Ao contrário do que foi declarado em A Gazeta, a ex-Aracruz Celulose (Fibria) não repassou R$ 1,8 milhão às comunidades indígenas do Estado. Este valor representa o pagamento, pela empresa, de uma verba a que foi obrigada a liberar para que as aldeias tivessem meios de buscar sustentabilidade. A verba faz parte do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que obrigou a empresa a devolver 11.009 hectares de terras indígenas ileglmente ocupadas por ela e assim garantir a sua recuperação.
Com o anúncio, a transnacional tenta amenizar seus planos de dobrar a produção e, portanto, ocupar mais 100 mil hectares de terras do Espírito Santo.
A verba desembolsada pela transnacional, portanto, nada mais é do que o cumprimento de um acordo feito entre índios, empresa e Ministério Público Federal (MPF), para garantir que as terras indígenas sejam devolvidas aos seus verdadeiros donos em condições de garantir a sustentabilidade das famílias Tupinikim e Guarani no norte do Estado.
Ao todo, cerca de 40 mil hectares de terras indígenas foram ocupadas pela ex-Aracruz Celulose (Fibria) com a ajuda do major PM Orlando Cavalcante (membro do extinto “sindicato do crime”). Durante os 40 anos de exploração, além de exaurir a terra, a transnacional deixou os indígenas sem meios de subsistência, ilhados entre eucaliptais e rios contaminados por agrotóxicos.
Portanto, embora obrigada a desembolsar apenas R$ 3 milhões, a transnacional Aracruz Celulose lucrou aproximadamente R$ 165 milhões durante os 40 anos de ocupação e exploração das terras indígenas.
Neste período os índios lutaram duas vezes para retomar suas terras. A primeira luta ocorreu na década de 70 e foi responsável pela retomada de 7 mil hectares de terras indígenas ocupadas de forma ilegal pela empresa. Somente 30 anos depois os índios retomaram a luta e reconquistaram mais 11.009 hectares.
Para devolver os mais de 18 mil hectares indígenas, dos 40 mil utilizados pela ex-Aracruz Celulose, a transnacional chegou a exigir que os índios não lutassem mais pelas terras que lhyes foram usurpadas.
Neste sentido, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com os índios foi assinado em 2007 prevendo a indenização de R$ 3 milhões pelos danos às comunidades indígenas Tupinikim e Guarani que vivem no norte do Estado. Somente em 2008 o primeiro repasse (1,2 milhão) foi enviado aos índios e, mesmo assim, sob protestos das comunidades.
Pelo TAC, os R$ 3 milhões seriam pagos somente após conclusão dos estudos etnoambientais. Mas houve atraso no início dos estudos, prejudicando os índios. Como represália, os índios obrigaram a Aracruz Celulose a parar o corte do eucalipto na área retomada.
A verba de 1,2 milhão foi destinada à realização de um estudo etnoambiental por entidade indicada por pela Associação Indígena Tupinikim Guarani (AITG) e Fundação Nacional do Índio (Funai), com o objetivo de avaliar os impactos gerados pela empresa na região e as alternativas para recuperar o meio ambiente e a sustentabilidade das famílias indígenas.
A ex-Aracruz Celulose também é responsável pela ocupação de 50 mil hectares de terras quilombolas nos municípios de Conceição da Barra e São Mateus, no norte do Estado. A transnacional ocupa também terras devolutas que deveriam ser destinadas à reforma agrária, como as da fazenda Agril (8.980 hectares) entre os municípios de Aracruz e Linhares, também no norte do Estado.
Atualmente a ex-Aracruz Celulose detém 30% do mercado mundial de celulose, que é de 5,4 milhões de toneladas por ano. Para isso, ela ocupa 650 mil hectares de terras no País, sendo 290 mil hectares – 10 mil em áreas de pequenos proprietários de terra – no Espírito Santo.
No Estado, a ex-Aracruz Celulose (Fibria) prevê a construção de uma quarta fábrica de celulose em 2020, mas a informação da empresa é que a decisão sobre os novos plantios terá que aguardar a posse do novo governador do Estado.
Além das terras capixabas, a transnacional também busca ampliar o monocultivo do eucalipto na Bahia e Rio Grande do Sul (60 mil hectares já plantados), onde suas fábricas serão duplicadas.
Um ano de Fibria
A Fibria completou nesta quarta (1) seu primeiro ano à frente da ex-Aracruz Celulose, mantendo a mesma relação conflituosa com as comunidades tradicionais do Espírito Santo.
Sem qualquer entendimento entre as partes, a transnacional insiste na imagem da boa relação, enquanto quilombolas e indígenas continuam vivendo sob i impacto dos eucaliptais da empresa.
Além dos índios Tupinikim e Guarani, para os quais a empresa afirma ter repassado R$ 1,8 milhão, também foi divulgado por ela uma suposta atuação nas comunidades dos municípios de onde tira seus lucros, investindo em programas que desenvolvem a economia local.
Entre as atividades anunciadas, diz que incentivou o programa de Produção Integrada de Madeira e Alimentos (Pima) em Aracruz e São Mateus.
Entretanto, segundo as comunidades quilombolas, os negros continuam vivendo de forma precária nos municípios de Conceição da Barra e São Mateus, sob intensa ameaça da milícia armada da empresa.
Ilhadas, estas comunidades só possuem dois meios de subsistência: a cata dos restos de eucaliptos (diversas vezes coibidas com violência por seguranças da ex-Aracruz Celulose, inclusive com prisões arbitrárias) e a produção do beiju.
Com a terra degradada pelo intensivo uso de agrotóxico em prejuízo da produção de alimentos na região, os quilombolas enfrentam atualmente – nas terras tradicionais que já foram reconhecidas como suas – o desafio de converter a cultura do eucalipto para a cultura da produção de alimento.
(Por Flavia Bernardes, Século Diário, 02/09/2010)