Um desavisado que passa pela North Linbdergh Boulevard em Saint Louis e pisca os olhos na hora errada corre o risco de não identificar a entrada do quartel-general da maior empresa de sementes do mundo.
Incrustada no meio de um verdadeiro campus universitário e cercada de árvores, a Monsanto mantém sua sede na mesma cidade onde foi fundada em 1901, como uma indústria química.
Nesses mais de cem anos, muitas histórias são contadas usando como pano de fundo a própria estrutura física da empresa. "Foi daqui que saiu a primeira semente de soja transgênica do mundo", diz um antigo funcionário, apontando para um dos prédios da empresa, construído em 1984. "Esses foram os produtos à base de petróleo que produzíamos e deixamos de fazer por uma opção estratégia", completa, apontando um quadro repleto de frascos.
Em toda sua vida, a Monsanto passou por profundas mudanças, mas consolida nos últimos dois anos aquela que talvez tenha sido a mais relevante de todas, a entrada na biotecnologia.
Apesar de qualquer um dos quatro mil funcionários do quartel-general de Saint Louis ou dos demais 17 mil espalhados pelo mundo saberem que a Monsanto é uma empresa de defensivos e sementes e biotecnologia, mais do que nunca, a biotecnologia se sobrepõe a qualquer outro negócio da empresa.
Contudo, quando questionado se a Monsanto é uma empresa de biotecnologia e se irá ter uma dedicação maior a esse segmento, Jesus Madrazo, diretor global de negócios da empresa, é rápido em responder: "Somos 100% agricultura".
Explicitamente, ninguém admite, na Monsanto, que o negócio de sementes e biotecnologia é mais relevante que o de herbicidas, afinal, a indústria química foi o berço da empresa e sua principal fonte de renda por décadas.
A patente do glifosato, a principal molécula para produção de herbicidas do mundo e descoberta pela Monsanto, expirou apenas em 2000, o que mostra o peso da indústria química para a empresa até então.
A crise do petróleo do fim da década de 70 foi o principal catalisador para a entrada da Monsanto em biotecnologia. E outros três aspectos mais recentes deixam claro o que está nas entrelinhas em conversas com qualquer funcionário: todo o crescimento da companhia nos próximos anos, se ocorrer, será sustentado no mercado de sementes transgênicas.
Um primeiro aspecto é que é mais barato e leva menos tempo o processo de pesquisa e desenvolvimento de uma semente transgênica do que o desenvolvimento de uma nova formulação de defensivo.
Enquanto uma semente transgênica demanda investimentos entre US$ 100 milhões e US$ 150 milhões e um prazo de oito anos, um novo defensivo requer perto de dez anos e pelo menos US$ 250 milhões.
Isso pode explicar por que a Monsanto aporta mais de US$ 1 bilhão na pesquisa voltada a sementes e biotecnologia e "apenas" US$ 55 milhões para os defensivos, entre eles o glifosato.
O investimento em pesquisa da empresa, aliás, representou 10% da receita global no ano fiscal de 2009, mas foi metade de todo o lucro obtido pela Monsanto nesse mesmo ano.
Se investir 95% do orçamento para pesquisa em um único setor pode parecer muito, essa análise passa a fazer mais sentido quando é comparada ao faturamento total da empresa.
Os negócios com sementes e biotecnologia representaram no ano passado 62% da receita global da Monsanto.
O fechamento do balanço de 2010 está previsto para o início de outubro, mas no acumulado dos nove primeiros meses do ano fiscal encerrado em agosto, a fatia do bolo representada pela biotecnologia já havia aumentado para 77%, com a perspectiva de se manter nesse nível no resultado fechado do ano.
"O negócio de proteção de cultivos é importante porque ele é um complemento para o mercado de sementes e biotecnologia. Esse setor, no entanto, representará menos de 10% de nosso lucro bruto. Já a área de sementes e biotecnologia deve crescer entre 14% e 16% de forma sustentável nos próximos anos", afirma Madrazo.
Mas talvez a grande decisão estratégica da Monsanto, que demonstra sua preferência pela biotecnologia aos defensivos, seja o plano para a entrada no mercado chinês. Segundo Madrazo, a empresa atuará apenas no setor de sementes na China, mercado bastante pulverizado, em que o líder do setor detém uma fatia não maior do que 2%.
Assim, uma das formas de a Monsanto chegar ao mercado chinês de sementes e biotecnologia e oferecer produtos transgênicos em sementes adaptadas seria por meio de aquisições de empresas locais. Isso pode levar a China a presenciar um processo vivido no Brasil há menos de uma década: a concentração no mercado de sementes.
"A China é uma grande oportunidade para a Monsanto, mas não para os próximos dois ou três anos. Para entrarmos lá, no entanto, precisamos de três coisas: um sistema regulatório, um sistema que remunere as inovações e um sistema de lei que respeite a propriedade intelectual. A China está no processo de desenvolvimento desses sistemas e quando isso estiver pronto, seremos mais agressivos nesse mercado", afirma Madrazo.
(Por Alexandre Inacio, Valor Econômico, MST, 02/09/2010)