O Brasil arde como nunca. Mais precisamente, 135% a mais do que no ano passado, segundo medição do NOAA-15, um dos nove satélites que o Inpe usa para monitorar o problema. Não é sazonal.
É o resultado de outros crimes e do descuido do governo em combatê-los: o desmatamento, o fogo na mata e no pasto, as serrarias ilegais, as carvoarias. A seca ajuda a propagar, mas não é a causa do fogo.
O clima está seco, muito seco. A baixa umidade relativa do ar se espalha por grande parte do Brasil. O que já seria fonte de problemas brônquios é agravado pela fumaça que encobre grande parte do país provocada por milhares de focos de incêndio.
Quantos, é difícil saber, porque se for usado só um satélite dá para ver o aumento percentual, mas a contabilidade pode ser parcial; se forem usados todos os satélites, haverá dupla contagem. Na página do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) está registrado que usando-se só o satélite de referência houve no país, de primeiro de janeiro a 26 de agosto, o incrível número de 41.636 focos de incêndio, e apenas do dia 26 para o dia 27 os focos foram 1.391. O campeão é Mato Grosso, com aumento de 183% em relação a 2009 e 11.529 incêndios.
Claro que nada disso é aceitável.
Mas a grande pergunta é por que o Brasil pega fogo desse jeito? Quando se conversa com técnicos do Inpe, o que eles dizem com todas as letras é que deixada quieta a natureza não pega fogo sozinha.
A secura cria as condições propícias para o problema se propagar. Mas a origem do fogo é humana.
O pesquisador Paulo Barreto, do Imazon, explica as várias formas de queimadas que já viu em suas viagens pela Amazônia, onde vive: — A seca torna o país mais vulnerável, mas a ameaça do fogo é criada por gente. O fogo é usado para limpar o solo depois do desmatamento, ou então para reformar o pasto de uma forma rápida e barata. Quando se desmata para tirar a madeira, sem qualquer técnica, fica muita árvore morta na floresta, muita vegetação seca. Isso torna a área propícia à propagação do fogo, venha ele de alguma área desmatada próxima ou algum pasto sendo reformado nas proximidades.
Os crimes vão assim se associando.
Quando se desmata uma área, o proprietário — na maior parte das vezes, grileiro — tira as melhores madeiras e põe fogo no resto para limpar tudo e preparar para o plantio.
Nos pastos, a forma mais preguiçosa de preparar é pôr fogo em tudo. Quando se invade uma área para tirar a madeira dessa forma predatória, cada árvore que cai derruba dezenas de outras que, mortas e ressecadas, tornam toda a área vulnerável a incêndio.
Há outros focos que nascem das práticas desatualizadas da agricultura, mesmo quando ela é legal. As áreas de plantios e pastos são preparados frequentemente com o fogo. E ele se alastra.
Muitas vezes causa conflito entre vizinhos que, ou se protegem com aceiros — uma espécie de cordão de isolamento feito com uma parte sem qualquer vegetação — ou têm suas áreas queimadas pelo fogo descontrolado. A indústria de cana-de-açúcar, mesmo nas áreas mais ricas do país, ainda usa em grande parte o fogo como técnica de produção. A queimada da cana produz uma fumaça muito prejudicial à saúde.
Outra fonte de fogo são as serrarias, as carvoarias, em geral, ilegais. Essas serrarias deixam acumular em seus pátios montes de vários metros de resíduos de madeira — pó de serra. Para limpar a área, eles ateiam fogo e aquilo fica queimando dias, liberando uma fumaça altamente lesiva à saúde. Eu vi em Paragominas, quando estive lá, em madeireiras, esses montes impressionantes. Um deles tinha cinco metros de altura e vinte de comprimento.
— Em Paragominas, já houve caso de morte de crianças que foram brincar em cima desse monte, quando ele estava já queimando de baixo para cima — diz Barreto.
O pesquisador do Imazon conta outras formas de risco de propagação: — Na Amazônia, a gente vê vários problemas como por exemplo o que eles chamam de fogo de copa. Uma área de floresta enfrenta um fogo num ano que não destrói, mas fragiliza a mata. No ano seguinte, outro fogo vem e toma tudo até às copas das árvores.
O fogo nasce também da desordem urbana, do descuido dos fumantes com suas guimbas, dos vários tipos de comportamento pirotécnico.
Em alguns episódios, está claro que é fogo criminoso mirando a destruição de áreas de preservação, como está acontecendo na Serra da Canastra, no sul de Minas.
O rastro do fogo revela outros crimes e a falha do governo em coibir a ilegalidade e forçar o respeito à lei. O que piora tudo é que a secura pode se agravar.
— Num cenário de mudança climática, isso pode se repetir e a fragilidade aumenta. O fogo acaba provocando muito prejuízo para a saúde humana, para a aviação, além da destruição do meio ambiente — diz Paulo Barreto.
As queimadas trazem prejuízos econômicos, como a interrupção de fornecimento de energia. O pesquisador Roberto Smeraldi, da ONG Amigos da Terra, diz que as linhas de transmissão de energia que cortam o Brasil ficam vulneráveis ao fogo.
— Temos um sistema de transmissão interligado, com linhas extensas. As concessionárias frequentemente sofrem com interrupção. Outro problema é que as queimadas em plantações de cana deixam de utilizar o bagaço para a geração de bioenergia. Há desperdício — disse.
Smeraldi cita outos impactos, como a interrupção do fluxo de barcos em hidrovias, por falta de visibilidade, e o risco para a aviação civil. Aeronaves não conseguem pousar por causa da fumaça: — Na Amazônia, mudar de aeroporto pode significar mais 2 horas de voo. As distâncias são muito grandes.
O movimento que Smeraldi lançou pelo Twiter, o #chegadequeimadas, em dois dias reuniu 25 mil pessoas e já teve 130 mil retweets. O fim da queimada significa também o combate a vários crimes, com os quais não podemos mais conviver.
(Artigo originalmente publicado no Painel Econômico, de O GLOBO, EcoDebate, 30/08/2010)