Desastres naturais têm causado menos mortes, mas a mudança climática deve interferir nestas estatísticas ao provocar condições mais extremas do clima, e que deixam sequelas posteriores como doenças e má nutrição, dizem especialistas.
Temperaturas elevadas podem agravar os desastres, tanto quanto provocar a interrupção da produção de alimentos. Segundo as Nações Unidas, o aquecimento global causará mais secas, incêndios florestais, ondas de calor, inundações, deslizamentos de terra e aumento do nível do mar --todas ocorrências são uma ameaça para uma população que deve sair dos 6,8 bilhões para 9 bilhões de pessoas até 2050.
Os efeitos pós desastres naturais frequentemente são os piores, em termos de mortes adicionais. "Mortes em condições extremas de clima, como aconteceu neste ano nas inundações do Paquistão, são um alerta de que precisamos rever os esforços para manter a mudança climática sob controle", diz o diretor da London School of Hygiene and Tropical Medicine, Andrew Haines.
Mais de 1.750 pessoas morreram nas inundações do Paquistão, e outras milhares correm riscos devido a doenças. Ao menos 54 morreram nos incêndios na Rússia, em julho e agosto, que levaram ao aumento do preço de grãos --ameaçando os pobres com a má nutrição.
"Há um crescimento da taxa de mortalidade por causas indiretas. As pessoas estão mais pobres, e a mortalidade infantil que não é normal aumenta", completa Haines. "Deve haver significativas mortes que são subestimadas", diz ele. "A mudança climática poderia ser acrescentada aos prejuízos posteriormente provocados por desastres naturais."
As melhorias em alertas sobre ciclones e ondas de calor, assim como no índice da pobreza, em países em desenvolvimento, tornaram essas nações mais preparadas para condições extremas do tempo, o que colabora para frear o número de mortes.
"Estamos indo bem em termos de salvar de pessoas", diz o especialista sênior da Organização Mundial da Saúde (WHO, na sigla em inglês) das Nações Unidas, Diarmid Campbell-Lendrum. "Mas não há garantias futuras, já que vemos o perigo aumentando, principalmente como o calor [em regiões] onde não estamos bem preparados', disse à Reuters.
"A mudança climática apenas acrescenta outro motivo ao por que devemos controlar a malária, a diarreia, e a lidar com o problema da má nutrição", diz. "Esses são os grandes desafios."
NÚMEROS SUBESTIMADOS
A Organização Mundial da Saúde vai divulgar uma pesquisa, no ano que vem, para atualizar os dados de um estudo de 2003, que estima que 150 mil pessoas morreriam a cada ano por causa do aquecimento global --a maioria por má nutrição, diarreia e malária. Esses números devem dobrar até 2030, mas o diretor do órgão evita anunciar os novos números.
"A resposta, a curto prazo, é de prevenção a desastres para ajudar a salvar vidas", diz Achim Steiner, chefe do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, que cita o exemplo de sucesso em Bangladesh e Cuba no controle de mortes provocadas por tempestades em décadas recentes.
Em Bangladesh, por exemplo, um alerta inicial e abrigos ajudaram. O ciclone Bhola matou 300 mil pessoas em 1970, enquanto outro ciclone de 1991 matou 139 mil, segundo o banco de dados EM-DAT, com sede na Bélgica. Já em 2007, o ciclone Sidr registrou 3.500 mortes fatais.
Com investimentos de prevenção contra inundações no Paquistão, ou melhores informações sobre como lidar com as ondas de calor, Steiner completa, as soluções de longo prazo deveriam ser o corte na emissão de gases do efeito estufa, principalmente os originados pela queima de combustíveis fósseis.
"O ponto fundamental da mudança climática será levar o mundo a investir no gerenciamento do desastre ou no desenvolvimento", Steiner diz à Reuters. "Esta é a opção desta geração."
Campbell-Lendrum diz que o estudo de 2003 da Organização Mundial da Saúde pode ter subestimado o impacto de inundações como as que ocorreram no Paquistão e as ondas de calor na Rússia (mais de 70 mil pessoas morreram na Europa em 2003 em decorrência das ondas de calor).
Ele diz que a mudança climática era um argumento de apoio para serviços básicos de saúde em nações pobres, onde 830 milhões de pessoas sofrem de subnutrição e estão em risco maior.
Outros estudos ligaram o aquecimento com a disseminação de carrapatos e encefalite no noroeste da Europa. Um deles sugeriu maiores taxas de suicídio entre fazendeiros australianos durante as secas, segundo um painel sobre o clima das Nações Unidas. A mudança climática, porém, tem efeitos negativos e positivos --mais pessoas estão ameaçadas pelas ondas de calor, por exemplo, mas idosos também sobrevivem melhor com invernos mais amenos.
Os dados da EM-DAT mostram que mortes provocadas por desastres naturais têm diminuído de, aproximadamente, 500 mil pessoas por ano, um século atrás, para menos de 50 mil em anos mais recentes -os números incluem desastres não relacionados à mudança climática como os tsunamis e as erupções vulcânicas; o pior em anos recentes é o de 2004, com o tsunami do oceano Índico.
(Reuters, Folha.com, 07/09/2010)