Nos diferentes textos que regulamentam atualmente a política global contra a mudança climática falta a menção explícita das consequências que o aquecimento global traz para as mulheres e o papel que estas podem desempenhar na preservação do habitat humano. Esse déficit, como também o impacto sobre a saúde, foi posto em evidência por ativistas da sociedade civil durante a terceira rodada de negociações preparatórias para a Conferência da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática, que acontece nesta primeira semana de agosto nesta cidade da Alemanha. A Conferência acontecerá no balneário mexicano de Cancún entre 29 de novembro e 10 de dezembro.
“É incompreensível” a ausência de referências ao papel que as mulheres podem ter na política global e local contra a mudança climática, quando diversos estudos indicam que seu papel deveria ser de destaque, disse em entrevista à IPS Sandra Akpéne Freitas, uma das ativistas que mais ressaltou a falta de perspectiva de gênero durante a rodada de Bonn. Sandra é uma das delegadas pela Organização de Mulheres para o Desenvolvimento e o Meio Ambiente (Women’s Environment and Develpoment Organisation, Wedo), com sede em Nova York.
Além de trabalhar com a Wedo, também integra a Aliança Global de Gênero e Clima, formada por mais de 35 agências da Organização das Nações Unidas e organizações não governamentais, e é diretora-executiva da Ações a Favor da Natureza e da Humanidade, em Togo, seu país natal e onde tem sua base.
IPS: Como explica a mulher não ser mencionada nos textos da ONU sobre a mudança climática?
Sandra Akpéne Freitas: É incompreensível, já que muitos outros textos apontam as consequências que a mudança climática e o subdesenvolvimento têm sobre as mulheres, já que o papel natural delas nas comunidades as coloca em uma posição privilegiada para proteger o meio ambiente.
IPS: A quais textos se refere?
SAF: À resolução 10/4 do Conselho de Direitos Humanos da ONU sobre a mudança climática diz que os efeitos adversos causados pelo aquecimento global serão mais sentidos por aqueles setores da população que já sofrem uma particular vulnerabilidade, como as mulheres. Além disso, o Informe sobre o Desenvolvimento Humano de 2007 chama a atenção para esse contexto. E as informações do Painel Intergovernamental para a Mudança Climática têm referências repetidas à vulnerabilidade das mulheres em particular. Todos estes textos chamam a atenção para o fato de que, nos países em desenvolvimento, ser mulher também significa ser pobre e mais vulnerável aos desastres causados pela mudança climática. Essa vulnerabilidade supõe uma intensificação das numerosas formas de injustiça que sofremos em educação, saúde e no contexto social, em geral.
IPS: Além desta vulnerabilidade, qual a razão para se considerar que as mulheres dos países em desenvolvimento são essenciais na mitigação e adaptação diante do problema?
SAF: As mulheres já oferecem um grande potencial como atoras da política ambiental local. Somos quem administra a água nas comunidades, cuida da geração e preservação da energia e também quem explora e cuida da floresta. Todos estes aspectos – água, energia, manejo das florestas – são simultaneamente ameaçados pela mudança climática, e sua preservação e administração são essenciais para combatê-lo. Ao mesmo tempo, em casos de doenças causadas ou exacerbadas pela mudança climática, como diarréias ou febres, nós, mulheres, cuidamos dos doentes.
IPS: Nesse sentido, a mulher também é um sujeito central da política de desenvolvimento em geral?
SAF: Claro. Praticamente todos os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio se referem, de uma ou outra forma, a questões que afetam as mulheres: educação, saúde, maternidade, pobreza, mortalidade infantil... E, em todos estes aspectos, as mulheres estão presentes, sofrendo as consequências negativas ou apresentando soluções.
IPS: Sendo assim, qual a importância real da valorização nos textos normativos do papel da mulher na política ambiental global?
SAF: Oficialmente, as organizações de mulheres não tomam parte dos debates internacionais sobre mudança climática. Com um reconhecimento formal, esta situação mudaria. O mais importante é que esta ausência de participação das mulheres age em detrimento de sua capacidade de fazê-lo. Por outro lado, o reconhecimento do papel das mulheres apoiaria sua capacitação formal, bem como suas possibilidades de apresentar soluções para os problemas climáticos.
IPS: O que a Wedo e outras organizações da sociedade civil propõem em defesa dos direitos das mulheres de modo específico?
SAF: Apresentamos emendas aos textos, de maneira que o papel das mulheres seja explicitamente mencionado. Também apresentamos muitas propostas recolhidas em diferentes reuniões e convenções internacionais. Além disso, propomos que as medidas específicas de capacitação de mulheres tenham prioridade nacional e internacional no contexto da política contra a mudança climática, para potencializar as capacidades que já dispomos no uso sustentável e na conservação dos recursos naturais como água, fontes de energia e florestas.
(Por Julio Godoy, da IPS, Envolverde, 6/8/2010)