Visto do alto, o caminho para chegar a Puente Inambari parece uma serpente verde, robusta, longa e sinuosa. As florestas amazônicas que dominam a paisagem ficarão debaixo d’água se for construída uma das maiores hidrelétricas do Peru e da América Latina. Em Puente Inambari confluem as regiões de Puno, Cusco e Madre de Dios, no sudeste peruano, onde cerca de 70 povoados serão reassentados se o governo peruano der a concessão definitiva à empresa Geração Elétrica Amazonas Sul (Egasur), de capital brasileiro, para construir a hidrelétrica e uma represa de 37.800 hectares, segundo o estudo viabilidade da companhia.
Trinta e dois centros povoados de Puno, 28 de Cusco e dez de Madre de Dios teriam de ser reassentados pelo projeto Inambari, localizado entre a planície amazônica e os Andes cobertos de florestas nebulosas, que se estendem em parte da área de amortização do Parque Nacional Bajuaja-Sonene, rico em flora e fauna. Esse cálculo faz parte de uma pesquisa que está sendo realizada pela engenheira Rosario Linares, da Sociedade Civil pela Construção da Estrada Transoceânica de Puno, para quem só nessa região seriam dez mil pessoas afetadas. A Egasur afirma que os números são menores, mas não os fornece.
Inambari é uma das cinco hidrelétricas com construção projetada como parte do acordo firmado em 16 de junho entre Brasil e Peru para a geração de seis mil megawatts. No dia 24 deste mês, o presidente peruano, Alan García, apresentou a empresários brasileiros uma proposta energética e de irrigação que tem como fonte o Rio Marañón. Organizações ambientalistas insistem que a obra beneficiará sobretudo o Brasil, pois o Peru deverá entregar uma proporção permanente de energia, ainda não determinada, por 30 anos, e não poderá aumentar sua participação, embora necessite disso para abastecer sua demanda interna.
A maioria dos moradores é contra o projeto, enquanto um setor minoritário aceitou conversar com a empresa. No entanto, os dois grupos concordam que o Estudo de Impacto Ambiental é um “trabalho superficial”, segundo o material já apresentado em paineis informativos. O expediente 21160308, com mais de 300 folhas, da Direção de Concessões Elétricas do Ministério de Energia e Minas, informa sobre os avanços acelerados do plano. Em Puerto Manoa, um dos primeiros locais de Puno que seria reassentado, as paredes gritam “Não ao Projeto Inambari” em cartazes colocados diante das casas, a maioria de madeira e teto de zinco.
“Serão afetadas as florestas e não haverá oxigênio. E a empresa só fala em benefícios. As pessoas estão preocupadas”, disse ao Terramérica a moradora Lucy Chuquimamani, de 28 anos. A desconfiança diante de quem chega de fora é evidente nos olhares disfarçados e nos rostos que chegam às janelas. Em Puerto Manoa, a Egasur fez um dos dois paineis programados, com muitos vazios de informação, segundo os moradores. O Terramérica tentou por dez vezes em uma semana obter resposta do gerente de Relações Comunitárias da empresa, Mauricio Millones, e não teve sucesso.
A Egasur, um consórcio formado pelo grupo privado OAS e a estatal Eletrobras Furnas, solicitou uma concessão temporária em maio de 2008 que foi concedida até abril de 2010. Vencido o prazo, a empresa pediu ampliação até outubro do mesmo ano, com a intenção de conseguir a autorização definitiva, e hoje tenta fazer com que o prazo chegue a junho de 2011, pois ainda não conta com a licença social para iniciar as obras. O investimento previsto é de US$ 5 bilhões, com uma capacidade instalada de 2.200 megawatts, segundo uma versão preliminar do estudo de viabilidade.
No escritório da Egasur em Mazuco, capital do distrito de Inambari, em Madre de Dios, pessoal da Gerência de Relações Comunitárias informou ao Terramérica que a comunidade nativa de San Lorenzo, localizada entre este departamento e Cusco, apoia o projeto. Porém, o presidente da comunidade, Alejandro Ríos, desmentiu a afirmação.
“Queremos um informe cabal de nosso território”, disse Alejandro ao Terramérica. “No estudo de impacto ambiental não foi incluída a variedade de nossos peixes e árvores. Temos animais como a anta, o veado, o tigre e a paca. Também temos terrenos sem vegetação onde bandos de araras se alimentam da argila, formando um espetáculo de grande atrativo turístico”, alertou. “Se a hidrelétrica for construída, esses animais morrerão. Queremos saber como vão remediar isso”, acrescentou.
Ao contrário do que ocorre nos povoados de Puno, os moradores de San Lorenzo têm título de propriedade sobre as terras, e por isso acreditam possuírem melhores armas para dialogar com a empresa. Mas a pergunta é a mesma: “Quem nos garante que a empresa cumprirá?”. O biólogo Ernesto Ráez, diretor do Centro para a Sustentabilidade Ambiental da Universidade Cayetano Heredia, alerta que projetos dessa envergadura causam um “efeito dominó” na Amazônia, pois quebram os ciclos hidrobiológicos, como diz o informe “Represas e Desenvolvimento”, elaborado em 2000 pela Comissão Mundial de Represas.
Detendo o curso dos rios, os sedimentos vão se acumulando no fundo das represas, o que reduz o traslado de material orgânico necessário para a formação de praias e novas florestas rio abaixo. Com a hidrelétrica, a biodiversidade dependerá das demandas energéticas e não mais do ciclo sazonal natural, que é tão importante, disse Ernesto ao Terramérica. Em época de cheia ou chuva, os rios entram na floresta arrastando sedimentos, que fertilizam os solos, e peixes que buscam seu alimento, enquanto na temporada de águas baixas as tartarugas põem seus ovos nas praias, mas deixarão de se reproduzir se não puderem desovar.
Nos rios amazônicos mais de dez espécies de bagres migratórios fornecem 90% do pescado consumido pela população local, disse o biólogo. “A gestão ambiental deve considerar a bacia toda, porque não vai afetar apenas a região da represa”, explicou Ernesto. Além disso, a decomposição da matéria orgânica bloqueada pelas águas da represa liberará importantes quantidades de metano, gás que tem 23 vezes mais poder de efeito estufa do que o dióxido de carbono. E a hidrelétrica exigirá que a água seja elevada a 225 metros. A região já tem problemas ambientais. A Egasur e alguns funcionários apontam como fonte de contaminação a mineração informal praticada em Inambari.
(Por Milagros Salazar, Envolverde, IPS, 30/08/2010)