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redd emissões de gases-estufa
2010-08-17 | Tatianaf

MMA e parlamentares divergem sobre como encaminhar a regulamentação de projetos de redução de emissões por desmatamento e degradação florestal. Representantes do movimento social consideram que Projeto de Lei não garante direitos de populações indígenas e tradicionais. Negociações internacionais são um complicador adicional

O Ministério do Meio Ambiente (MMA) está preparando uma proposta de regulamentação para projetos de redução de emissões por desmatamento e degradação florestal (REDD+). Desde junho, o MMA conduz uma série de reuniões para discutir o tema com organizações da sociedade civil, outros ministérios, administrações estaduais e empresas. A ideia é ter um documento pronto em novembro, um mês antes do fim do governo Lula.

A discussão está causando polêmica porque corre paralelamente à tramitação do Projeto de Lei (PL) nº 5.586/2009, que trata do assunto, na Câmara dos Deputados. Governo e apoiadores do PL não se entendem sobre qual a melhor maneira de encaminhar o debate. Os parlamentares insistem que o processo tocado no Legislativo dever ser priorizado e concluído rapidamente. O projeto pode ser votado na Comissão de Meio Ambiente da Câmara após as eleições de outubro. Depois, segue para a de Finanças e Tributação e a de Constituição e Justiça. De caráter terminativo, pode ser aprovado em definitivo sem ir ao plenário.

A pressa seria necessária para atender a demanda de iniciativas de REDD+ que pipocam, em especial na Amazônia, sem que haja um marco regulatório. Sem isso, elas não podem gerar nenhum tipo de compensação contabilizável nas metas de redução de emissões de gases de efeito estufa do Brasil ou de outros países. “Há o risco da multiplicação desordenada de projetos de REDD+ com diferentes metodologias”, afirma o relatório sobre o PL, de autoria da deputada Rebecca Garcia (PP-AM).

REDD é como foi batizado o mecanismo em discussão na Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (UNFCCC, na sigla em inglês) para compensar financeiramente os países em desenvolvimento por reduções em suas emissões oriundas do desmatamento e queimadas. Ele é considerado a grande contribuição potencial dessas nações para o próximo acordo internacional sobre clima, que deveria começar a valer em 2013 e cuja negociação está emperrada desde a última reunião da UNFCCC realizada em Copenhague, em dezembro do ano passado. Não há consenso entre países ricos e pobres sobre metas de redução das emissões e aporte de recursos para o combate às mudanças climáticas. O termo REDD+ tem a ver com necessidade de estabelecer uma compensação também pela conservação da biodiversidade, manejo sustentável das florestas e o aumento dos estoques de carbono.

O Brasil está entre os dez maiores emissores atuais de gases de efeito estufa. Mas enquanto entre os campeões da poluição, como Estados Unidos e China, as emissões originam-se sobretudo da queima de combustíveis fósseis, estima-se que as queimadas e o desflorestamento tenham sido responsáveis por quase 60% das 600 milhões de toneladas de carbono emitidas no Brasil em 2005.

Incentivos perversos
A diretora de Mudanças Climáticas do MMA Thaís Juvenal não descarta a possibilidade de conciliar os processos conduzidos pelo Executivo e pelo Legislativo, mas insiste que é preciso aprofundar e ampliar a discussão. “Não posso incentivar uma área a reduzir o desmatamento e, pela falta de incentivos em outra área, acabar estimulando que lá as florestas sejam destruídas. O sistema todo tem de comportar uma estratégia de conservação florestal global. Não posso gerar incentivos perversos”, explica.

Existe o temor de que a simples legalização de projetos provoque “vazamentos”, ou seja, o aumento dos desmates e das emissões fora das áreas com investimentos de REDD+ sem que eles possam contribuir para alcançar as metas nacionais de redução de emissões. A solução seria construir um sistema integrado a políticas nacionais de redução dessas emissões, combate e monitoramento do desmatamento, conservação e desenvolvimento sustentável e atrelado aos esforços mundiais de combate às mudanças climáticas. Mas, segundo o MMA, isso não estaria previsto na proposta em tramitação no Congresso.

Além do PL, a criação dessa estrutura precisaria ainda de outras normas cuja proposição é prerrogativa do Executivo. O relatório da deputada Rebecca Garcia remete o problema para a regulamentação, com previsão da instituição de um Comitê Deliberativo Nacional de REDD+ com a atribuição de definir metodologias para comprovação e monitoramento das reduções, critérios para cadastro e aprovação de projetos, entre outras.

Rebecca Garcia também optou por deixar vários pontos de sua proposta para regulamentação porque existe ainda muita incerteza sobre qual modelo de REED será adotado internacionalmente e sobre os recursos que estarão disponíveis para financiar o mecanismo.“Estamos lidando com um assunto que ainda não tem um marco formal em nível internacional. Precisamos levar em consideração o contexto maior das mudanças climáticas. Este é o cuidado que temos de ter ao avaliar que tipo de instrumento legal vamos usar”, defende Thaís Juvenal.

Organizações não governamentais consideram a iniciativa do MMA acertada, mas tardia. Ela seria uma reação à dianteira supreendente assumida pelo parlamento numa questão considerada delicada e estratégica pelo governo nos fóruns internacionais, onde os negociadores brasileiros têm pretensão de ser protagonistas. Em novembro, será realizada a próxima reunião da UNFCCC, em Cancún, México. Ter pelo menos o esboço de um marco legal pode sinalizar que o Brasil já estaria preparado para receber investimentos.

Populações indígenas e tradicionais
Setores do movimento social temem que o REDD possa provocar uma onda de especulação fundiária, prejuízos aos direitos de populações tradicionais e indígenas ou até a expulsão de seus territórios. No caso da Amazônia, o risco é real porque a situação fundiária de grande parte das terras está indefinida. Várias das comunidades que habitam a floresta ainda não têm os direitos sobre suas terras assegurados e isso pode dificultar o recebimento de benefícios legais.

“O PL reconhece, mas não garante que os beneficiários serão as comunidades que vivem e cuidam da floresta”, adverte Rubens Gomes, presidente do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA). Ele concorda com a necessidade de aprofundar a discussão sobre os instrumentos mais adequados para assegurar os direitos de quem não tem um título de terra. O GTA foi uma das redes que ajudou a elaborar o documento “Princípios e Critérios Socioambientais de REDD+”, que deverá ser lançado ainda neste mês (saiba mais). Entre as salvaguardas listadas pelo texto, está o consentimento livre, prévio e informado dessas comunidades para a implantação de qualquer projeto que as afetem (confira o Especial sobre este assunto).

O substitutivo de Rebecca Garcia prevê que áreas ocupadas por populações tradicionais, indígenas e quilombolas que ainda não têm seus direitos territoriais reconhecidos poderão receber iniciativas de REDD+ mediante a celebração de um contrato de concessão de direito real de uso, conforme os critérios definidos na Lei de Gestão de Florestas Públicas (11.284/2006). No caso de proprietários privados, será preciso comprovar a titularidade da terra.

Crítica ao bolsa-floresta
Rubens Gomes critica o projeto Bolsa-floresta da Fundação Amazonas Sustentável (FAS) e do governo amazonense, um dos primeiros no País a usar recursos de investidores privados para financiar manutenção da floresta usando o conceito do REDD. Para ele, a iniciativa foi imposta às comunidades sem que elas pudessem opinar sobre sua formulação e operacionalização. O Bolsa-floresta paga R$ 50 às famílias que se comprometem com o controle do desmatamento dentro de Unidades de Conservação (UCs), além de financiar melhorias de infraestrutura, atividades econômicas sustentáveis e o fortalecimento das organizações comunitárias.

“Todas as decisões são tomadas a partir de oficinas com altíssimo grau de participação da comunidade. Usamos técnicas de planejamento participativo”, garante Virgílio Viana, superintendente geral da FAS. Ele é um dos defensores do PL nº 5.586.

Durante os debates coordenados pelo GTA sobre os princípios e critérios socioambientais foram feitas denúncias de comunidades abordadas por organizações e empresas que se ofereceram para intermediar contratos de créditos de carbono evitado. De acordo com os relatos, não foi feita uma consulta organizada da população interessada nem oferecidas informações básicas sobre esses contratos e suas consequências.

As denúncias relacionadas principalmente com populações indígenas acenderam um alerta dentro do governo federal. Alguns casos são considerados graves e a orientação seria agir com urgência. Há queixas de lideranças indígenas pela falta de orientação da parte da Fundação Nacional do Índio (Funai). Em resposta, o órgão também está promovendo uma série de consultas com organizações indígenas e indigenistas. A determinação do MMA é elaborar um documento com orientações gerais para Funai e comunidades até o final deste mês dentro do processo de discussão que está ocorrendo com a sociedade civil e governos estaduais.

Distribuição de benefícios e financiamento
Uma das principais questões relacionadas ao REDD+ é como distribuir de forma justa os benefícios do mecanismo entre populações indígenas e tradicionais, governos federal, estaduais e municipais, diferentes órgãos ligados a área ambiental. Não se sabe ainda como isso será resolvido. Rubens Gomes defende que, mais do que o pagamento em dinheiro, as comunidades necessitam de políticas públicas de desenvolvimento sustentável, educação, saúde e transporte.

Outra questão central é a forma de financiar o REDD+. Há restrições da parte do governo federal sobre a criação de um mercado de certificados de redução de emissões. Ele atenderia a empresas nacionais e internacionais ou países que precisam cumprir com metas de redução de emissões de gás carbônico. Além de investir na mudança de tecnologia e fontes de energia mais limpas em suas atividades, empresas ou países poderiam comprar no mercado créditos de REDD+ para compensar uma pequena parte de suas metas, como ocorre hoje no mercado de créditos de carbono.

Neste ponto, mais uma vez os argumentos do MMA voltam-se para a necessidade de amarrar a comercialização desse tipo de crédito à distribuição igualitária de seus resultados e ao cumprimento de metas de redução de emissões, inclusive dos países ricos, de onde deve vir a demanda de compradores. O tema é um dos mais espinhosos nas negociações internacionais. Thaís Juvenal diz que a visão do governo neste momento é de que a maior parte dos investimentos para REDD+ deveria vir da cooperação internacional.

Virgílio Viana defende que o Brasil adote como forma de financiamento tanto as doações das nações desenvolvidas quanto o mecanismo de mercado. Ele lembra que países ricos estão em situação financeira difícil e que é cada vez mais difícil para o Brasil conseguir enquadrar-se como um país pobre, o que restringe a ajuda externa. Viana informa que o mercado dos créditos de carbono movimenta atualmente cerca de US$ 130 bilhões. “Tenho defendido destinar 10% disso para créditos de REDD. Seria muito difícil conseguir isso com doações”.

O PL nº 5.586 foi originalmente elaborado para regulamentar o comércio de certificados de REDD. Daí a crítica de que não teria considerado suas consequências para as políticas de conservação e mudanças climáticas. Já o substitutivo de Rebecca Garcia acabou incorporando várias das preocupações da sociedade civil e do governo. Ele prevê a instituição de um “sistema nacional de REDD+”, que deverá estar apoiado no estabelecimento de sistemas de monitoramento do desmatamento e degradação por bioma, estimativas e níveis de referência nacionais de emissões, entre outros. O documento remete para o comitê nacional a atribuição de criar o mercado de REDD. O colegiado seria presidido pela administração federal e integrado por sociedade civil, governos estaduais, cientistas e empresários.

(Por Oswaldo Braga de Souza, ISA, 16/08/2010)


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