A série aparentemente interminável de loucuras climáticas no mundo reforça a tese de que o aquecimento global é para valer, e não uma construção equivocada de cientistas sensacionalistas
“A Terra está pegando fogo. Então, precisamos agir rapidamente e pensar com cuidado sobre o que estamos fazendo.” O alerta é de Mickey Gjerris, professor da Universidade de Copenhague. Não se trata de uma frase de efeito. Medições meteorológicas realizadas nos mais remotos países mostram que não há um só lugar do planeta em que o clima não esteja mudando em um ritmo inesperado. Boletins, relatórios e informes refletem o que a população vê, todos os dias, nos noticiários: mortes, incêndios e prejuízos econômicos na Rússia por causa de ondas anormais de calor, tempestades e desabamentos com mais de mil vítimas fatais na China, enchentes devastadoras no Paquistão, surpresas climáticas das mais variadas no Brasil. Reportagem de Paloma Oliveto, no Correio Braziliense.
Nem todos os fenômenos que ocorrem na natureza, como furacões, tsunamis, terremotos e mesmo estiagens e tempestades fora de época, estão relacionados à ação do homem. Desde que surgiu, há mais de 4 bilhões de anos, a Terra passa por transformações — já foi uma enorme caldeira, passou por um período de longo resfriamento e, aos poucos, assumiu o clima propício para o desenvolvimento e a manutenção das espécies que habitam o planeta. Mesmo fenômenos como o El Niño e sua “irmã” La Niña, que consistem na elevação periódica da temperatura das águas do Pacífico, podem não estar ligados ao aquecimento global. Muitos cientistas defendem que são ocorrências naturais, como as estações do ano.
Ainda assim, especialistas ouvidos pelo Correio garantem que há um consenso de que as mudanças climáticas vêm acontecendo em um ritmo atípico. “Todos nós reconhecemos que o clima da Terra varia naturalmente, e já foi mais quente ou mais frio no passado. Mas também sabemos que as mudanças climáticas pelas quais passamos hoje são altamente resultantes das atividades humanas”, defende Don Wuebbles, professor de ciências atmosféricas da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos. No ano passado, ele contribuiu com o National Oceanic and Atmospheric Administration, órgão americano que monitora o clima, na elaboração de um relatório com indicadores climáticos globais.
De acordo com o documento, que compila dados meteorológicos oficiais de todo o planeta, a temperatura global aumentou cerca de 0,6 ºC desde o início do século 20. Ao mesmo tempo, o nível do mar cresceu a uma taxa de 1,7mm por ano no último século, mas, desde 1993, o índice acelerou para 3,5mm por ano.
Acúmulo de provas
Há provas suficientes para concluir que o homem foi primordial para o recente aquecimento do planeta. “Essas provas têm sido acumuladas ao longo de muitas décadas, e provêm de centenas de estudos. A primeira linha de evidência é nosso conhecimento físico básico sobre como os gases de efeito estufa prendem o calor e como o sistema climático responde a isso”, diz o estudo. “A segunda linha de provas vem de estimativas indiretas de mudanças climáticas ao longo dos últimos mil anos. Elas podem ser obtidas de seres vivos e de seus restos, como anéis de árvores e corais, que funcionam como um arquivo natural das variações climáticas. Esses indicadores mostram que o recente aumento da temperatura é claramente incomum.”
De acordo com Carlos Rittl, coordenador do Programa Mudanças Climáticas e Energia do WWF-Brasil, serão necessários mais estudos para determinar se o aquecimento global é o responsável pelos efeitos recentes. Mas, segundo ele, não há dúvidas sobre a relação entre as atividades humanas e as mudanças climáticas. “No último século, aumentou a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera, e aumentou a temperatura. O que a gente pode dizer é que o ‘paciente’, ou seja, o planeta, está doente. O que não se sabe é se a ‘febre’ está ligada ao aquecimento global”, diz. “Temos que transformar a maneira como a gente produz e consome. Não são transformações fáceis e não acontecem em um curto prazo.”
Na avaliação de Rittl, um acordo deve ocorrer até 2012. Embora as expectativas em torno da Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas de Copenhague, a COP-15, tenham sido frustradas, em dezembro passado, pela falta da assinatura de um documento com metas específicas, o coordenador do WWF acredita que na COP-16, daqui a três meses, os avanços podem ser significativos. “Principalmente em relação ao financiamento para as ações de mitigação”, acredita. Na reunião preparatória do evento, encerrada em 6 de setembro na Alemanha, a secretária-executiva da Convenção do Clima das Nações Unidas, Christina Figueres, afirmou que houve alguns progressos, mas reclamou das divergências que ainda impedem a construção de um texto realmente comprometido com a saúde do planeta: “É difícil preparar um prato sem uma panela. E, na verdade, parece que os governantes ainda estão construindo essa panela”.
(EcoDebate, 17/08/2010)