O Brasil, um dos países mais desiguais e com uma das maiores concentração de terras do mundo, ganhou o posto de maior consumidor de agrotóxicos do planeta. Lugar conquistado pelo segundo ano consecutivo, superando os Estados Unidos, segundo dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) divulgados recentemente. Somente no ano passado, foram vendidas 725,6 mil toneladas dessas substâncias no país, movimentando US$ 6,62 bilhões, segundo dados da própria indústria de agrotóxicos.
O aumento do uso de agrotóxicos no país, seu impacto na saúde e no ambiente, o enfrentamento dos movimentos sociais e a busca de alternativas foram os destaques na segunda etapa do Ciclo de Debates “Agronegócio: impactos no homem e no ambiente”, promovido pelo Departamento de Saúde do Trabalhador do Semapi com o Centro Estadual de Vigilância em Saúde do Trabalhador. O encontro ocorreu na tarde de sexta-feira, dia 30 de julho, no Auditório do Sindicato dos Bancários.
“Agronegócio e Agrotóxicos: uma visão a partir da saúde coletiva e da justiça ambiental”, foi o tema da palestra do pesquisador do Centro de Estudos em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh/Ensp) da Fiocruz, Marcelo Firpo Porto. Já o especialista emVigilância em Saúde Ambiental e professor do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências da Saúde da UnB Fernando Carneiro falou sobre “Agronegócio x Agroecologia e os desafios para as políticas públicas da saúde”.
Em busca da justiça ambiental
O professor Marcelo Firpo Porto coordena o projeto que resultou no Mapa da Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil. Engenheiro de produção e psicólogo por formação, doutor e pós-doutor em Medicina Social pela Universidade de Frankfurt, ele defende que a promoção da saúde deve ser emancipatória: além de trabalhar com os determinantes sociais, é preciso legitimar a luta das populações invisíveis por seus direitos.
O Mapa de conflitos envolvendo injustiça ambiental e Saúde no Brasil é resultado de um projeto desenvolvido em conjunto pela Fiocruz e pela Fase, com o apoio do Departamento de Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde. Seu objetivo maior é, a partir de um mapeamento inicial, apoiar a luta de inúmeras populações e grupos atingidos/as em seus territórios por projetos e políticas baseadas numa visão de desenvolvimento considerada insustentável e prejudicial à saúde por tais populações, bem como movimentos sociais e ambientalistas parceiros.
Em consonância com os princípios da justiça ambiental, o Mapa busca sistematizar e socializar informações disponíveis, dando visibilidade às denúncias apresentadas pelas comunidades e organizações parceiras. Os casos foram selecionados a partir de sua relevância socioambiental e sanitária, seriedade e consistência das informações apresentadas. “Com isso, esperamos contribuir para o monitoramento de ações e de projetos que enfrentem situações de injustiças ambientais e problemas de saúde em diferentes territórios e populações das cidades, campos e florestas, sem esquecer as zonas costeiras”, destaca o pesquisador.
Os conflitos foram levantados tendo por base principalmente as situações de injustiça ambiental discutidas em diferentes fóruns e redes a partir do início de 2006, em particular a Rede Brasileira de Justiça Ambiental. O foco do mapeamento, portanto, é a visão das populações atingidas, suas demandas, estratégias de resistência e propostas de encaminhamento.
“Infelizmente, observo uma tendência de pesquisadores, em nome de certo academicismo ou da busca de financiamentos, se afastarem das necessidades das pessoas e dos povos que mais sofrem os efeitos perversos desse modelo de desenvolvimento. Minha visão de ciência se aproxima da arte e da política. É nesse contexto acadêmico, ainda contra-hegemônico, que se insere o mapa”.
Novo modelo de desenvolvimento
Marcelo Firpo destacou o forte movimento de enfrentamento ao modelo de desenvolvimento atual. Para ele, a sociedade tem o desafio de construir um novo modelo que deveria ser ambientalmente sustentável e socialmente justo.
“O problema da contaminação humana por agrotóxicos está vinculada com o modelo de desenvolvimento, as políticas agrária e de produção agrícola, e o papel do Brasil no cenário internacional globalizado enquanto produtor de "commodities". Mercadorias de baixo valor agregado, como a soja, concorrem no comércio internacional à custa da intensificação do desmatamento, da degradação ambiental, da contaminação da água e dos solos, e da própria contaminação humana, principalmente de trabalhadores e famílias rurais. É uma contradição, mas o discurso da produtividade e do crescimento em boa parte se baseia na degradação de nossa natureza e da saúde das populações das atuais e futuras gerações”, salientou.
Segundo ele, o lado perverso deste modelo freqüentemente permanece oculto pelos números mágicos das exportações do agronegócio, que favorecem a balança comercial. “Nem as estatísticas oficiais de saúde, altamente subnotificadas, nem os preços finais das mercadorias traduzem os danos ambientais e à saúde humana produzidos por este modelo”.
Monoculturas são insustentáveis
O professor alerta que as monoculturas são uma bomba relógio contra o ecossistema. As monoculturas são insustentáveis sob vários aspectos: além dos problemas de contaminação humana e ambiental pelos agrotóxicos, que geram desmatamento, queimadas e perda de biodiversidade, as monoculturas tendem a concentrar renda; reduzem empregos – principalmente se comparado com os empregos gerados na agricultura familiar –; intensificam as desigualdades sociais e contribuem para o êxodo rural e os problemas de saneamento urbano; e afetam a segurança alimentar por reduzir a qualidade e quantidade da produção agrícola familiar voltada à produção de alimentos.
Agronegócio x Agroecologia
“O modelo agrícola brasileiro revela uma grande contradição. Enquanto bate recordes seguidos de produtividade, contribuindo com cerca de 30% das exportações brasileiras, 40% da população brasileira sofre com a insegurança alimentar, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)”, avaliou o professor Fernando Carneiro.
Segundo ele, curiosamente, o avanço da tecnologia nesses últimos dez anos não reduziu o consumo de agrotóxicos no Brasil. Pelo contrário, a moderna tecnologia dos transgênicos, por exemplo, estimulou o consumo do produto, especialmente na soja, que teve uma variação negativa em sua área plantada (- 2,55%) e, contraditoriamente, uma variação positiva de 31,27% no consumo de agrotóxicos, entre os anos de 2004 a 2008.
“A contaminação de alimentos na mesa do brasileiro é uma realidade, segundo dados do Programa de Análise de Resíduo de Agrotóxico em Alimentos (PARA), da Anvisa. Destaca-se, para os 26 estados brasileiros, os níveis de contágio nas culturas de pimentão (80%), uva (56,4%), pepino (54,8%) e morango (50,8%), acompanhados ainda da couve (44,2%), abacaxi (44,1%), mamão (38,8%) e alface (38,4%), além outras 12 culturas analisadas e registradas com resíduos de agrotóxicos”, revela.
O fato é ainda mais preocupante, pois das 819 amostras que apresentaram ingredientes ativos (IAs) não autorizados, 206 amostras (25,1%) apresentaram resíduos que se encontram em processo de reavaliação toxicológica no Brasil. Desse universo, 32 amostras contém ingredientes ativos banidos ou nunca sequer registrados no Brasil, como o heptacloro, clortiofós, dieldrina, mirex, parationa-etí lica, monocrotofós e azinfós-metílico.
Na opinião de Fernando, com 70 milhões de brasileiros em estado de insegurança alimentar, segundo o IBGE, e com o consumo de apenas 1/3 de frutas, verduras e legumes necessárias a uma alimentação saudável, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a solução para o país passa pela reforma agrária e pela conversão do modelo agroquímico e mercantil para um modelo de base agroecológica, com controle social e participação popular.
O Estado Brasileiro e suas políticas públicas ainda são vacilantes em relação ao o inciso V do artigo 225º da Constituição Federal. O item transcorre sobre o “controle da produção, a comercialização e o emprego de substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente”, como é o caso do uso de agrotóxicos.
As medidas paliativas, como lavagem das hortaliças ou frutas, estão longe de amenizar as verdadeiras causas desse grave quadro de contaminação. Inclusive muitos desses produtos possuem atuação sistêmica, estando em todas as partes da planta.
“Com a contaminação ambiental e alimentar, promovida essencialmente pelo uso de agrotóxicos no Brasil, é dever do Estado operar urgentemente políticas públicas efetivas para se fazer cumprir o direito coletivo com uma agricultura responsável e comprometida com o seu povo. E não apenas com os objetivos do lucro fácil e irresponsável em termos socioambientais”, defende.
(Por Katia Marko, Engenho Comunicação e Arte, EcoAgência, 05/08/2010)