Terminou a viagem de uma semana de Ute Koczy, deputada federal pelo Partido Verde da Alemanha, ao Brasil, organizada pela Fundação Heinrich Böll. Sem poder visitar a mina de urânio de Caetité, deputada encontra afetados, ambientalistas e políticos da região e do Estado e discute os perigos da mineração e as consequências políticas das aspirações brasileiras de fechar o circuito nuclear.
O fornecimento e controle da qualidade da água, o monitoramento da saúde da população local e a certificação de qualidade para os seus produtos agrícolas foram as principais demandas apresentadas à deputada federal alemã Ute Koczy na sua visita à zona rural dos municípios de Caetité e Lagoa Real, no sertão da Bahia. Dos onze poços de abastecimento que foram abertos pela empresa estatal federal Indústrias Nucleares Brasileiras (INB), dona da mina de urânio no local, nove tiveram que ser lacrados devido aos altos índices de urânio encontrados na água. Estudos do Instituto de Gestão das Águas e Clima (INGÁ), do governo baiano, comprovaram que o lençol freático da região está contaminado a ponto de constituir risco para a saúde das famílias que vivem próximas da mina. E o que é pior, essa fonte primordial de água naquela região do semi-árido vem diminuindo desde que a INB deu início à extração de urânio em Caetité, em 2000. Como as autoridades não providenciaram carros-pipa, algumas famílias, desesperadas, reabriram os poços lacrados para obter água, mesmo sabendo do risco de contaminação que correm.
A falta de informações por parte da INB foi outra reclamação das famílias afetadas. Já aconteceram diversos incidentes na mina, “mas é sempre preciso que haja outro tipo de vazamento, o de informação – através de um trabalhador da mina, que nos informa –, para que o público possa tomar conhecimento, por exemplo, do vazamento de liquor uranífero das lagoas de decantação da mina”, informou um representante de associação de moradores à deputada Ute Koczy. Devido às incertezas em relação ao nível de contaminação e seus efeitos para a saúde humana, os agricultores da região da mineração já não conseguem vender seus produtos nas feiras.
A crônica falta d’água, a ausência de monitoramento dos sérios riscos que a mineração de urânio oferece à saúde, a desinformação e os prejuízos econômicos já foram denunciados por organizações como o Greenpeace, o Grupo Ambientalista da Bahia (GAMBÁ) e a Associação Movimento Paulo Jackson, além de diferentes órgãos públicos, tendo resultado em ações judiciais: o Ministério Público Federal na Bahia ajuizou, em junho do ano passado, uma ação civil pública com pedido de liminar para que a INB interrompesse suas atividades de mineração de urânio na região até que a segurança da população e do meio ambiente estivesse garantida. Essa ação requer ainda que seja feita a separação entre a promoção e a fiscalização das atividades nucleares no país, hoje a cargo de um mesmo órgão – a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). Segundo analistas, isto fere a legislação internacional sobre energia nuclear, à qual o Brasil está submetido. O Ministério Público demandou ainda que a União e a CNEN paguem pela realização de uma auditoria independente sobre as atividades da INB na região, e que o IBAMA suspenda a eventual licença ambiental existente, não concedendo outra até a INB atenda às requisições da ação civil pública.
Em outra ação, movida pelo Ministério Público Estadual (MPE), a INB, o governo da Bahia e as prefeituras de Caetité e Lagoa Real foram condenadas a fornecer água potável aos moradores da região afetada, a garantir assistência de saúde às populações locais, a realizar estudos hidro-geológicos para avaliação da extensão da contaminação do lençol freático, a executar análise dos produtos agrícolas da área do entorno da mina, e outras 21 determinações. Essa ação do MPE foi julgada – em última instância – no Supremo Tribunal Federal, que confirmou a condenação dada pelo juiz de Caetité.
“As condições das pessoas afetadas são dramáticas. Elas se sentem impotentes frente ao grande poder das indústrias nucleares e precisam urgentemente de ajuda. A situação em Caetité ainda demonstra claramente que os problemas provocados pela energia nuclear não se referem apenas a questões como o armazenamento final dos rejeitos de alta radioatividade ou a segurança dos reatores. Eles estão presentes desde o início do ciclo, com a extração do urânio do solo”, avaliou a deputada.
Antes de ir a Caetité, Ute Koczy foi a Angra dos Reis (RJ), onde visitou a usina nuclear de Angra 2 e se encontrou com ambientalistas. Esteve também no Rio de Janeiro, Salvador e em Brasília, reunindo-se com representantes do governo, entre eles a secretária de Meio Ambiente do Rio de Janeiro, Marilene Ramos, a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, e José Antonio Corrêa Coimbra, secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, além do diretor de pesquisa e desenvolvimento da CNEN, Marcos Nogueira Martins, e do encontro com a ONG AVCESIO (Associação das Vítimas do Césio 137). Ainda teve encontros com altos representantes do Partido Verde, como o presidente nacional do partido, José Luiz Penna, o secretário de relações internacionais, Marco Antonio Mróz, o presidente do PV no Distrito Federal e candidato a governador do Estado, Eduardo Brandão, o presidente do PV na Bahia, Ivanilson Gomes, e Edson Duarte, também do PV baiano e candidato ao Senado. No Rio, reuniu-se com os principais candidatos do Estado, Fernando Gabeira, Alfredo Sirkis e Aspásia Camargo.
A visita da deputada Ute Koczy foi organizada pelo escritório da Fundação Heinrich Böll no Brasil, uma organização política sem fins lucrativos, que se entende como parte da corrente política verde, representada na Alemanha pela coalizão partidária Aliança 90 / Os Verdes.
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Texto da Fundação Heinrich Böll, socializado por Zoraide Vilasboas, jornalista e membro da Associação Movimento Paulo Jackson – Ética, Justiça, Cidadania, colaboradora do EcoDebate.
(EcoDebate, 03/09/2010)