Durante o mês de agosto deste ano, o número de queimadas triplicou, na comparação com o mesmo período do ano passado, segundo o satélite referência do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Foram identificados 26.425 focos de queimadas, um aumento de 268% ante os 7.177 focos registrados em agosto de 2009.
Além de fatores já conhecidos, como o tempo seco e a utilização do fogo para "limpar" os terrenos e prepará-los para receber uma nova cultura, Marcelo Marquesini, engenheiro florestal do Greenpeace, aponta outras duas situações que estão influenciando no aumento do número de focos de incêndio. Um deles é o período eleitoral, que tende a afrouxar as fiscalizações. "Existe uma pressão entre os governos estaduais e até nos governo locais pra que você não atue o eleitor, que está promovendo o desmatamento", explica.
As mudanças no Código Florestal, proposta pelo deputado Aldo Rebelo (PCdoB), também estão influenciando os produtores a continuarem com as queimadas. "Nós estamos escutando produtores falando, 'não vou me cadastrar', 'não vou tirar a minha licença, da propriedade', porque o código vai mudar e eu vou poder desmatar mais", explica o ambientalista.
Confira a entrevista: Amazônia.org.br - Por que a queimadas desse ano causaram tanto impactos e foram tão intensas?
Marcelo Marquesini - Existem alguns fatos e algumas suposições. Geralmente nos anos eleitorais, a fiscalização e os recursos para a fiscalização diminuem. Há uma pressão entre os governos estaduais e até em governo locais para que você não autue o eleitor, que está promovendo o desmatamento e sempre há uma tendência de que os índices sejam maiores do que nos outros anos.
Se olhar a curva do desmatamento, ela tem caído, não tem como negar. A gente [do Greenpeace] não concorda com o governo quando ele diz que o desmatamento vai ser menor do que isso, mesmo assim, de novo, é um dado histórico, porque ele atualmente está abaixo de 10 mil km².
Mas não é um número para festejar. É número para aceitar que há uma tendência de queda, nós estamos falando de 7 mil quilômetros quadrados desmatados. Isso é um absurdo no século XXI. Ainda mais nós brasileiros, signatários de todos os tratados internacionais e compromissados em reduzir as emissões, atacando duramente o desmatamento.
As queimadas geralmente seguem a mesma tendência. Nós fizemos um estudo de 2000 até 2010 de total de queimadas na Amazônia, por focos de calor, usando só um satélite. Escolhemos o que mais localiza focos de calor, seguindo a sugestão do Inpe. É o NOA-15. Há uma tendência também de quedas nos focos de calor.
Se você for comparar este ano com o de 2004, que foi o segundo maior pico do desmatamento, os focos estão menores. Contudo, esse ano, eles estão muito maiores que os dois anos passados. Porque, além do fato eleitoral, é um ano que está muito seco. Ainda que absurdo, o fogo é usado como uma prática agrícola, para limpar o terreno, ou partes infestadas de carrapatos, por exemplo. Ele se alastra em um ano mais seco, para outras áreas.
Tem fazendeiros que inclusive não gostam de ter fogo em sua área. Tenta ali fazer uma cerca, só que quando o tempo está muito seco, bate um vento e as labaredas passam de sete metros.
As áreas de florestas degradadas ou exploradas deixam muita galhada na floresta, que é um material combustível. O fogo quando alcança esse material incendeiam as florestas que já foram exploradas por madeireiros. Então há uma série de razões, para o fogo se alastrar e estar maior do que nos últimos anos.
Outra coisa que a gente acredita, sem dúvida, é o efeito da mudança do Código Florestal. Nós estamos escutando produtores falando, 'não vou me cadastrar', 'não vou tirar a minha licença, da propriedade', porque o código vai mudar e eu vou poder desmatar mais. E isso certamente influência. Tem gente limpando o terreno, e ainda mais, com a presunção, com a possibilidade do perdão. Ou seja, da anistia, parte da proposta do Aldo Rebelo.
Amazônia.org.br - O Rio Madeira sofreu grandes impactos e também todo o Estado. É comum que essa região tenha índices tão grandes de queimadas ou há novos fatores?
Marquesini - Os ventos seguem uma dinâmica nas cidades da Amazônia. Eles sopram de leste para oeste, do Atlântico para as cordilheiras, então a fumaça do Pará, Tocantins e Maranhão acaba indo parar em Rondônia e no Acre, que são Estados extremamente afetados. É uma questão que gera problemas de saúde, fechamento de escolas, de aeroporto. Semana passada, o aeroporto de Rondônia ficou três dias fechado e as pessoas ficaram presas. Você mexe com a economia também dessa região.
Um fato curioso. Eu moro em Manaus há 10 anos e nunca tinha visto isso. Ano passado teve isso, um pouco, mas eram queimadas ao redor de Manaus, que estava muito seco. Esse ano não estava tão seco ao redor do Manaus, mas houve uma inversão: a fumaça da Bolívia, que ao invés de seguir o rumo Andes, subiu pelo sul de Rondônia e chegou até Manaus, que ficou três, quatro dias seguidos debaixo de uma densa fumaça, pior que São Paulo. Uma densa fumaça de queimadas. Você almoçava, dormia, jantava, como se tivesse uma queimada no seu jardim, na sua casa ou apartamento. Foi impressionante.
Você imagina, se a previsão é que a Amazônia, ou boa parte dela, se torne mais seca, com essa prática de fogo a tendência é entrar em um ciclo cada vez de mais queimadas e incêndios, independente do desmatamento estar caindo. É um risco gigantesco. Haja vista que as mudanças climáticas venham afetar, cada vez mais, a fluvialidade, ou o regime, pelo menos. Ou seja, a chuva começada em uma época, mas com uma seca mais severa, mais prolongada. E isso vai ser uma catástrofe.
Amazônia.org.br - As queimadas na Amazônia não são novidades. Porque somente agora tiveram mais destaque na mídia nacional?
Marquesini - É fácil responder isso. É um problema crônico da sociedade e que se reflete nos nossos governos. Qual é o projeto para a Amazônia de longo prazo e que concilie desenvolvimento, com a conservação e até preservação? Não existe.
O projeto que o governo tem hoje é um PAC [Programa de Aceleração do Crescimento] "bombado", é um projeto com modelo da década de 1970. Constrói estrada, constrói hidrelétrica e mete mineração lá, para extrair recursos, para produção de commodities. Continua com a mesma mentalidade de 40 anos atrás. Não tem um projeto para a Amazônia.
E isso é um pouco de reflexo da sociedade, a Amazônia ainda é vista como uma coisa distante, e a sociedade topa assinar [abaixo-assinados], 'eu assino o abaixo assinado para parar o desmatamento', mas é pouca ação pró-amazônia e para exigir mais dos nossos governantes e da classe política, que boa parte, inclusive, não tem nenhum interesse e nenhum projeto mais ousado que pense em desenvolvimento sustentável para a Amazônia.
Amazônia.org.br - Sendo um problema tão antigo, é possível apontar soluções?
Marquesini - A primeira coisa é que tem que cessar o desmatamento. Nós temos essa proposta do desmatamento zero, que nós fizemos junto com a Amigos da Terra - Amazônia Brasileira, em 2007 ou 2008, apresentamos o resultado de uma consultoria ampla, que fizemos sobre mecanismos econômicos para se atingir o desmatamento zero.
Atacando essa parte você já reduz mais da metade dos problemas. Hoje, boa parte do que se queima vem da mesma origem do que desmata e derruba. Para limpar aquela derrubada utiliza-se a queimada.
A segunda coisa a se fazer é manejo de pastagem sem fogo, tem gente que continua usando fogo para eliminar praga, como dei o exemplo do carrapato. Tem tecnologia para você fazer manejo de pastagem sem uso do fogo. E essas duas práticas aliadas resolvem os problemas.
(Por Aldrey Riechel, Amazonia.org.br, 30/08/2010)