Câmara analisa proposta para banir mineral, já proibido em outros países, mas debate não avança. Indústria movimenta 2,5 bilhões de reais por ano
Nos últimos quatro meses, a cada reunião da Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados, o espaço destinado à plateia tem ficado repleto de trabalhadores que atuam na extração do amianto, vindos de Goiás. Eles vestem camisetas brancas com frases em defesa da exploração do mineral. Já fizeram a viagem oito vezes, sem que o assunto fosse votado pela Comissão.
O último adiamento se deu nesta quarta-feira (18), por falta de quórum. O mesmo lobby que financia a vinda de três ou quatro ônibus com manifestantes a Brasília atua para adiar a discussão, na Câmara, do relatório que sugere banir o amianto do país. Até agora, a estratégia tem dado certo. Deputados contrários à proibição - quase todos de Goiás - têm esvaziado as sessões.
O amianto é uma espécie de fibra mineral usada principalmente na produção de telhas e caixas d'água. Por recomendação da Organização Mundial da Saúde, a substância já foi proibida em mais de 50 países devido a estudos que demonstraram suas propriedades cancerígenas. Mas a estimativa é que 125 milhões de pessoas trabalhem diretamente com o minério.
O Brasil é o terceiro maior exportador e o quinto maior produtor no mundo. Aqui, o único local de extração é em Minaçu, a 500 km de Goiânia. A mineradora SAMA, ligada à Eternit, é quem controla a extração da substância. A empresa é uma das maiores fontes de arrecadação para o governo de Goiás. Somente a extração do crisotila, uma das formas do amianto, movimenta 2,5 bilhões de reais por ano no país e emprega 200 mil trabalhadores, direta ou indiretamente.
Durante dois anos, um grupo de trabalho da Comissão de Meio Ambiente debruçou-se sobre o tema. O deputado Edson Duarte (PV-GO), autor de um relatório de 750 páginas, pede a proibição total da produção e da importação do amianto. A determinação, mesmo se aprovada, não tem poder de lei. Mas pode servir de base para um futuro projeto de lei. Ainda assim, a atuação de deputados contrários, especialmente de Goiás, tem adiado sucessivas vezes a votação do parecer.
A polêmica em torno da questão é antiga e já chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), a última instância do Judiciário brasileiro. Há uma ação no STF pedindo a proibição do amianto no país. O caso tramita desde abril de 2008 e está parado há quase um ano. A representação foi feita pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e pela Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT). O alvo da ação é uma lei federal, de 1995, que regulamenta o uso do amianto no Brasil.
Pesquisas - No documento, o relator também afirma que a mineradora SAMA financiaria não só o Instituto Brasileiro do Crisotila (IBC), mas também a Confederação Nacional dos Trabalhadores do Amianto (CNTA) - que receberia cerca de R$ 600 mil por ano da companhia; e, por sua vez, ajudaria a manter o Sindicato dos Trabalhadores, que vai a Brasília pedir a rejeição do relatório que pretende banir o amianto do país.
“As únicas pesquisas feitas até agora eram as do lobby. Nosso grupo de trabalho percorreu o Brasil para mostrar os riscos do amianto", diz Edson Duarte. A perspectiva mais otimista, agora, é a de que o relatório seja votado depois das eleições de outubro. Mas o relator Edson Duarte diz que a discussão, por si só, já é um avanço.
O deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO) devolve na mesma moeda as insinuações de que atuaria a favor da mineradora SAMA. Acusa os que defendem banir o amianto do país de serem financiados pela companhia francesa Saint-Gobain, fabricante de um material sintético que pode ser usado em substituição ao amianto. "É muito mais digno você representar o seu estado do que representar uma multinacional”, provoca.
O parlamentar argumenta que o uso controlado do amianto crisotila não oferece grandes riscos aos funcionários. O Instituto Brasileiro do Crisotila alega que não há casos de trabalhadores doentes por causa do amianto desde a década de 1980.
(Veja, 21/08/2010)