O governo vai colocar de vez as fontes alternativas de energia elétrica no calendário regular de leilões realizados no país. Segundo o diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Nelson Hübner, está garantida a realização de um novo leilão de fontes alternativas para 2011. "O Brasil busca uma matriz energética cada vez mais limpa. Neste ano, conseguimos contemplar todas as fontes alternativas sem incluir uma térmica, o que é um avanço para o país", disse Hübner ao Valor. "Com certeza teremos mais um leilão de fontes alternativas no ano que vem."
O posicionamento da Aneel é um sinal verde para os investidores do setor. Os empresários veem na regularidade dos leilões a garantia básica para tocar novos investimentos. "Em 2009, nós passamos praticamente em branco, sem leilões dedicados à biomassa. Isso desarticula toda a indústria", diz Zilmar José de Souza, assessor de bioeletricidade da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica). "Com mais leilões, os empresários têm segurança para investir e buscar linhas de financiamento."
Para os dois leilões de fontes alternativas que acontecem nesta quarta e quinta-feira, foram habilitados um total de 366 usinas para o leilão de reserva e 368 para o leilão de A-3, o qual prevê o início do fornecimento de energia em 2013. Os contratos de reserva têm duração de 15 anos, enquanto o leilão de A-3 prevê fornecimento por 20 anos.
Na avaliação da Unica, o número de empreendimentos de biomassa (bagaço de cana, resíduos de madeira e capim elefante) habilitados para participação da disputa - 40 para o leilão de reserva e 33 para o leilão de A-3 - foi satisfatório, mas poderia ter sido bem maior se considerado o potencial não explorado das usinas de etanol e de açúcar em operação. Hoje, há 434 usinas desse setor instaladas no país, mas apenas 100 delas têm estrutura preparada para vender a terceiros a energia excedente que produzem. "Isso significa que só 22% dessas usinas exportam energia", afirma Souza.
O maior desafio das usinas adaptadas para gerar energia (as chamadas "retrofits"), entretanto, está em sua capacidade de atualizar a estrutura existente para gerar e vender energia, já que boa parte delas nasceu como fabricante exclusivo de açúcar e etanol. Segundo a Unica, muitas vezes os investimentos dessa transição - que passa por aquisições de caldeiras e montagem dos pontos de conexão até as redes de distribuição e de transmissão de energia - podem não se justificar, dado o preço-teto estipulado para os leilões. Estima-se que a montagem dessa estrutura representa aproximadamente 30% do investimento total para a cogeração de energia.
O valor definido para o leilão de reserva desta semana é de R$ 156/MWh, e de R$ 167/MWh para o leilão A-3. Segundo a Unica, o preço-teto para o leilão de reserva, em valores atualizados, representa 90% do praticado em 2008. Um conjunto de medidas que incentive a entrada de mais usinas de etanol e açúcar no fornecimento de energia elétrica está em análise constante no Ministério de Minas e Energia (MME), diz Hamilton Moss de Souza, diretor da Secretaria de Política Energética do ministério.
Em paralelo à realização dos leilões, Moss de Souza afirma que o ministério avalia a possibilidade de mudanças na modicidade tarifária praticada em chamadas públicas feitas por distribuidoras. "Mantemos um diálogo aberto com o setor e temos buscado melhorias, mas é preciso olhar para todas as fontes alternativas, não apenas biomassa."
Segundo Roberto Meira Junior, coordenador-geral de fontes alternativas do ministério, as usinas de biomassa têm crescido rapidamente e a tendência é que, no longo prazo, deixem de ser enxergadas como fonte alternativa de energia. "Elas já são uma alternativa competitiva e tendem a brigar com as hidrelétricas, que são a principal fonte do país", afirmou.
Os projetos habilitados para o leilão de reserva desta semana somam 10.745 megawatts (MW) de potência instalada, sendo 8.202 de eólica, 2.375 de biomassa e 168 de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), com início de operação no mês de setembro de 2011. Para o leilão de A-3, são 10.415 MW, e o prazo inicial para entrega de energia é janeiro de 2013.
Até o ano passado, a bioeletricidade sucroenergética - produzida a partir do bagaço e da palha da cana - respondia por 3% da matriz elétrica do país, segundo a Unica. Entre 2015 e 2016, estima-se que o potencial desse setor eleve a participação para 11%, chegando a 8.158 MW médios. Entre 2018 e 2019, esse setor pode atingir a capacidade da usina de Itaipu.
A defesa pelas fontes alternativas não prevê exatamente uma competição com as hidrelétricas, mas um complemento à matriz energética do país. O objetivo é que os períodos de baixa nos reservatórios das hidrelétricas sejam compensados com a safra da cana na região Sudeste e os ventos fortes do Nordeste e do Sul.
(Por André Borges, Valor Online, 24/08/2010)