Os técnicos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) encontraram indícios de uso de dinheiro público na compra ilegal de lotes da reforma agrária no Assentamento da Fazenda Annoni – uma área de 9 mil hectares dividida em 412 lotes, à beira da estrada Passo Fundo-Ronda Alta (ERS-324), no norte gaúcho. Os profissionais chegaram a essa conclusão após uma devassa realizada no assentamento a pedido do Ministério Público Federal (MPF), mas denúncias sobre o caso já existiam desde o início dos anos 2000.
O principais indícios vieram de depoimentos de um vendedor de um dos lotes, que teria sido comprado por um dos dirigentes da Cooperativa de Crédito Rural Horizontes Novos de Novo Sarandi Ltda. (Crehnor), de Sarandi, no norte do Estado. O dinheiro, em montante não revelado, teria partido de ministérios, especialmente o das Cidades. Os recursos seriam destinados à construção de casas para agricultores familiares e em incentivos à produção agrícola. No entanto, parte do valor foi desviado para a aquisição de lotes de assentados.
As informações foram obtidas por ZH com base no relatório da sindicância efetuada pelos técnicos do Incra. O assentamento foi implantado nos anos 80 em uma parceria entre o Incra e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) com a ambição de tornar-se um cartão-postal da reforma agrária no Brasil.
Legislação restringe venda de glebas de assentamentos
A legislação que regulamenta a reforma agrária no Brasil é clara: os lotes não podem ser vendidos ou arrendados pelos beneficiários sem estarem quitados e liberados pelo Incra. A sindicância resultou em relatório preliminar e sigiloso de 90 páginas, que, no início do mês, foi enviado pelo Incra ao MPF, em Passo Fundo.
Entre os 412 lotes do assentamento da Annoni, foram encontrados 40 com irregularidades. Entre eles, a comissão de sindicância localizou indícios de compra ilegal em 19 e abriu um inquérito administrativo para retomá-los, informou o Incra em nota oficial. O superintendente do Incra no Estado, Mozar Dietrich, só irá falar a respeito na conclusão do processo.
Na terça-feira, os compradores dessas 19 glebas começaram a ser ouvidos em Sarandi. Caberá à Polícia Federal verificar a origem dos recursos usados por eles para a compra da terra. Os indícios apontam que dinheiro público de programa de incentivo à produção e à moradia da União tenha sido indevidamente utilizado nessas transações. O resultado da sindicância será encaminhado à Justiça Federal.
Nas outras 21 glebas, foram encontrados outros tipos de irregularidades, que estão sendo estudadas caso a caso. Ex-diretor do MST e atual responsável pela Crehnor, Valdemar Alves de Oliveira, não foi localizado ontem por ZH.
Contraponto
O que diz Valdemar Alves de Oliveira, presidente da cooperativa Crehnor
- Procurado ontem por telefone por Zero Hora, Valdemar Oliveira não foi localizado e não retornou as ligações
Um histórico de suspeitas
CASOS ANTERIORES: OUTUBRO DE 2009
Desde outubro de 2009, Zero Hora registra suspeitas de irregularidades e de comercialização ilegal de lotes nos assentamentos da antiga Fazenda Annoni:
- Em busca de compradores ilegais de lotes de terra e arrendatários clandestinos, técnicos do Incra vasculharam o assentamento da Fazenda Annoni.
- Em uma ação planejada com cinco semanas de antecedência e que incluiu a presença de investigadores infiltrados entre os assentados, o Incra obteve informações preliminares sobre a suposta venda ilegal de 80 lotes.
- Além da venda de lotes, foram encontrados indícios de arrendamento de propriedades – o que também é proibido.
- A apuração resultou em um documento de 200 páginas, no qual foi indicada a existência de indícios de irregularidades em 85 lotes.
ABRIL DE 2010
- Desdobramento das investigações de outubro de 2009: uma comissão de sindicância do Incra foi montada para ouvir os agricultores, em um processo para retomada de lotes sob suspeita de uso irregular, nas formas de venda de propriedades e arrendamento.
- Foram ouvidas 123 pessoas por três técnicos do Incra em uma sala do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Sarandi.
- A sindicância consiste no penúltimo passo para retomada dos terrenos, com sua desocupação – a última é o inquérito administrativo.
OS ÚLTIMOS DESDOBRAMENTOS
- Em julho, foi concluída a sindicância. Foram confirmados os indícios de venda e arrendamento ilegal em 40 dos 85 lotes.
- O próximo passo já esta sendo dado: estão sendo ouvidos, novamente, os proprietários dessas 40 glebas.
Fonte: Fonte: Incra
(Por CARLOS WAGNER, Zero Hora, 12/08/2010)