A iniciativa REDD constitui “a última oportunidade para salvar a selva tropical”, segundo governos, organismos internacionais e alguns setores da sociedade civil participantes das negociações para um novo regime de redução de gases-estufa. Porém, líderes indígenas pensam diferente.
Representantes dos povos originários, habitantes dessa selva tropical que necessita urgentemente de salvação, entendem que o programa REDD é mais um dos múltiplos mecanismos supérfluos que governos centrais e seus aliados criaram para minar sua legítima propriedade sobre territórios e recursos naturais.
Esse antagonismo ficou novamente palpável na terceira rodada de negociações preparatórias para a 16ª Conferência das Partes da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (COP 16), que acontecerá em novembro e dezembro no balneário mexicano de Cancún.
Do plano de Redução de Emissões de Carbono Causadas pelo Desmatamento e pela Degradação das Florestas (REDD), “nós nada sabemos”, disse a diretora da Aliança dos Povos Indígenas do Arquipélago da Indonésia, Mina Setra, na reunião preparatória de uma semana que terminou no dia 6, em Bonn. “O que sabemos, e temos demonstrado através dos milênios, é como viver em harmonia com a natureza, como resistir e dominar a mudança climática”, acrescentou.
Mina expressou seu temor de que, no contexto da REDD, o manejo de florestas seja delegado a instituições que não respeitem os direitos dos povos indígenas que as habitam. “Para nós, os territórios não são apenas recursos, ele são mãe, sangue, alma e vida”, ressaltou.
Numerosos depoimentos apresentados durante a conferência dos povos indígenas em Bonn destacaram estes temores. Joan Carling, secretária geral do Pacto dos Povos Indígenas da Ásia, se referiu ao projeto-piloto de administração de territórios no Vietnã, que, em sua opinião, ignorou os direitos de seus habitantes.
“Embora o projeto mencionasse especificamente que os habitantes desses territórios tinham o direito de expressar seu consentimento prévio, livre e baseado em informação, na prática os povos indígenas nunca tiveram a oportunidade de fazê-lo”, disse Joan à IPS. O consentimento prévio, livre e informado é um direito coletivo presente na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos indígenas de 2008, e supõe que os nativos disponham de informação prévia à expressão de seu consentimento, para poder debater livremente vantagens e inconvenientes de um tema que os afete e que precise de sua aprovação ou rejeição.
No projeto-piloto do Vietnã, o único procedimento aplicado foi um referendo onde os habitantes tinham direito de responder apenas uma pergunta, explicou Joan. Esta era: “querem que seus territórios sejam protegidos sob REDD ou não?”, informou. A maioria respondeu sim. “Mas os povos indígenas nunca foram informados sobre o que significa seu direito ao consentimento prévio, informado e livre, nem foram capacitados para discutir as vantagens e os riscos do projeto”, acrescentou. Joan exigiu que, no contexto da REDD, os povos indígenas sejam capacitados para analisar os projetos de administração de seus territórios, que permita também apresentar soluções para os problemas ambientais associados ao uso dos recursos naturais.
Além do direito dos povos indígenas ao consentimento prévio, livre e informado, outros temas recorrentes na conferência sobre REDD foram a propriedade sobre os territórios que constituem seu habitat e o uso físico e religioso dos mesmos. Stanley Kimaren Ole Riamit, pesquisador sobre povos indígenas no Quênia, apresentou o caso de um distrito da província do Vale Rift, no sul do país, habitado majoritariamente por pastores Masai, com alto nível de analfabetismo. A região é “uma das mais ricas em espécies, tanto de flora quanto de fauna, água e florestas praticamente intocáveis”, disse Stanley.
Ao mesmo tempo, o distrito possui “numerosos sítios sagrados e de alto valor sociocultural” para os habitantes, acrescentou. Este valor se reflete no papel que a natureza tem na vida dos Masai. “A natureza é fonte de armazenamento do conhecimento indígena, e ao mesmo tempo catedral espiritual do povo, e fonte de paz, particularmente durante a época seca”, disse o pesquisador. Todos estes aspectos estarão em perigo se os Masai perderem sua autonomia e seu legítimo controle sobre o distrito, ressaltou.
Quanto à propriedade, o indígena misquito nicaraguense Dennis Mairena, disse que a autonomia dos povos originários, reconhecida na constituição desse país centro-americano, garante sua legítima administração e uso dos territórios que habitam. Essa autonomia poderia servir de exemplo a outros países. “No contexto dessa autonomia, os misquitos conseguiram títulos de propriedade sobre 15 dos 21 territórios que habitam, que constituem 35% do país”, disse Dennis à IPS.
Entretanto, a crítica à REDD também se centra em seu processo administrativo, especialmente a associação liderada por Brasil, Japão e Papua Nova Guiné. “Até hoje, esta associação só causou desilusões”, disse David Turnbull, membro da Climate Action Network, uma federação de organizações ambientais não governamentais de Bonn. David se queixou que a direção conjunta da associação “mantém uma política secreta, de portas fechadas e de exclusão de atores da sociedade civil que dispõem de conhecimento e experiência essenciais para o progresso” do programa.
(Por Julio Godoy, CarbonoBrasil, 09/08/2010)