaram o acordo, inclusive os Estados Unidos, embora não o tenham ratificado.
Poucos dão proteção a fumante passivo
Tornar espaço públicos fechados livres do cigarro é um desafio para muitos países: apenas 17 têm políticas que dão proteção efetiva contra o fumo passivo, informa o OMS, e entre eles estão Nova Zelândia, Colômbia, Grã-Bretanha e Irã. Na China, cigarros são usados como presentes de família e subornos a funcionários públicos. Mesmo nas maiores cidades, como Pequim, as pessoas acendem sem constrangimento cigarros em bares e restaurantes, elevadores, lobbies de hotéis e edifícios governamentais.
Na província de Jiangsu, no leste da China, 40% dos funcionários públicos fumam, de acordo com uma pesquisa recente, acendendo uma média de 12,4 cigarros por dia. Todos, com exceção de 5% entre os que fumam, acendem seus cigarros nos locais de trabalho, de acordo com centro provincial para prevenção e controle de doenças. Enquanto isso, quase metade dos médicos homens na China fuma, de acordo com Jiang, que conduziu um estudo recente sobre isso em 31 províncias e cidades.
“O grande obstáculo é a falta de consciência”, disse Jiang. “Se as pessoas perceberem que mesmo o fumo passivo provoca câncer de pulmão, elas ainda permitirão que pessoas fiquem fumando ao seu lado?”
Também existe um aparente conflito de interesses. A Administração do Monopólio do Tabaco Chinês, que faz a política para a indústria tabagista e fixa as regras, é a mesma agência que controla a Corporação Nacional da Tabaco da China, a maior fabricante mundial de cigarros.
Um resultado desse paradoxo é que os esforços de controle são fragmentados. Os alertas sobre o fumo nos maços de cigarros chineses são feitos em letras pequenas e tomam apenas um terço do espaço da embalagem - o que os críticos afirmam estar abaixo dos padrões da OMS. Os aumentos de impostos sobre os cigarros são absorvidos pela indústria e nunca são repassados ao consumidor.
“A indústria do tabaco tradicionalmente tem sido centralizada pelo governo e é realmente muito importante”, observa Judith Mackay, conselheira sênior de políticas para a Fundação Mundial do Pulmão. “É um problema sério de verdade.”
(Por Gillian Wong, Associated Press, Tribuna do Norte, 10/09/2010)