Há cinco anos, os líderes de Portugal, nação ensolarada e varrida pelo vento, fizeram uma aposta: para reduzir a dependência do país em relação aos combustíveis fósseis importados, eles implementaram diversos projetos ambiciosos de energia renovável, aproveitando o vento, os rios, o sol e as ondas locais.
Hoje, os bares de Lisboa, as fábricas da cidade do Porto e os glamourosos resorts do Algarve são alimentados substancialmente por energia limpa. Quase 45% da eletricidade colocada na rede portuguesa neste ano virá de fontes renováveis.
E Portugal espera se tornar no ano que vem o primeiro país a inaugurar uma rede nacional de abastecimento de carros elétricos.
"Já vi todos os sorrisos -você sabe: 'É um bom sonho, [mas] não dá para competir, é caro demais'", disse o primeiro-ministro José Sócrates.
Para estimular a transição energética, o governo reestruturou e privatizou antigas estatais elétricas, para criar uma rede mais adequada às fontes renováveis de energia. Para atrair empresas privadas ao novo mercado, Lisboa ofereceu-lhes contratos que selavam um preço estável por 15 anos.
Antigas preocupações sobre a confiabilidade e o custo elevado foram superadas. As luzes se acendem em Lisboa mesmo quando o vento não sopra na ampla usina eólica do Alto Minho, inaugurada há dois anos. Os custos da produção elétrica e as tarifas ao consumidor estão em torno da média europeia.
Portugal diz que tem conseguido manter os custos baixos por priorizar as formas mais baratas de energia renovável -eólica e hidrelétrica- e reduzir gradualmente subsídios pagos para convencer empresas a construir novas usinas. Quando a nova infraestrutura estiver completa, o sistema vai custar anualmente cerca de € 1,7 bilhão a menos do que antes, segundo Manuel Pinho, ex-ministro de Economia e Inovação e um dos principais mentores da transição.
No ano passado, pela primeira vez, Portugal exportou mais energia do que importou, ao vender uma pequena quantidade de eletricidade para a Espanha. Dezenas de milhares de portugueses trabalham no setor.
A Energias de Portugal, maior empresa do setor no país, é dona de usinas eólicas em Iowa e no Texas, por intermédio da sua subsidiária americana, a Horizon Wind Energy.
Portugal deu o primeiro passo em 2000, ao separar a distribuição da produção. O governo adquiriu, a preços de mercado, todas as linhas de transporte de eletricidade e gás. Em seguida, leiloou contratos para que empresas privadas construíssem e operassem usinas eólicas e hidrelétricas.
Manter o país à base das forças altamente imprevisíveis da natureza é algo que exige novas tecnologias, além de habilidades dignas de um malabarista.
A estatal Redes Energéticas Nacionais usa um sofisticado sistema para prever o clima, especialmente o vento, e desde o início da transição duplicou o número de controladores encarregados de direcionar a eletricidade.
"É uma operação em tempo real, e há muito mais decisões a serem tomadas -a cada hora, a cada segundo", disse Victor Baptista, diretor-geral da REN.
Alguns dos programas combinam energia eólica e hidrelétrica: turbinas alimentadas pelo vento empurram água morro acima durante a noite, o período em que venta mais; durante o dia, quando há maior demanda, a água desce o morro, gerando eletricidade.
O sistema de distribuição em Portugal agora também é de mão dupla. Em vez de simplesmente entregar a eletricidade, ele capta energia até dos menores geradores, como painéis solares instalados no teto de imóveis.
A enorme aposta portuguesa na energia limpa não agradou a todos -inclusive a muitos ambientalistas para os quais as turbinas eólicas interferem no comportamento dos pássaros, e as represas destroem o habitat do sobreiro, árvore de que é feita a cortiça.
O preço da eletricidade doméstica em Portugal aumentou 15% em cinco anos, segundo a Agência Internacional de Energia. Além disso, os projetos de energia limpa nem sempre geram muitos empregos. Há mais de cinco anos, por exemplo, a isolada cidade de Moura recebeu a maior usina solar de Portugal.
Mas, se 400 pessoas construíram a usina, só 20 a 25 trabalham lá agora.
Apesar disso, especialistas consideram a experiência portuguesa um notável sucesso, e outros países estão imitando-a. Segundo a consultoria americana IHS Emerging Energy Research, até 2025 Irlanda, Dinamarca e Reino Unido também obterão 40% da sua eletricidade de fontes renováveis.
Os EUA ficarão para trás, com 16%.
"A experiência de Portugal mostra que é possível fazer essas mudanças em um período curtíssimo", disse Sócrates.
(Por Elisabeth Rosenthal, The New York Times/Folha de São Paulo, 30/08/2010)