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seringais amazônia
2010-08-10 | Tatianaf

Na Amazônia brasileira, um grupo esquecido de trabalhadores que se alistou para ajudar os aliados na Segunda Guerra Mundial ainda sonha em voltar para as casas que deixaram ainda na adolescência.

São os chamados “soldados da borracha”, enviados para trabalhar como seringueiros na floresta e ajudar na produção da borracha necessária no esforço de guerra.

Hoje octogenários, eles ainda esperam o desfecho de uma batalha legal que pode finalmente trazer a eles o reconhecimento e a recompensa financeira que tinham sido prometidos há 67 anos.

Em 1943, enquanto os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e seus aliados estavam lutando nos campos de batalha na Europa, no Norte da África e no Oriente, milhares de brasileiros empobrecidos eram convocados para cumprir com seu dever patriótico.

'Heróis'

Manuel Pereira de Araújo lembra o dia que mudaria sua vida para sempre ao se juntar aos “soldados da borracha”.

“Um oficial do Exército chegou à minha cidade e nos disse que podíamos nos juntar à luta na frente de batalha na Itália ou ir para a Amazônia. Ele disse que nos tornaríamos heróis na batalha da borracha e ficaríamos ricos extraindo látex”, disse.

O esforço de recrutamento era parte de um acordo firmado entre o Brasil e os Estados Unidos.

Com o principal produtor mundial de borracha da época, a Malásia, sob ocupação japonesa, e a borracha sintética não disponível na escala necessária para suprir os esforços de guerra, os Estados Unidos precisavam de uma fonte confiável de borracha.

Os Acordos de Washington previam que o Brasil supriria todo o látex que pudesse produzir em troca de US$ 2 milhões (cerca de US$ 25 milhões, ou R$ 44 milhões, a preços de hoje) dos Estados Unidos.

Nordeste
O governo brasileiro centrou sua campanha de recrutamento no nordeste, entre a população pobre que sobrevivia com produção agrícola de subsistência em terras áridas.

“Era uma vida de pobreza. Não havia dinheiro ou trabalho para nós lá. Nós comíamos somente feijão e mandioca, e as colheitas eram tão pobres que muitas vezes passávamos fome”, conta Claudionor Ferreira Lima, presidente do Sindicato dos Soldados da Borracha de Porto Velho.

“Eu deixei minha noiva para trás, achando que ficaria rico e voltaria em dois anos para começar uma família. Até onde eu sei, ela ainda está esperando”, diz.

Cerca de 55 mil pessoas, em sua maioria homens jovens, se alistaram, mas muitos deles nunca mais viram suas famílias ou suas casas.

Inferno
Ferreira Lima lembra o momento em que desembarcou na verde e exuberante floresta amazônica, após uma viagem de vários meses por caminhão e barco.

“Pensávamos que tínhamos chegado ao paraíso, mas em vez da glória encontramos o inferno”, diz.

“Era escravidão”, afirma Antonio Barbosa da Silva, outro soldado da borracha. “Não havia salário, e se você não produzisse não comia”, diz.

“Tirávamos a borracha e trocávamos por comida e por outros bens na loja do seringal”, relata.

Cabanas
As promessas do governo de assistência médica, acomodação e alimentação não se cumpriram.

“Eles nos deram somente dois pares de calças, então quando uma estava suja eu usava a outra. Não havia onde dormir, então tínhamos que construir uma cabana com madeira e folhas de palmeira”, conta Manuel Pereira de Araújo.

Sem médicos nem hospitais, milhares de soldados da borracha morreram de malária, hepatite ou febre amarela.

Outros foram atacados por onças e jacarés ou sucumbiram a picadas de cobra.

“Aqueles que tentavam sair recebiam seu pagamento e ouviam que estavam livres para ir. Mas perto dali havia pistoleiros contratados para atirar neles, tomar seu dinheiro e trazer de volta para o patrão”, lembra Araújo.

Famílias
Mulher mostra foto de familiar soldado da borracha

Muitas famílias acompanharam os soldados da borracha à floresta

Em busca de uma vida melhor, muitas famílias dos soldados da borracha também decidiram embarcar nos navios do governo em direção à Amazônia.

Vincenza da Costa tinha só 14 anos quando seu pai decidiu que a família deixaria para trás a seca do Ceará.

“Ele disse para a minha mãe: ‘Vamos, Cândida. Plantei minha última semente, e sem chuva há oito dias, ela já morreu’. Mas era minha casa e eu queria ficar. Chorava todo dia”, ela conta.

“Nós estávamos com muitas saudades de casa, mas nossa mãe disse: ‘Por que vocês estão tão tristes? Pelo menos aqui podemos comer’. Então tentávamos levantar nossos espíritos fazendo músicas”, relata.

Rádio
José Duarte de Siqueira era apenas um menino quando os soldados da borracha chegaram à sua cidade-natal, no Estado do Acre.

“Havia apenas um bar com um rádio. Escutávamos as transmissões em português da BBC de Londres e passávamos as notícias sobre a guerra para os que viviam nos seringais”, conta.

Foi pelo rádio que Araújo descobriu que a guerra havia terminado.

“Foi em 8 de maio de 1945 que eu ouvi as notícias, e estávamos muito felizes porque pensamos que receberíamos nossos pagamentos e poderíamos voltar para casa”, diz.

Pensão
Mas a prometida remuneração nunca chegou e, sem dinheiro para voltar, a maioria dos homens permaneceu nos seringais.

Após alguns anos, o governo começou a pagar a eles uma pequena pensão.

Hoje cerca de 8.300 soldados da borracha sobreviventes e 6.500 viúvas recebem R$ 1.020 por mês, mas é muito menos do que eles foram levados a acreditar que ganhariam.

Nos escritórios dilapidados do Sindicato dos Soldados da Borracha, Lima está otimista com a possibilidade de um aumento da pensão.

“Eu me tornei presidente do sindicato para lutar por justiça, porque os soldados da borracha merecem coisa melhor”, diz.

Políticos simpatizantes da causa nos Estados do Acre, de Rondônia e do Amazonas estão pressionando para que o aumento da pensão ocorra logo.

Em maio deste ano, foi feito um novo pedido de urgência para a aprovação do aumento.

Advogados
Uma equipe de advogados também tenta garantir indenizações.

“Meu avô foi um soldado da borracha, e eu cresci ouvindo suas histórias. A contribuição que eles deram e a injustiça contra eles são parte da memória do povo da região amazônica”, afirma o advogado Irlan Rogério Erasmo da Silva.

“Estamos pedindo R$ 764 mil para cada soldado da borracha. Não é só sobre o dinheiro que foi mandado pelos Estados Unidos. Estamos também pedindo indenizações pelas violações aos direitos humanos sofridas por eles”, diz.

Com a batalha legal em andamento, muitos dos soldados da borracha ainda sonham com a “volta para casa”.

“Fiquei esperando todos esses anos para receber meu dinheiro”, diz Araújo.

“Quando ele chegar, vou voltar para o nordeste. Meus pais já morreram, mas vou ficar com meus irmãos e minhas irmãs”, afirma.

Mas o tempo está se esgotando, e para muitos dos soldados da borracha, já é tarde demais.

(Por Louise Sherwood, BBC News, 10/08/2010)


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