É essencial convencer a sociedade de que é indispensável a transformação ecológica da economia para evitar que crises como a atual se repitam, afirmou o deputado Daniel Cohn-Bendit, líder do Partido Verde Europeu.
Esta que foi uma das figuras mais emblemáticas da revolta estudantil francesa de maio de 1968, quando a imprensa o chamou de Dany, o Vermelho, abraçou a causa ecológica no final da década de 70 e desde 1994 ocupa uma cadeira no Parlamento europeu.
Em visita ao Rio de Janeiro para a conferência “Ecologia no Século 21”, organizada pelo Partido Verde brasileiro, Daniel também disse à IPS que as mudanças para enfrentar o problema ambiental, por ser planetário, “devem ser feitas pela via democrática”.
IPS: Qual o futuro da União Europeia após a crise econômica que afetou Grécia, Espanha e outros países-membros, e também quais as suas consequências?
Daniel Cohn-Bendit: A Europa cresceu ao longo de sua história atravessando crises. Se entendermos onde erramos para chegar a esta situação apenas uma década depois do nascimento da zona do euro, creio que sairemos mais integrados, seremos “mais Europa” ainda.
IPS: Qual pode ser o impacto ambiental desta crise? Existe a possibilidade de flexibilização dos controles de contaminação em nome de uma rápida recuperação econômica?
DCB: Esse é o grande debate na Europa nestes dias: a necessidade de maiores controles em uma economia capitalista e de mercado para que não afetem as questões ecológicas. Não posso dizer quem ganhará, qual postura se imporá, mas é uma realidade que na Europa está crescendo a proposta do Partido Verde. Creio que a saída para a Europa é um debate, e o consenso entre o Partido Verde e a social-democracia. O problema é que nós, verdes, participamos pouco dos governos. Isso não quer dizer que seja necessário termos mais ministros, não quero ser um. Penso que nossa presença deve ser incentivando uma inteligência política que realmente seja considerada. A origem desta crise é que a premissa do capitalismo é sempre acumular mais e rapidamente. Vivemos durante décadas a um ritmo desenfreado de crescimento que levou à degradação do ambiente e seus efeitos sobre a mudança climática.
IPS: E quanto ao impacto social? O ajuste para o econômico afetou o cidadão comum e aumentou o desemprego.
DCB: Não creio que sejam reduzidos, por exemplo, os direitos trabalhistas. Igualmente, estamos no meio da crise e, consequentemente, o este debate não terminou. Os sindicatos e os trabalhadores defendem seus direitos e deverão alcançar posições de consenso.
IPS: Nesse contexto, como é possível levar adiante políticas ambientalistas?
DCB: Nossas iniciativas se aplicam porque, precisamente, todas as crises pelas quais passamos são consequências de um crescimento desmedido, a qualquer custo. A população de menor recurso é a que mais sofre, e não apenas em cada crise econômica, como também os efeitos sobre o meio ambiente. Por esse motivo, é necessário convencer a sociedade de que é indispensável uma transformação ecológica da economia. Caso isso não ocorra, o sistema econômico, toda a sociedade, enfrentará mais e mais crises, e suas consequências ambientais serão cada vez piores. Sempre dou como exemplo a Alemanha como melhor forma de melhorar a qualidade de vida de um país a partir de iniciativas de cuidado com o ambiente. Quando começou a investir em energias limpas em lugar da nuclear, houve uma transformação ecológica que também se plasmou na economia real das pessoas porque geraram mais empregos.
IPS: Como seria possível replicar esse tipo de estratégia na América Latina e na África, já que a realidade social é completamente diferente da existente no mundo industrializado?
DCB: Primeiro, a troca de informação entre grupos ecológicos da América Latina e da Europa é constante. Assim, é possível contextualizar as medidas para cuidar do ambiente. O mesmo acontece na África. Não se deve perder de vista que o movimento ambientalista é global e nossas propostas são soluções planetárias. Nos lugares onde mais impera a desigualdade social e econômica é onde mais se deve lutar para realizar uma transformação ecológica. Essa é a razão pela qual os problemas ambientais no Brasil e no resto da América Latina ou no mundo são iguais, porque devemos concretizar uma mudança de modelo econômico e social. Contudo, é imprescindível que tais mudanças ocorram dentro do contexto e das características sociais de cada continente, porque é impossível copiar ou pensar que essas transformações se farão igualmente em todas as partes.
IPS: As medidas para cuidar do ambiente podem afetar o direito à autodeterminação dos Estados?
DCB: As mudanças ecológicas devem ser feitas por meio da via democrática e de políticas que disparem em várias direções. A democracia tem de estar ligada ao direito internacional. Por isso trabalhei para a formação do Tribunal Penal Internacional, pois não podemos permitir que seja imposta a lei do mais forte. Também defendo que a Organização Mundial do Comércio integre os sindicatos e leve em conta as convenções trabalhistas. Ao mesmo tempo, considero que toda legislação industrial da Europa deveria valer para o resto do mundo, evitando, assim, a transferência de indústria para países onde as regulamentações e os controles ambientais são menores.
IPS: Como vê as mudanças ocorridas no mundo nestes 42 anos que se passaram desde o Maio Francês?
DCB: Este é outro mundo e seus problemas são outros. A estrutura da sociedade também é completamente diferente. Por isso, entendo que é impossível comparar aqueles anos com a problemática atual. Tampouco creio que seja possível comparar aquela geração com a atual, porque as preocupações não são as mesmas. Hoje, talvez seja mais difícil para os jovens, porque suas preocupações passam pela instabilidade no trabalho, ecologia e sobre um futuro que talvez não seja tão promissor.
IPS: É verdade, como foi publicado, que se arrepende desse levante estudantil?
DCB: Nunca disse isso. O que declarei é que devemos deixar para trás o Maio de 68 porque vivemos outros tempos e a conjuntura político-social é outra. Como sempre disse que devemos olhar para frente, então pensam que renego o passado. Nada disso, não me reprovo por nada e, pelo contrário, me sinto muito bem por ter participado.
(Por Leonel Plügel, IPS, Envolverde, 1/9/2010)