Se o rio Paraná corresse somente em território nacional, paraguaios e argentinos estariam neste momento tranquilos e sossegados. A ameaça ao rio Paraná, no entanto, assim como a outros cursos d’água e recursos naturais de regiões fronteiriças, tem causado temor aos nossos vizinhos. O motivo da preocupação é o relatório do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) com mudanças no Código Florestal brasileiro, aprovado em julho na comissão especial da Câmara.
Representantes da Rede Latinoamericana do Ministério Público Ambiental estiveram ontem (18) em Brasília para fazer um alerta ao Congresso: “Os danos ambientais não reconhecem fronteiras”. Os fiscais latinos – que representam procuradores e promotores de diversos países como Paraguai, Argentina, Peru, Bolívia, Panamá e México – temem que a redução de áreas protegidas no Brasil possa trazer consequências ambientais graves para seus países.
“O Brasil é fronteiriço com vários países e os ecossistemas são compartilhados. É preciso entender que as fronteiras políticas são simples monumentos, são linhas imaginárias, e a natureza não reconhece fronteiras. É preciso ter muito cuidado nessas mudanças, porque estamos em locais compartilhados e os efeitos são desconhecidos”, disse o promotor de Justiça Ricardo Merlo Faella, coordenador do setor de crimes ambientais do Ministério Público do Paraguai.
Os vizinhos temem, sobretudo, que a redução de áreas protegidas no Brasil afete a qualidade da água no continente e leve à perda de biodiversidade. Os representantes da rede olham com receio os mesmos artigos do relatório criticados por ambientalistas brasileiros: o artigo que reduz dos limites de área de preservação permanente (APP) nas margens dos rios, o que extingue a obrigatoriedade de reserva legal em propriedades de até quatro módulos (até 400 hectares na Amazônia) e o que anistia desmatamentos feitos até julho de 2008.
Levantamentos indicam que, se aprovado conforme está, a proposta de mudança do Código Florestal isenta 90% das propriedades rurais do país da obrigação de preservar a vegetação nativa em uma parcela das terras. Segundo o Ministério do Meio Ambiente (MMA), além da perda dessas reservas legais em pequenas propriedades, também haverá a perda de 80 milhões de hectares dessas áreas protegidas em grandes propriedades. No caso, o projeto de Aldo também garante a isenção de quatro módulos de reserva legal em propriedades com 10, 15, 20 módulos, por exemplo.
Outro medo de los hermanos latinos em relação aos rumos da mudança no Código Florestal brasileiro se refere ao marco legal de seus próprios países. Segundo o fiscal geral adjunto do MP do Paraguai, Jorge Sosa García, a legislação ambiental brasileira serviu de parâmetro para a construção do marco legal ambiental de países como Paraguai, Peru e Costa Rica. Esses países adotam, ou estudam adotar, seguindo o modelo brasileiro, instrumentos similares a reserva legal e a proteção de cerca de 100m nas margens dos rios.
A legislação ambiental brasileira é considerada uma das mais rigorosas do mundo. Só para se ter uma ideia da influência do Brasil no debate ambiental na América Latina, Sosa afirma que, inspirado na legislação brasileira, o Paraguai instituiu em 2004 a Lei de Deforestación Cero (Lei do Desmatamento Zero). O detalhe é que o Brasil ainda não possui lei de desmatamento zero e esse debate é relativamente recente no país.
O projeto que modifica o Código Florestal brasileiro tramita na Câmara e ainda precisa passar pelo plenário da Casa, antes de seguir para o Senado. Inicialmente encampado pelo setor agrícola, o debate por mudanças na legislação brasileira está tomando dimensões continentais. O que se nota é que países, especialmente na América Latina, que hoje imitam o exemplo do Brasil em termos de legislação ambiental, agora se vêem diante de uma proposta que retroage em relação a preservar a vegetação nativa.
Não se trata mais de discutir se o Brasil quer mais ou menos árvores no seu território. A responsabilidade brasileira quanto suas decisões sobre as mudanças no Código Florestal ultrapassou fronteiras e agora tem a interferência de seus vizinhos. No Parlamento brasileiro, não será mais possível ignorar a influência ambiental do Brasil.
Também não há como ignorar a própria relação sistêmica da natureza, pois como diz um amigo do promotor paraguaio Ricardo Faella, “a natureza não sabe se defender, porém sabe se vingar”. Esse amigo, no caso, é o ministro brasileiro Antônio Herman Benjamin
(Por Renato Camargo, Rondonia Dinâmica, 20/08/2010)