Conforme já é de conhecimento público, o Consórcio Norte Energia foi o ganhador do leilão para construção e operação da hidrelétrica de Belo Monte, realizado no dia 20 de abril e homologado em 1 de junho pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). " É mister que o governo federal reavalie o custo da obra (...). Do jeito que está, não resta a menor dúvida de que ela ficará pelo meio do caminho "
A etapa seguinte ao leilão foi a constituição da Sociedade de Propósito Específico (SPE), que foi assinada no dia 21 de julho com sua nova formatação. O consórcio que inicialmente era composto por nove grupos, a estatal Chesf, com 49,98%; sete construtoras, com participação de 40%, e um autoprodutor, com 10,02%, desdobrou-se e a SPE agora tem 18 participantes, com viés totalmente estatizante.
A Chesf, que antes detinha sozinha quase 50%, teve sua participação diluída, ficando com 15%. Juntaram-se a ela a Eletrobrás, com 15% e a Eletronorte, com 19,98%. As construtoras, que antes tinham uma participação de 40%, tiveram esse percentual reduzido para 12,27% para permitir a entrada dos fundos de pensão, cuja participação soma 27,50%, assim distribuídos: Petros, 10%; Funcef, 2,50%; Caixa FI Cevix (Caixa e Engevix), 5%; e Bolzano Participações (Previ e Iberdrola), com 10%. Os demais 10,25% ficaram com a J. Malucelli Energia, 0,25%, com a Gaia (grupo Bertin), 9,00%; e com a Sinobras (siderúrgica paraense), 1,00%.
Com a SPE de Belo Monte, o governo resolveu parte da equação financeira, pois o valor de R$ 19 bilhões previsto no leilão para construção e o preço do megawatt (MW) ofertado pelo consórcio vencedor, de R$ 77,97/MW, são simplesmente irreais. Com esses valores, a taxa anual de retorno do investimento ficará em torno de 8%, quando o seguro seria acima de 10%.
Assim sendo, tem razão o professor Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), quando diz que "a tarifa oferecida pelo vencedor do leilão vai pesar sobre os ombros das estatais" e que "não há sustentação na base de preços oferecida, já que os principais responsáveis pelo projeto (Odebrecht e Camargo Corrêa) ficaram de fora da disputa. Este último consórcio se formou no apagar das luzes e com grupos que nunca estudaram a obra. Porque se tivessem estudado teriam manifestado seu interesse antes". O presidente da Empresa de Pesquisa Energética, Mauricio Tolmasquim, foi objetivo quando disse que Belo Monte "é uma usina complicadíssima, em um lugar complicado que vai precisar de ação permanente do governo. É uma usina que se você largar, não vai sair".
Com meus 37 anos dedicados à construção, fiscalização e projetos de grandes estruturas de concreto no Brasil e exterior, afirmo que nenhum consórcio de construtoras, seja ele qual e de onde for, conseguirá executar Belo Monte por menos de R$ 30 bilhões (valor de 2010).
Assim sendo, é mister que o governo federal reavalie o custo da obra, viabilizando a entrada de empresas que têm mais experiência na área. Do jeito que está, não resta a menor dúvida de que a obra ficará pelo meio do caminho. Realmente, falta algo mais em Belo Monte!
*Humberto Viana Guimarães é engenheiro civil e consultor
(O Globo, 19/08/2010)