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cidades sustentáveis emissões veiculares
2010-08-09 | Tatianaf

É curioso. O Brasil caminha a passos velozes para uma situação insustentável nas cidades – abarrotadas de veículos presos em congestionamentos cada vez mais longos, enquanto se cultiva o wishful thinking de que é possível seguir com recordes sucessivos nas vendas de carros, estimuladas até com isenção de impostos. Adicionalmente, cultiva-se a tese de que é possível tudo resolver com mais viadutos, túneis, elevados, etc., esquecendo o que disse há mais de 20 anos o arquiteto Jayme Lerner: essas soluções não levam a nada a não ser mudar de lugar os congestionamentos de trânsito. Em julho último, por exemplo, mais 322,4 mil veículos foram emplacados no País; em sete meses, 1,88 milhão. Se forem acrescentadas motocicletas, terão sido 461,6 mil no mês, 2,92 milhões no ano. E todos vieram somar-se aos 27,8 milhões de carros que já circulavam (Estado, 3/8) e aos 8,55 milhões de motos.

Chega-se ao ponto de cidades como Goiânia já se aproximarem da taxa de quase um veículo por habitante, para uma capital desenhada no tempo em que nem sequer se fabulava com essa possibilidade – e, portanto sem prever uma estrutura viária compatível. O resultado é visível nos congestionamentos cada vez mais dramáticos. Mas, apesar disso, continua-se ali a conceder incentivos fiscais para novas indústrias automotivas, que receberam boa parte dos mais de R$ 80 bilhões em incentivos fiscais concedidos pelo Estado (sem falar nas prefeituras) em 20 anos. Ainda há poucas semanas uma indústria desse setor foi contemplada com incentivos de R$ 2,1 bilhões, para investir R$ 105 milhões, 20 vezes menos. Prometendo criar 765 postos de trabalho, ao custo de R$ 275 mil para cada um em incentivos, quando o Banco do Povo, mantido pelo governo estadual, com R$ 600 emprestados (e não doados) cria um posto de trabalho.

Mas Goiás é apenas um dos muitos Estados que assim o fazem, nessa “guerra fiscal”. Embora sua receita efetiva de ICMS seja de R$ 11,5 bilhões (2009), neste ano concedeu R$ 3,6 bilhões em incentivos, boa parte deles para outro setor relacionado com o de veículos – usinas de álcool, que até aqui receberam R$ 28,1 bilhões (para R$ 7 bilhões em investimentos próprios). O resultado final é que, com uma dívida de R$ 11,33 bilhões, o Estado perde sua capacidade de investir na própria estrutura viária, para a qual precisaria de R$ 10 bilhões (O Popular, 30/6).

Felizmente, começam a surgir iniciativas em outra direção, como a da Prefeitura de São Paulo, que proibiu caminhões de circular na Marginal do Rio Pinheiros, na Avenida dos Bandeirantes e na Jornalista Roberto Marinho, uma vez que está aberto para eles o Trecho Sul do Rodoanel, construído, ao custo de R$ 5,5 bilhões, para evitar que esse trânsito pesado, principalmente do interior do Estado para o Porto de Santos e o litoral sul, tivesse de passar por aquelas três vias. Já se registram protestos – pedágio e a distância maior encareceriam os custos – e até mesmo desrespeito. Mas, como já observou este jornal em editorial, o custo tem de caber exatamente a esses usuários específicos e não deve ser transferido para toda a sociedade. Até aqui, circulavam pela Marginal do Pinheiros 26 mil caminhões por dia; pela Bandeirantes, 9,5 mil. E a previsão é de que a lentidão no trânsito possa diminuir entre 15% e 20%.

É curioso que ainda se registrem protestos e inconformismo, quando a frota de caminhões, que representa 4% do total de veículos, gera 35% dos congestionamentos (Estado, 2/8). E quando restrições à sua circulação já existiam na década de 1940, quando São Paulo nem sonhava com o trânsito de hoje. Mas já naquela época caminhões de mudanças e de entrega de cargas não podiam circular entre as 7 e as 18 horas.

São Paulo também deverá avançar um pouco mais quando entrarem em vigor em todo o Estado, até dezembro, novos limites para a emissão de poluentes – principalmente material particulado ultrafino -, de acordo com padrões da Organização Mundial de Saúde. Estudos acadêmicos têm mostrado que morrem anualmente na cidade 4 mil pessoas em decorrência de problemas de saúde causados pelas emissões. Não é de estranhar, já que o volume de poeira fina na cidade é o dobro do registrado nos Estados Unidos, por exemplo. As novas regras introduzirão exigências adicionais em licenças ambientais, restrições a veículos (a frota na cidade é de 6,7 milhões de veículos, segundo o Detran) e controle de emissões industriais.

Mas já há um perigo rondando – pressões para que o Conselho Nacional do Meio Ambiente reveja a Resolução n.º 418/09, que estabelece limites para emissões de poluentes por veículos. O argumento é de que as regras são “muito rígidas”, pois os veículos que saem hoje das linhas de montagem teriam padrões de emissão superiores aos da frota que já circula.

A sociedade precisa estar atenta. Se é um desejo de cada família ter um veículo próprio – diante da precariedade dos transportes coletivos -, também não se pode, por esse caminho, inviabilizar a qualidade de vida e a saúde de todos. Da mesma forma, é preciso repetir: os ônus da poluição, como de qualquer problema “ambiental”, devem ser atribuídos a quem os gera, e não a toda a sociedade, que com eles sofre.

Se ainda faltassem outros motivos para restrições, podem-se lembrar os estudos do economista Nelson Choueri, já citados aqui, sobre os prejuízos econômicos dos congestionamentos de trânsito: 5 milhões de pessoas que se deslocam diariamente na cidade de São Paulo perdem em média duas horas por dia no transporte, ou seja, 10 milhões de horas diárias; multiplicadas pelo valor médio atual da hora de trabalho, em torno de R$ 10, serão R$ 100 milhões por dia, mais de R$ 30 bilhões por ano. Se um valor como esse fosse aplicado na expansão do metrô, por exemplo, em pouco tempo toda a cidade estaria servida. Não dá para converter. Mas serve para avaliar a irracionalidade.

Washington Novaes é jornalista. E-mail: wlrnovaes{at}uol.com.br

(Estado de S.Paulo, EcoDebate, 09/08/2010)


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