Diante das emissões de gases de efeito estufa em cada estágio da cadeia de produção, a indústria madeireira deve escolher. Poderia considerar a redução das emissões. Ou poderia tentar a maquiagem verde de suas operações tentando de fato evadir responsabilidades. Talvez não seja surpreendente, devido à sua história, que a indústria esteja optando pela última opção.
A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação tem sido grande defensor da indústria madeireira, particularmente da indústria do papel e celulose e as plantações industriais de árvores. Há dois anos, a FAO e o International Council of Forest and Paper Associations (ICFPA) encomendaram um estudo que objetivava “delinear o perfil da indústria nas negociações internacionais sobre o aquecimento global”. Teria sido um objetivo valioso se significasse uma tentativa para reduzir as emissões causadas pela indústria madeireira.
O relatório foi divulgado no início deste ano com o título “Impact of the global forest industry on atmospheric greenhouse gases.” O relatório não considera a forma como a indústria madeireira pode reduzir suas emissões. Ao contrário, tenta dar um giro e considerar a indústria madeireira como parte da solução para a mudança climática em vez de como parte do problema.
“Pensamos que [o relatório] é uma importante tentativa de apresentar o perfil climático do moderno manejo florestal e das indústrias imparcialmente, com base em fatos e cifras sólidas,” escreve na introdução Michael Martin da FAO. Mas o relatório não é imparcial nem está baseado em fatos e cifras sólidas.
O autor do relatório, Reid Miner, trabalha para o National Council for Air and Stream Improvement (NCASI) que foi estabelecido há mais de 60 anos por parte da indústria celulósica. Os doadores e revisores do relatório são representantes do ICFPA, a Confederação Européia das Indústrias de Papel, a FAO, o Comitê Consultivo sobre Celulose e Produtos Madeireiros e o NCASI.
O estreito envolvimento da indústria não seria, talvez, importante se o relatório estivesse realmente baseado em “fatos e cifras sólidas.” Mas não está. Uma olhada na discussão de Miner sobre as emissões causadas pelas plantações industriais de árvores ilustra esta questão. (Miner, obviamente, fala de “florestas plantadas” ao se referir às plantações industriais de árvores.)
“Há poucos dados recentes disponíveis para caracterizar com precisão os tipos de terras convertidas a florestas plantadas ou florestas semi-naturais assistidas, escreve Miner. Devido à falta de dados, Miner conclui que os “impactos relacionados com o carbono” das plantações estabelecidas “não podem ser calculados com certeza no nível global.” Assim, ele “calcula” que os impactos relacionados com o carbono decorrentes do estabelecimento de plantações é zero.
O argumento de Miner é simples. O estabelecimento de plantações em terras não florestais resultam em aumento do carbono absorvido, enquanto as florestas clareadas para dar lugar a plantações resultam em aumento de emissões. A área de 1,6 milhões de hectares ao ano de plantações estabelecidas em terras não florestais iria “compensar aproximadamente as perdas associadas com a conversão de florestas de 1,5 milhões de hectares ao ano.” Esse foco no carbono exclui os impactos sociais e ambientas decorrentes da conversão de pradarias ricas em biodiversidade a monoculturas, como tem ocorrido em vastas áreas da África do Sul. Mas as cifras de Miner para as emissões causadas pelas plantações estabelecidas não estão baseadas em fatos ou cifras – sólidas ou de outro tipo.
A fonte de Miner é um relatório do qual é co-autor de 2007: “The Greenhouse Gas and Carbon Profile of the Global Forest Products Industry,” (que, coincidentemente, é marcadamente similar a seu último relatório para a FAO). Em 2007 ele escreveu que “Esse resultado, porém, está sujeito a incertezas consideráveis.” De fato, poderiam ser “várias centenas de milhões de toneladas de CO2 equivalentes acima ou abaixo desse resultado de “zero absoluto”. Portanto, a sólida cifra de Miner é zero com uma margem de erro de várias centenas de milhões para mais ou para menos.
A indústria madeireira usa grandes quantidades de biomassa (conhecida como detrito) para produzir energia nos processos de elaboração. Miner explica que “o CO2 liberado ao queimar a madeira faz parte de um ciclo natural e está compensado pela plantação de árvores”. Conforme Miner, e o Protocolo de Kioto, a biomassa não produz emissões. O problema é que a queima de biomassa não produz emissões de gases de efeito estufa. Essas emissões podem ser subsequentemente absorvidas pela plantação de árvores, mas pode levar décadas. E a biomassa não resulta em enormes emissões adicionais – quando as plantações são estabelecidas em turfeiras, por exemplo.
Um documento publicado na revista Science no ano passado argumenta que esse erro de cálculo de biomassa deveria ser corrigido. Sem nada a dizer, Miner não menciona esse documento em seu relatório para a FAO.
Todas as indústrias têm suas próprias organizações para promover seus pontos de vista. As várias organizações que ajudaram na produção do relatório de Miner caem nesta categoria no caso da indústria madeireira. Mas a FAO descreve-se como “uma rede de conhecimento” para “coletar, analisar e divulgar dados que ajudem ao desenvolvimento”. Está financiada por contribuintes. Então, por que está ajudando a promover a maquiagem verde da indústria madeireira?
O relatório “Impact of the global forest industry on atmospheric greenhouse gases” pode ser acessado em: http://bit.ly/dpzVuH
Boletim número 157 do Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais
(EcoDebate, 03/09/2010)