Pesquisa da professora Flavia Trentini, da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP analisou o Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB) e concluiu que a implantação do Selo Social mostrou-se eficaz para melhorar os indicadores econômicos e sociais dos agricultores, mas por outro lado os indicadores ambientais foram muito tímidos. Segundo Flavia, a presença de cláusula ambiental de responsabilidade dentro do PNPB atua posteriormente à degradação ambiental, portanto é necessária uma revisão dessa questão pelo órgão que concede o Selo Social para o biodiesel.
O estudo avalia o impacto do Selo Combustível Social no PNPB a partir dos indicadores de sustentabilidade econômico, social e ambiental. A pesquisadora utilizou amostras coletadas em dois pólos de produção de matérias primas do biodiesel, em Quixadá (Ceará), e em Cachoeira do Sul (Rio Grande do Sul). “Escolhemos Quixadá em função de a região receber incentivos governamentais e por estarem focados no desenvolvimento de culturas alternativas, sobretudo da mamona, e na geração de renda numa das regiões mais pobres do País”, explica. No Sul, que utiliza a soja para a produção do biodiesel, diz a pesquisadora, a escolha se deu por ser a que mais se sobressai na produção do biocombustível e em 2009, representou 75,4% de toda a produção do Brasil.
A questão econômica foi analisada a partir de dados de geração de renda e de renda complementar e retorno econômico satisfatório. Já o social teve por base a autossuficiência alimentar da família, por meio da diversificação de culturas, incentivo ao processo decisório coletivo e proteção à diversidade cultural. A ambiental focou a proteção de recursos naturais (solo e água) e rotação e consórcio de culturas. “A pesquisa foi qualitativa, com 60 agricultores familiares produtores de oleaginosas destinadas à produção de biodiesel, a escolha dos agricultores participantes foi intencional e não probabilístico”, diz a pesquisadora.
No Ceará, o perfil dos agricultores que fizeram parte da amostra é de homens, com mais de 40 anos, analfabetos, assentados pelo Programa Nacional de Reforma Agrária e com experiência de mais de 10 anos na agricultura. As propriedades têm tamanho médio de 23,69 hectares, mas a área destinada ao plantio da mamona não ultrapassa a 2,18 hectares. No Sul são homens, com mais de 30 anos de idade, alfabetizados, mas 68% não completaram o primeiro grau, 83% são proprietários e arrendatários das propriedades, e com experiência também de mais de 10 anos na agricultura. O tamanho das propriedades no Sul é quase três vezes maior que do Ceará, 61,10 hectares, e a área destinada ao plantio da soja não passa de 44,33%. Para a pesquisa nos dois locais também foram entrevistados representantes de empresas envolvidas na produção, associações de classe e órgãos do governo.
Renda
Na questão da renda, a pesquisadora observou que até a introdução do PNPB no Nordeste, a agricultura era de subsistência, com o cultivo de milho e feijão. Portanto, com a inserção da mamona foi criada uma nova fonte de renda, mas toda aplicada na subsistência alimentar. No Sul, também a renda vem do cultivo de duas espécies, plantadas em épocas distintas, soja e arroz, mas são destinadas ao mercado, como mais uma alternativa de fonte de renda. Mesmo sendo mais uma fonte de renda nas duas regiões, o destino dos recursos gerados também se diferencia. “Enquanto no Sul eles cresceram para todos os agricultores, no Nordeste 40% disse que cresceu, para 35% foi mantida, resultado de perda parcial ou total da produção em função das condições climáticas, e para 10% os recursos diminuíram”.
“Com relação à aplicação da renda resultante da venda da mamona e da soja o questionamento também apresentou diferenças”, diz a pesquisadora. Enquanto no Sul a resposta foi de investimento na propriedade, compra de bens imóveis e pagamento de dívidas, no Nordeste, onde a venda da mamona aparece como única fonte de renda, a preocupação foi com a melhoria na alimentação. Quanto à diversificação da cultura, ela cumpre o indicador econômico de ingresso de renda de outras atividades. “No Sul, ela está atrelada ao mercado e, no Nordeste, como meio de segurança alimentar e subsistência dos agricultores”, aponta Trentini.
Ambiente
Os indicadores ambientais foram analisados sob o aspecto do meio ambiente natural, aquele que existe independente da influência do homem, como, por exemplo, água, flora, fauna e solo. A preocupação nesse aspecto foi com a rotação de culturas, que se agrega ao uso de corretivos no solo como fatores de proteção. No Sul, 70% dos agricultores responderam que utilizam corretivos, enquanto no Nordeste esse índice é de 58%. Por outro lado a rotação de culturas em alguns locais das duas regiões é feita por meio de consórcios, mas algumas das culturas não são indicadas para a proteção e conservação do solo.
Os agricultores das duas regiões foram questionados sobre a existência de área não cultivada e destinada à preservação da vegetação, como reservas legais e de preservação permanente. Enquanto no Sertão Central do Ceará 64% dos agricultores responderam que possuem área não destinada ao cultivo, no Centro do Rio Grande do Sul, 80% dos entrevistados deixam de produzir em uma área determinada. No Nordeste, dois fatores chamaram a atenção da pesquisadora. “A expressiva área destinada à reserva legal é resultado da forma de aquisição da propriedade”, explica. ” Os entrevistados são assentados no Programa Nacional de Reforma Agrária, que obriga a averbação da área de reserva legal. Também a falta de maquinário para trabalhar a terra pode explicar esse índice”.
Outro fato que despertou a atenção foram as condições dos recursos hídricos. No Nordeste, 91% não despejam qualquer tipo de dejetos nos rios, riachos, olhos d’água, enquanto no Sul esse percentual é de 75%. O dado não esperado, segundo a pesquisadora foi a afirmação de separação dos resíduos orgânicos e inorgânicos por 73% dos agricultores da região Sul, que conta com coleta seletiva rural.
O estudo da professora Flavia faz parte do trabalho de pós-doutorado apresentado na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, em São Paulo, com orientação da professora Maria Sylvia Macchione Saes. A pesquisa também integra a obra “Ensaios sobre Biocombustíveis”, volume 2, que será lançada em 13 de setembro durante o Workshop “Biocombustíveis e Sustentabilidade”, realizado na FDRP. Maiores informações sobre o evento podem ser consultadas no site da Faculdade.
(Por Rosemeire Soares Talamone, Serviço de Comunicação Social da Coordenadoria do Campus de Ribeirão Preto/USP, EcoDebate, 25/08/2010)