(29214)
(13458)
(12648)
(10503)
(9080)
(5981)
(5047)
(4348)
(4172)
(3326)
(3249)
(2790)
(2388)
(2365)
cerrado desmatamento passivos do agronegócio
2010-09-01 | Tatianaf

Na descrição que fez ao seu tradutor italiano, Guimarães Rosa disse que, além do verde feio e monótono, havia as veredas. "Em certas partes da região, passaram a chamar também de veredas os ribeirões. Riachos e córregos - para aumentar nossa confusão", escreveu a Edoardo Bizarri. De um lugar onde só se viam árvores tortas e solo considerado imprestável, o Cerrado virou a maior fronteira agropecuária do País e espaço de uma grande contradição: o governo afirma que a região é a preocupação número 1 da agenda ambiental oficial, mas suas terras são o grande alvo da expansão do agronegócio.

A nova visão do Cerrado começou a ganhar forma com a divulgação dos resultados de imagens de satélites, em 2009. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais detectou a devastação de 48,2% do segundo maior bioma do País até 2008. Em seis anos, ele perdeu 6,3% da vegetação, num ritmo de devastação superior ao da Amazônia. A área degradada atinge 360 mil quilômetros quadrados, quase uma vez e meia o tamanho do Estado de São Paulo.

A reação veio no fim de 2009, na forma de metas de redução das emissões de carbono, expressa na Lei de Mudanças do Clima. Até 2020, o ritmo anual de desmatamento terá de cair para 8.700 quilômetros quadrados - para atingir a meta de cortar a emissão de toneladas de carbono em 40% sobre a média de 1996 a 2008. Em outras palavras, o Cerrado poderá perder até o equivalente a quase seis vezes o tamanho da cidade de São Paulo em vegetação nativa durante o ano.

O freio parece grande, diante da média de 21.300 km² por ano entre 2002 e 2008. Mas é menos do que defendiam os ambientalistas. Coube à então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, diminuir de 60% para 40% a meta de redução do desmatamento.

Para tirar a proposta do papel, o governo anuncia no dia 11 um plano de controle do desmatamento no Cerrado. Os estudos incluem corte de crédito a desmatadores ilegais, estímulos a proprietários que se disponham a preservar a vegetação e a criação de unidades de conservação. O plano oficial estima que, no quesito emissões de carbono, o desmatamento da região pesa mais que a devastação da Amazônia. "Atualmente, nossa maior preocupação é o Cerrado", diz a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira.

Água. Parte da importância estratégica do bioma, que se estende por dez Estados e o Distrito Federal, está na água. Das 12 regiões hidrográficas do País, 6 têm nascentes lá. "Da produção de energia elétrica do Brasil, 95% tem alguma contribuição nas águas que nascem no Cerrado", estima o agrônomo Donizete Tokarski, presidente da entidade Ecodata, dedicada ao bioma. Na contabilidade, entram as Hidrelétricas de Itaipu e Tucuruí, além das novas usinas do Rio Madeira.

A redução do desmate no Cerrado é tida como desafio maior que na Amazônia. Por dois motivos: o primeiro é que a lei ambiental em vigor autoriza donos de terras da maior parte do bioma a cortar até 80% da vegetação nativa - na Amazônia, esse é o porcentual que proprietários são obrigados a preservar.

O outro motivo é que o Cerrado representa ainda o maior espaço para a expansão da agropecuária. Estudos do Ministério da Agricultura projetam a expansão em 21% da área destinada a pastagens no País em dez anos. Nesse mesmo período, a produção de soja crescerá 44%. "A tendência é de que qualquer expansão da produção ocorra no Cerrado, pelas restrições impostas na floresta. Excluindo a área considerada imprópria, ainda restam pouco mais de 25 milhões de hectares (250 mil km²) a serem explorados", calcula o presidente da Comissão de Meio Ambiente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Assuero Veronez.

"Vamos ter de compatibilizar a preservação e a expansão da produção no Cerrado, mas a palavra sustentável muda toda a contabilidade e aumenta o custo", analisa o pesquisador da Embrapa José Felipe Ribeiro. A primeira conta aparece na forma de financiamento de pelo menos R$ 1 bilhão, em dinheiro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), para a recuperação de áreas degradadas do Cerrado, com juros de 5,5% ao ano e prazo de 8 a 12 anos para pagar, anunciado em meados de agosto.

Para frear o processo de devastação, ambientalistas apontam o agroextrativismo como solução. A opção aos pastos e campos ocupados por soja e cana seriam espécies usadas como medicamento ou na alimentação, como pequi, buriti, mangaba, babaçu e copaíba. A receita é polêmica. "Não dá para falar que o extrativismo é solução econômica. Colher pequi não dá perspectiva de vida às regiões mais pobres", critica Veronez.

Carvão. Francisco de Assis Alves de Souza encontrou seu próprio caminho. Ele visitou com o Estado as ruínas de alguns dos 60 fornos de carvão que manteve até 2004 em Niquelândia, cidade no norte de Goiás. Em meio à fumaça de queimadas no horizonte, diz que a área tinha até o início da década árvores e arbustos nativos. Viraram carvão, que abasteceu siderúrgicas de Lagoa Santa, em Minas.

Na época, Francisco arrendou as terras do proprietário que queria "limpar a área" e transformá-las em pasto para o gado, num empreendimento que não foi adiante. Enchia dois caminhões lotados em duas ou três viagens por semana. "O carvão para mim é coisa do passado. O Cerrado tem outras formas de tratar, com mais carinho", diz.

Francisco chegou a Niquelândia atraído por um emprego na mineração. Na ocasião, o Cerrado abria caminho para florestas plantadas de eucalipto. Depois partiu para o negócio próprio, na rota de um dos principais vetores de desmatamento: a produção de carvão vegetal, que aparece combinada à abertura de áreas para expansão da agropecuária.

Com o aumento da fiscalização e dos custos, Francisco abandonou a carvoaria e fez concurso público. Hoje funcionário da prefeitura de Niquelândia, cuida de um projeto de produção de peixes no lago da Hidrelétrica de Serra da Mesa. "Parece até o Oceano Atlântico", compara. O lago é maior do que a cidade de São Paulo e inundou algumas das terras mais férteis do município goiano. Produz tambaquis, tilápias e pintados.

O ex-carvoeiro fez curso superior de gestão ambiental e hoje, aos 42 anos, é defensor do bioma ao qual tem sua história colada: "O Cerrado pode acabar sim, é finito. Aqui passou trator de esteira e arrastou tudo."

Savanização. Quem visita a região nesta época de queimadas também teme pelo Cerrado. As florestas aguentam tanto fogo? "É a pergunta que nos fazemos diariamente", diz o engenheiro florestal Paulo Brando, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). Brando já tem algumas respostas para essa questão, que é a chave do Projeto Savanização, o maior experimento com queimadas controladas realizado em áreas tropicais do mundo.

Em parceria com a ONG Woods Hole Research Center, o Ipam fez queimadas monitoradas, desde 2004, em uma área de transição entre Cerrado e floresta amazônica, para saber quanto incêndios na região emitem de carbono na atmosfera e seu impacto na mortalidade das árvores. O ciclo foi encerrado na semana retrasada, com uma última queimada.

O experimento, realizado em uma fazenda de Querência, nordeste de Mato Grosso, envolveu 42 pessoas, entre pesquisadores e pessoal de apoio. A equipe trabalhou numa área de 150 hectares dividida em três partes iguais: um pedaço intocado, de controle, outro que recebeu fogo a cada três anos e um terceiro trecho, queimado anualmente.

Cada uma dessas sub-áreas foi exaustivamente investigada, em diversas variáveis: diâmetro das árvores, peso das folhas, espécies de animais, temperatura, fluxo de água no solo e umidade. Antes das queimadas, a equipe de pesquisadores fez o inventário de 10 mil árvores e instalou sensores de temperatura em poços a 10 metros de profundidade.

O Ipam já sabe que os incêndios aumentam a probabilidade de morte de uma árvore em até 30%, mesmo que o fogo não a alcance. "Ela pode ser atingida por outra que tombe por cima", explica Brando. Os pesquisadores detectaram que o fogo transforma o balanço de energia local. Em parte porque o dossel, a cobertura fechada das copas e galhos entrelaçados das árvores e cipós, diminui e o solo passa a receber muito mais o calor do sol. Com isso, a quantidade de vapor d" água cai e a temperatura sobe. "Durante o dia, a temperatura nas parcelas que queimaram foi de 4 a 5 graus mais alta em relação à que nunca foi queimada."

As emissões de carbono, é claro, também aumentaram. "São 20 toneladas para cada hectare", revela a bióloga americana Jennifer Balch, que coordena com Brando o projeto. / COLABOROU CAROLINA STANISCI, QUE VIAJOU PARA QUERÊNCIA A CONVITE DO IPAM

(Por Marta Salomon BRASÍLIA, O Estado de S.Paulo, 01/09/2010)


desmatamento da amazônia (2116) emissões de gases-estufa (1872) emissões de co2 (1815) impactos mudança climática (1528) chuvas e inundações (1498) biocombustíveis (1416) direitos indígenas (1373) amazônia (1365) terras indígenas (1245) código florestal (1033) transgênicos (911) petrobras (908) desmatamento (906) cop/unfccc (891) etanol (891) hidrelétrica de belo monte (884) sustentabilidade (863) plano climático (836) mst (801) indústria do cigarro (752) extinção de espécies (740) hidrelétricas do rio madeira (727) celulose e papel (725) seca e estiagem (724) vazamento de petróleo (684) raposa serra do sol (683) gestão dos recursos hídricos (678) aracruz/vcp/fibria (678) silvicultura (675) impactos de hidrelétricas (673) gestão de resíduos (673) contaminação com agrotóxicos (627) educação e sustentabilidade (594) abastecimento de água (593) geração de energia (567) cvrd (563) tratamento de esgoto (561) passivos da mineração (555) política ambiental brasil (552) assentamentos reforma agrária (552) trabalho escravo (549) mata atlântica (537) biodiesel (527) conservação da biodiversidade (525) dengue (513) reservas brasileiras de petróleo (512) regularização fundiária (511) rio dos sinos (487) PAC (487) política ambiental dos eua (475) influenza gripe (472) incêndios florestais (471) plano diretor de porto alegre (466) conflito fundiário (452) cana-de-açúcar (451) agricultura familiar (447) transposição do são francisco (445) mercado de carbono (441) amianto (440) projeto orla do guaíba (436) sustentabilidade e capitalismo (429) eucalipto no pampa (427) emissões veiculares (422) zoneamento silvicultura (419) crueldade com animais (415) protocolo de kyoto (412) saúde pública (410) fontes alternativas (406) terremotos (406) agrotóxicos (398) demarcação de terras (394) segurança alimentar (388) exploração de petróleo (388) pesca industrial (388) danos ambientais (381) adaptação à mudança climática (379) passivos dos biocombustíveis (378) sacolas e embalagens plásticas (368) passivos de hidrelétricas (359) eucalipto (359)
- AmbienteJá desde 2001 -