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sustentabilidade rural soberania alimentar
2010-08-09 | Tatianaf

Artigo publicado na revista Nature (Vol 466, de 29 July 2010) analisa o potencial do Brasil na produção e exportação de alimentos, questionando até que ponto é possível obter ganhos agrícolas sem destruir a Amazônia. Na última década, por exemplo, o pais quadruplicou as exportações de carne bovina, superando a Austrália, e está competindo com Estados Unidos pelo título de maior exportador de soja no mundo.

De acordo com o artigo, intitulado “The Global Farm” (A fazenda global, em tradução livre), a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação estima que a produção agrícola do Brasil vai crescer mais rápido do que em qualquer outra nação do mundo na próxima década, aumentando em 40% até 2019. Talvez não seja um cenário animador para um país em que a pecuária é frequentemente associada com a destruição da floresta amazônica.

No passado, já foi pior, quando a demanda por commodities, como carne bovina, milho e soja subiram. “As árvores foram para o chão”, diz o texto. E destaca que, “apesar da crescente produção e dos persistentes altos preços dos commodities desde o auge do crise global de alimentos em 2007-08, o desmatamento na Amazônia registrou uma redução histórica no ano passado, quase 75% abaixo de seu pico de 2004, e espera-se mais uma boa notícia neste ano”.

"Nós quebramos o paradigma nos últimos cinco anos. Já não existe uma correlação direta entre os alimentos e o desmatamento", afirmou à Nature Mateus Batistela, diretor da Embrapa Monitoramento por Satélite, em Campinas. Segundo declarou, o Brasil conseguiu esse feito através da política, melhorias em ciências agrícolas, melhor aplicação das leis ambientais e pressão dos consumidores”.

O artigo aponta que, mesmo assim, o país ainda enfrenta inúmeros desafios em relação à demanda pela produção de alimentos. Os conflitos sobre as políticas de uso da terra são comuns, além do fato de que as mudanças climáticas vão afetar muitas culturas importantes. A questão é: como será possível ao Brasil superar esses entraves, capitalizando seus recursos naturais e uma economia crescente de maneira sustentável?.

“Soja Maradona”
A Nature também destaca a ascensão do Brasil como uma gigante agrícola devido à cultura da soja, a maior do país no ramo da produção de alimentos, com lucro de cerca de US$ 17 bilhões em 2008. E credita o crescimento ao avanço de pesquisas na área. É que, na década de 1960, a gama de soja era muito limitada ao sul do país, mas, desde então, por meio de técnicas agrícolas, que permitiram mais variabilidade, a soja passou a ser cultivadas em quase todo o país.

“Cientistas da área agronômica compensaram solos altamente ácidos do cerrado brasileiro com calcário e outros nutrientes, e reduziram custos com fertilizantes por meio do desenvolvimento de métodos capazes de inocular sementes com   rizóbios, bactérias que colonizam raízes de plantas como a soja e fixam nitrogênio. Agricultores brasileiros estão agora competindo com os Estados Unidos pelo recorde dos lucros da soja”, diz Jeff Tollefson, que assina o artigo.

Segundo ele, depois de um longo atraso, o Brasil também está crescendo na área de culturas transgênicas. Uma década atrás, o destino de organismos geneticamente modificados (GM) no país era desconhecido. Uma comissão nacional aprovou o cultivo da primeira planta de soja transgênica para cultivo em 1998, porém, um juiz decretou moratória sobre o plantio de sementes resistentes a herbicida, chamando-as de “monstro estrangeiro”.

Essas sementes foram desenvolvidas e comercializadas pela empresa Monsanto, sediada nos Estados Unidos. O texto afirma que, ao invés de respeitarem a legislação nacional, os agricultores brasileiros recorreram a Argentina para a importação ilegal de sementes Monsanto, que ganhou o apelido “soja Maradona” em homenagem Diego Maradona, o jogador de futebol mais famoso no pais vizinho.

O artigo relata que a ilícita 'soja Maradona' tornou-se tão generalizada que, em 2003, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva a legalizou, num esforço de colocar ordem nas importações, instituir um controle básico para proteger as empresas brasileiras de sementes que não eram capazes de competir com os vendedores ilegais. Dois anos depois, o Congresso brasileiro promulgou uma lei de biossegurança, revendo a aprovação dos transgênicos.

Transgênicos
Em 2006, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança foi designada para aprovar plantas transgênicas, começando com a soja, algodão e milho. O artigo traz a declaração do bioquímico Walter Colli, ex-presidente da comissão, sobre a questão: "Eu vivi quatro anos de inferno ali, mas eu acredito fizemos coisas que serão reconhecidas como muito importante para a agricultura brasileira nos anos vindouros”.

Colli garantiu a aprovação de transgênicos ignorando debates ideológicos durante as reuniões da Comissão e focando nas questões técnicas sobre segurança pública e ambiental, estratégia endossada pelo governo Lula, de forma velada. O Brasil usualmente conta com produtos GM desenvolvidos no exterior, mas no início deste ano a Comissão de Biossegurança aprovou a primeiro semente transgênica a ser desenvolvida por cientistas brasileiros.

Já são mais de 21 tipos de plantas GM aprovados para uso no campo e o país é o segundo, perdendo apenas para os Estados Unidos, no número de hectares plantados com culturas transgênicas. Este ano, a soja GM responderá por até 70% do mercado brasileiro. Estima-se que, em 2011, poderá chegar a 75%, segundo Alda Lerayer, diretora-executiva do Conselho de Informações sobre Biotecnologia, uma organização sem fins lucrativos com sede em São Paulo.

Legalmente, os alimentos que contenham plantas transgênicas deve ser rotulados com um T, mas Lerayer diz que, apesar dos ambientalistas terem levantado preocupações, a oposição à difusão das culturas GM tem até agora se mantido em silêncio.

Pesquisadores da Embrapa têm melhorado soja com um gene fornecido pela BASF, gigante química alemã que desenvolveu técnica de resistência a uma nova classe de herbicidas. Para Elíbio Rech, que lidera o projeto no centro de pesquisas em recursos genéticos e biotecnologia da Embrapa, o trabalho mostra a capacidade do Brasil no domínio da biotecnologia,  servindo como um modelo de parceria entre empresas governamentais e o setor privado.

"O planeta vai ter que trabalhar em conjunto para assegurar que seremos capazes de duplicar a produção de alimentos até 2050, e o Brasil vai desempenhar um papel importante", declarou Rech. O artigo afirma que, por hora, os transgênicos no Brasil e em outros lugares ajudam os agricultores na batalha contra as ervas daninhas e insetos, mas não aumenta diretamente a quantidade de alimentos produzidos por cada plantas.

“No entanto, a Embrapa está trabalhando em novo técnicas que podem um dia abrir portas para maior variedade de plantas mais nutritivas e mais produtivas”, diz o artigo.

Moratória da soja
O texto também faz referência a “Moratória da Soja”. Afirma que as variedades mais produtivas exercem maior pressão sobre a floresta – “extensivamente eliminada para abrir caminho para a agricultura” – mas que o Brasil já diminuiu o desmatamento, tentando fazer melhor uso da terra em áreas que foram desmatadas.

“Estimulados pela pressão de consumidores e grupos ambientalistas como o Greenpeace, os produtores de soja foram os primeiros a assumir o compromisso de proteger a Amazônia”, diz o artigo, referindo-se à “Moratória da Soja”. Quatro anos atrás, os maiores exportadores concordaram em uma moratória sobre o comércio de sementes de soja cultivada em áreas desmatadas após julho de 2006.

O monitoramento é feito por satélite, e o Greenpeace diz que o pacto tem contribuído para reduzir as violações mais flagrantes. Segundo os ambientalistas, proprietários de matadouros fizeram promessa semelhante. Comprometeram-se   a mapear os seus fornecedores diretos a partir de novembro de 2010, para assegurar que a carne não virá terras recém-desmatadas.

De longe, o maior potencial para aumentar a produção é em pastagens, que no Brasil abrange mais de 200 milhões de hectares, segundo alguns estimativas. Corresponde a quase um quarto do país, ou uma área três vezes o tamanho da França. Os pecuaristas brasileiros têm em média pouco mais de uma vaca por hectare de terra, mas muitas pastagens bem gerenciadas, com a melhor  produção de grama, contêm três, quatro ou até cinco vacas por hectare.

Aos poucos a situação vai melhorando. Na última década, a pastagem na região amazônica aumentou em 30% e o número de bovinos, em 80%. Como parte de um esforço mais amplo para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e aumentar intensidade de atividades agrícolas, o governo brasileiros instituiu um programa de US$ 2 bilhões. O objetivo, entre outras coisas, é melhorar 15 milhões de hectares em áreas degradadas de pastagem ao longo de dez anos.

Futuro arrsicado
O governo também espera impulsionar a produção, ajudando os agricultores a escolher melhores sementes para plantar. Em 1996, a Embrapa começou a elaboração de mapas de zoneamento climático para diversas culturas-chave a fim de garantir que empréstimos governamentais não sejam gastos com plantas que são suscetíveis de falhar.

Os mapas são publicados para cada cultura, por estado, e leva em conta aspectos como topografia, solos, clima passado e padrões sazonais. Quando os agricultores vão solicitar um empréstimo, os bancos procuram a sua localização e são capazes de determinar exatamente o tipo de cultura que é permitido em qualquer dia do ano. “Nós achamos que a produtividade pode aumentar em 20% usando o zoneamento”, afirmou Eduardo Assad, do Centro de informação agrícola da Embrapa.

Segundo explicaram os cientistas, as zonas serão um alvo em movimento por causa da mudança do clima. Assad e seu colega, Hilton Pinto, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), agora estão tentando avaliar como o aquecimento global pode afetar as zonas de culturas nas próximas décadas. Suas projeções sugerem que os prejuízos agrícolas poderia ultrapassar US $ 4 bilhões anualmente até 2020 por causa de aumento das temperaturas.

Os pesquisadores afirmam que mais de metade dos perdas estão na soja. A cana-de-açúcar é o “vencedor solitário”, o território ideal para muito mais que o dobro das previsões. Essas projeções são baseadas apenas na temperatura, porque os modelos climáticos diferem acentuadamente em suas previsões de precipitação e efeitos mais amplos sobre a Amazônia. No entanto, o grupo está confiante que as medidas prepararão o país um futuro aquecedor. 

O artigo termina afirmando que o clima é apenas um dos muitos desafios que o Brasil enfrenta na tentativa de expandir e modernizar seu sistema agrícola. “Isso irá requerer uma mudança de atitude também”, diz o texto, afirmando que, apesar de os pesquisadores já trabalharem atuarem em políticas de crescimento com base no desenvolvimento sustentável, muitos fazendeiros e os agricultores não estão ainda a bordo.

“Interesses agrícolas prevaleceram sobre as preocupações ambientais este mês, quando uma comissão especial do Congresso aprovou o novo Código Florestal, que estabelece normas mínimas para proteção dos habitats nativos. Cientistas e ambientalistas estão se preparando para uma prolongada batalha contra a legislação. Mas, para muitos, pelo tom da discussão, a mudança é um retrocesso”.

(Leia o artigo original, em inglês, no site http://www.nature.com)

(D24M, 06/08/2010)


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