Os argumentos a favor e contra o artigo do projeto de lei de revisão do Plano Diretor de Porto Alegre que fixa uma faixa mínima de preservação de 60 metros na orla do Guaíba, vetado pelo prefeito José Fortunati (PDT), voltarão a ser confrontados na próxima quarta-feira, quando os vereadores terão de enfrentar definitivamente a matéria.
Enquanto a prefeitura mobiliza a base para evitar a repetição do fracasso de quarta-feira - quando a matéria deixou de ser analisada após manobra da oposição, que, ao temer uma derrota, retirou o quórum da sessão e deixou evidente que parte dos governistas havia deixado o plenário -, os parlamentares que buscam derrubar o veto tentam pôr em xeque o mais forte argumento da prefeitura para destacar o item: o de que a nova regra que impõe os 60 metros irá forçar o Executivo a indenizar todos os proprietários de terrenos que construíram na regra anterior, que fixa em 30 metros a faixa de preservação.
O autor da emenda, Airto Ferronato (PSB), pondera que a lei não pode retroagir e, portanto, não atinge construções já existentes. Ele lamenta que durante a redação final do texto original, aprovado em votação em novembro de 2009 na Câmara, a parte que alertava que o artigo só serviria para edificações futuras tenha sido suprimida. "É possível preservar os 60 metros, porque lei não retroage e será mantido o que já existe. Queremos que a lei seja interpretada como regra geral, uma diretriz. Depois é possível fazer outra legislação", avalia.
O diretor legislativo da Câmara Municipal, Luiz Afonso Peres, confirma que, ainda que o artigo fosse aprovado como está redigido, a lei não poderia incidir sobre empreendimentos construídos anteriormente. "A norma geral é a da lei de introdução do Código Civil, que não admite retroação. Algumas leis trazem esse dispositivo, mas essa (da orla) só vai valer para frente", analisa Peres.
O vereador Sebastião Melo (PMDB), que irá votar pela manutenção do veto, atenta para os problemas que o artigo poderá trazer para a prefeitura, que terá de mudar as regras para empreendimentos que ainda não saíram do papel, mas já tem projeto definido.
"A emenda do Ferronato coloca em risco as construções que já possuem regime urbanístico, como a marina pública que deve ser feita no clube náutico e no estádio do Internacional", aponta. "O que faremos em relação ao regime urbanístico da área do Pontal, que é de 2001 e já prevê construção?", questiona.
O supervisor do Planejamento Urbano da Secretaria do Planejamento Municipal (SPM), engenheiro Luiz Fernandes Cogo, insiste que a prefeitura terá de indenizar quem construiu na antiga norma. "Se fixa os 60 metros, não poderá fazer aumento, nem mexer na própria casa. E se cresce a família? Hoje a faixa é de 30 metros, mas com o domínio do terreno para o proprietário", sustenta.
Cogo confirma a preocupação de Melo. "Podemos estabelecer não só 60 metros, mas mais. Principalmente, na região próxima do Gasômetro até os Veleiros. Uma das propostas é fazer um bar-restaurante público, que não seria possível com esse artigo", pondera.
O vereador Reginaldo Pujol (DEM) faz projeção ainda mais alarmante. Para ele, a emenda criaria uma situação de "insegurança jurídica". "As pessoas vão perder o direito ao seu terreno. Terão que entrar na Justiça reclamando de uma desapropriação indireta", sustenta Pujol.
Um dos dissidentes da base, vereador Beto Moesch (PP), afirma que o argumento de Pujol, de que todos os proprietários poderão solicitar indenização, esbarra em decisões do Supremo Tribunal de Justiça, que só considera a possibilidade de indenização em casos de perda total ao direito de propriedade. "Estão achando chifre em cavalo. Não há esvaziamento do conteúdo econômico da propriedade", diz Moesch.
Para o arquiteto Nestor Nadruz, coordenador do Fórum de Entidades - que apoia a emenda e levou representantes no dia da votação -, a prefeitura está utilizando a justificativa de desembolso por conta das indenizações para conseguir barrar uma medida que garantiria o acesso da população à orla. "É uma desapropriação irrisória. É tudo para justificar o interesse pela mercadoria, para construir", critica.
O líder do governo, João Dib (PP), que defende argumento diferente da prefeitura - ele é contra texto da emenda que prevê construção de ciclovias e avenidas para pedestres -, sustenta que o debate será firmado em argumentos mais políticos do que técnicos. Outro vereador que não seguiu a orientação da base, vereador Dr. Raul (PMDB), concorda:
"Sempre me posicionei a favor de deixar a orla o mais livre possível. A iniciativa é boa para a saúde e para o meio ambiente", defende, acrescentando que votará com sua convicção ideológica.
(JC-RS, 10/09/2010)