Eventos climáticos extremos são esperados em fases de mudança global
Projeções apontam que picos de secura vão ficar mais comuns em regiões como Nordeste; também ocorre variação natural
Está acontecendo agora, provavelmente vai acontecer de novo. Para cientistas, os extremos climáticos, como a secura que turbina queimadas no Centro-Oeste e na Amazônia, podem estar ligados ao aquecimento global.
O mesmo vale para as enchentes que deixaram 20 milhões de desabrigados no Paquistão nas últimas semanas, ou para a seca na Rússia, a pior da história, que devastou as plantações de trigo e fez aumentar o preço do pão até no Brasil.
Claro, nenhuma dessas catástrofes pode ser atribuída de forma específica às mudanças climáticas globais. É difícil separar os efeitos do aquecimento causado pelo homem da variabilidade natural do clima quando se trata de casos isolados.
"Mas o que se pode dizer é que a frequência com que eventos climáticos extremos ocorrem tende a aumentar", afirma o físico Paulo Artaxo, da USP. Desse ponto de vista, a secura no interior do país, e em especial na região amazônica, é o esperado.
"Os modelos climáticos [projeções do clima futuro feitas em computador] projetam secas maiores no centro e no leste da Amazônia e no Nordeste", afirma o climatologista José Antonio Marengo, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
"No Centro-Oeste haveria mais ondas de calor", disse Marengo, que ontem participava de um evento sobre mudança climática e desertificação em Fortaleza.
ENERGIA EXTRA
Artaxo, da USP, lembra que o primeiro fator responsável por estimular eventos climáticos fora do comum num planeta mais aquecido é a energia sobrando. "Você injeta energia extra no sistema ao aquecer a atmosfera. E essa energia precisa ir para algum lugar", afirma.
Outro ponto crucial, segundo Marengo, é o fato de que continentes e oceanos esquentam a taxas diferentes -é mais difícil esquentar uma massa de água do que a mesma massa de terra.
Como o ciclo da chuva e o dos ventos dependem muito dos mares, a diferença mais acentuada de temperatura entre oceano e continente pode levar a mais vendavais e mais tempestades.
"É como se houvesse uma aceleração no ciclo hidrológico, como se ele virasse um carro andando em quinta."
A estiagem deste ano ainda não virou uma catástrofe no Brasil. "Está só um pouco mais seco do que a média", diz o climatologista Carlos Nobre, também do Inpe.
Já a onda de calor russa tem tudo para virar um estudo de caso, como o evento semelhante que matou 30 mil pessoas na Europa em 2003.
Segundo Nobre, ambas as ondas de calor foram causadas por bloqueios atmosféricos. ""É como se fosse uma bola sobre a região, que não deixa o ar frio entrar."
Nobre diz que não há nenhuma boa teoria ligando os bloqueios atmosféricos ao aquecimento global. Mas cita estudos depois da onda de 2003, mostrando que a probabilidade de ela ter a ver com o fenômeno era de 80%. No caso da Rússia, essa possibilidade é menor, afirma.
(Por Claudio Angelo e Reinaldo José Lopes, Folha de São Paulo, 19/08/2010)