“Ao vir aqui nesta área verde do morro é que a gente entende porque é tão valiosa”, disse Michele Silva, durante visita ao Morro Santa Teresa, em Porto Alegre. Michele é vice-presidente da Associação dos Moradores da Vila União, onde mora há 13 anos. “Comecei a dar valor a este lugar quando percebi que poderíamos perder a área. Antes, circular por aqui era automático”, analisa, ao se referir ao Projeto de Lei 388, apresentado pelo Governo do Estado em 14 de dezembro de 2009, que previa a venda de 74 mil hectares por um preço desproporcional ao valor de mercado e pela falta de detalhamento técnico, questionados por diversas organizações, sindicatos, ambientalistas e a comunidade.
Na votação do projeto no dia 16 de junho deste ano, a pressão dos moradores e o anúncio da morte do ex-deputado Bernardo de Souza fizeram com que a sessão da Comissão de Constituição e Justiça fosse adiada. Na época, o Ministério Público apresentou pedido de retirada de urgência do projeto, por já tramitar, naquela instituição, ação de reconhecimento de posse de mais de 1.500 famílias que, há décadas, ocupam parcialmente uma área do Morro, com o direito de uso garantido pela Medida Provisória nº 2.220, de 4/09/2001, que regulamentou as disposições do art. 183 parágrafo 1º da Constituição Federal. “A MP é garantida pela Emenda Constitucional nº 32/2001, ou seja, as comunidades têm direito à moradia e, portanto, a área não pode ser vendida, pois não é de domínio exclusivo do Estado”, disse a vereadora Sofia Cavedon, que acompanha o processo e participou da caminhada de reconhecimento do morro.
A visita ao Morro foi realizada no sábado, 21 de agosto, e reuniu quase 50 pessoas, que percorreram as vilas Santa Rita, Figueira, União, Santa Tereza, Ecológica, Gaúcha e Padre Cacique. “Viemos aqui para conhecer e acionar parcerias, como o MP e mesmo o Estado, através da Secretaria da Habitação e do Desenvolvimento Urbano, na regularização fundiária desta área e na construção de um Parque”, destacou Sofia, que anunciou para a segunda-feira, dia 23, às 15h30, reunião com o MP para combinar ações e estratégicas para concretizar esses projetos. “O MP tem equipe técnica para providenciar a regularização fundiária desses moradores, que têm o direito de permanecer e conservar o local”, salienta a vereadora.
VALORIZAÇÃO PARA A POPULAÇÃO
A riqueza ambiental, turística e cultural do Morro Santa Teresa foi comprovada durante o trajeto de quase 10 quilômetros. Entre ruelas e trilhas, representantes de instituições que defendem sua conservação puderam conferir a história do local. Júlio Pacheco, conselheiro da Associação de Moradores da Vila Padre Cacique, nasceu no Morro. “Nasci de parteira”, diz orgulhoso, ao destacar que seu pai, João Pacheco, já falecido, foi o primeiro morador do local, “há 68 anos”. Hoje com 50 anos, Júlio comprova, em fotos, o plantio de árvores realizado pela família nos últimos 44 anos. “Antes era tudo campo. Meu pai plantou muitas dessas árvores”.
Além da vegetação nativa, há prédios históricos, construídos no século XVIII. “Quando acabou a Revolução Farroupilha, Dom Pedro II celebrou a Paz do Poncho Verde em 1845 e, aqui, Dona Teresa foi o primeiro nome do morro, em homenagem à esposa do revolucionário” (Teresa Cristina Maria de Bourbon, com quem teve quatro filhos), conta Júlio, ao apontar para o prédio construído em 1869, transformado na época em convento e, hoje, em espaço para convivência dos menores infratores. O prédio foi projetado em estilo neoclássico pelo arquiteto francês Grandjean de Montigny, que veio para o Brasil com Dom João VI. “Hoje o prédio com paredes de quase um metro de largura está descaracterizado”, observa o morador, ao citar que o prédio onde hoje é o Asilo Padre Cacique foi residência de veraneio de Dom Pedro II. “As águas do Guaíba vinham até aqui perto”, lembra.
Incentivar o turismo cultural e ecológico na região do Morro Santa Teresa é defendido pelo movimento. “Para qualificar o turismo é preciso reformular esse espaço”, diz Sylvio Nogueira, do Movimento Gaúcho em Defesa do Meio Ambiente, ao apontar para o horizonte e salientar a não construção de prédios que privatizem e bloqueiem da população o acesso ao Guaíba. “Não podemos permitir que sejam erguidos prédios e hoteis que tirem a visão do Guaíba da população, seja aqui no morro ou na Orla”, reforça o ambientalista.
UNIÃO DOS MORADORES
Integradas, as associações de moradores das vilas do Morro Santa Tereza têm desenvolvido projetos para garantir a melhoria da qualidade de vida das mais de 1.500 famílias de moradores. “Trocamos muitas ideias”, afirma Orlei Maria da Silveira, primeira secretária da Associação dos Moradores da Vila União Santa Teresa, que cita uma escola municipal de ensino primário e um posto de saúde, como serviços comuns a todos os moradores.
Darci Campos dos Santos, presidente da Associação da Vila Gaúcha, há 47 anos morador do Morro, afirma “zeramos os roubos e as drogas”. Essa conquista ele declara ser motivada pelas aulas de dança e de inglês, oferecidas de forma gratuita aos moradores, através de parceria com a ONG Canta Brasil. “Estamos instalando uma lan-house e vamos oferecer cursos de informática através de jovens universitários, que nos incentivam a dar uma nova direção a nossas associações”, diz Darci, ao citar o centro de recuperação de drogados, “criado pela dona Terezinha”, líder da comunidade da Vila Ecológica.
Ao final do percurso, Michele Silva, que não conhecia toda a riqueza preservada do Morro, diz que “não dá para explicar. Isso parece um sonho. É impossível projetar a construção de casas e prédios aqui, não dando acesso à população para um lugar tão lindo. Vindo aqui é que entendo porque a área é tão valiosa. É muito lindo para destruir”.
Estratégias de ação para essa conservação e alternativas de ocupação para a área serão discutidas e elaboradas nesta segunda-feira, dia 23, a partir das 19h, em reunião do grupo que integra o movimento em defesa do Morro Santa Teresa, que será realizada na sede do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB/RS), em Porto Alegre. Será apresentado relato da reunião da tarde com o MP sobre a regularização fundiária da área e iniciada a projeção de um parque ecológico no local. “A reunião é aberta a todos os interessados. O importante é viabilizarmos o acesso a toda a população, conservando a história e as áreas naturais”, diz Eduíno de Mattos, do Movimento Rio Guahyba, ao citar o abaixo assinado eletrônico O Morro é Nosso, que pode ser acessado pelo http://www.abaixoassinado.org/abaixoassinados/6198.
(Agapan, 21/08/2010)