A menos de quatro meses do fim do mandato, o governo planeja a criação de mais uma estatal. A nova empresa terá como tarefa operar a transposição do Rio São Francisco e fazer a manutenção dos quase 800 quilômetros de canais de concreto em construção no semiárido nordestino - a obra mais cara do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) paga com dinheiro dos impostos.
Por atraso no cronograma, a transposição das águas não será inaugurada até o fim do ano. Apontada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva como "uma das maiores obras feitas no mundo" e a principal realização de seu governo na região Nordeste, a transposição só deverá ter o primeiro dos dois eixos prontos em junho de 2011. A obra completa deverá entrar em operação apenas no fim do ano seguinte.
Antes da entrada em funcionamento do primeiro trecho, o governo precisa definir o custo da água da transposição. Isso será feito com o detalhamento da nova estatal incumbida de operar o sistema, já chamada nos estudos prévios de "operadora federal".
"O funcionamento da transposição tem um custo", diz o coordenador do conselho de gestão do projeto, José Luiz de Souza, funcionário do Ministério da Integração Nacional. "O custo não será assombroso, será suportável. Água cara é a que não está disponível", pondera Souza, sobre o aumento na conta d"água dos futuros beneficiados pela transposição do São Francisco. "Será melhor do que pagar pelos carros-pipa."
O custo da operação da obra inclui a manutenção dos canais de concreto e sobretudo a operação das nove estações de bombeamento da água a uma altura de até 300 metros ao longo da transposição. A "operadora federal" da transposição terá como parceiras operadoras estaduais em quatro Estados beneficiados pela obra: Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte. "A ideia é que o sistema se mantenha sem subsídio da União ou dos Estados", diz o coordenador.
Bilhões
A construção dos canais, porém, será integralmente bancada pelo dinheiro dos impostos arrecadados pela União. Até o início do mês, a transposição do Rio São Francisco já havia custado aos cofres públicos mais de R$ 2 bilhões, de acordo com dados do Tesouro Nacional pesquisados pela ONG Contas Abertas. Esse valor corresponde a 45% dos gastos autorizados pelas leis orçamentárias desde 2004, antes mesmo do início formal das obras, em junho de 2007.
Oito consórcios privados foram contratados e trabalham com o Exército, responsável pelos trechos de captação das águas. O mais recente relatório de acompanhamento da obra indica um total de 9.030 trabalhadores empregados na transposição. Em alguns trechos, a construção trabalha com dois turnos de trabalho.
Estágio atual
O relatório registrou avanço de 61% das obras no Eixo Leste, que Lula pretendia inaugurar até o fim do mandato, e 42% no Eixo Norte. Duas licitações ainda estão em curso.
O relatório, a que o Estado teve acesso, informa que a transposição permitirá não somente o abastecimento de água em 390 cidades do semiárido, como vinha sendo dito até aqui, mas também o uso da água em áreas de agricultura irrigada nos quatro Estados alcançados pela obra.
Até agora, o governo insistia em que a água da transposição serviria apenas ao consumo humano e animal. Nos cálculos do governo, as águas da transposição poderão atender 12 milhões de pessoas em 2025. O número corresponde a 30% da população da área mais atingida pelas secas no Nordeste.
(Por Marta Salomon, O Estado de S. Paulo, IHU-Unisinos, 12-09-2010)