A crescente preocupação de consumidores, empresas e governos com a preservação ambiental trouxe um novo elemento para as pranchetas e computadores dos gestores das indústrias brasileiras: a busca da diminuição dos impactos da atividade produtiva sobre a natureza.
Nesse novo cenário, colocar um novo produto no mercado ou desenhar uma nova linha de produção cada vez mais exige a resolução de uma complexa equação que combina ganhos de qualidade e eficiência com a minimização da eliminação de resíduos e do uso de recursos naturais.
O desafio imposto às empresas já começa a render frutos, que amadurecem na forma de soluções inovadoras como as reconhecidas pelo Prêmio Febramec Meio Ambiente, que neste ano chega a sua quarta edição. “É um prêmio que visa a reconhecer as iniciativas ambientais das empresas do setor industrial que tenham resultado em melhorias nos processos produtivos em relação ao meio ambiente”, explica a engenheira química Rosele Neetzow, coordenadora-técnica do prêmio e da área de assessoria técnica do Centro Nacional de Tecnologias Limpas do Senai/RS.
A ideia é valorizar os projetos que inovem na redução da geração de resíduos nos processos de fabricação, do uso de recursos naturais (como a água) e de insumos, como a energia elétrica e produtos químicos. A lógica é a do combate à poluição e ao desperdício, atacando os dois principais eixos do impacto ambiental das atividades industriais.
Normalmente, o processo produtivo deixa resíduos de matérias-primas e de químicos usados nas linhas de produção. Eliminar ou tratar esse material, sem provocar danos ao solo ou aos rios, lagoas e oceanos é uma tarefa muitas vezes árdua, que pode ser superada com mudanças nas fábricas que reduzam a geração desse tipo de sobra.
Da mesma forma, as plantas industriais também ajudam a proteger o meio ambiente ao conseguir minorar o consumo de energia ou de combustíveis como o gás natural, por exemplo.
Os melhores projetos que levaram empresas a cumprir esses objetivos serão conhecidos no dia 11 de agosto, em solenidade especial do prêmio, dentro da programação da Febramec 2010, em Caxias do Sul.
Serão homenageadas as empresas inscritas cujos projetos cumprirem as exigências de redução de impacto ambiental previstas no regulamento, de acordo com Rosele. Além disso, também são valorizadas ações de educação ambiental. “É um estímulo para que desenvolvam trabalhos nas áreas ambientais”, afirma a coordenadora.
As empresas são enquadradas em três categorias: micro e pequenas empresas (com até 99 trabalhadores), médias (entre 100 e 499 trabalhadores) e grandes (500 ou mais trabalhadores).
Os projetos serão enquadrados dentro de quatro temas: Águas e Efluentes; Energia, Matéria-Prima e Resíduos Sólidos; e Emissão Atmosférica. “A avaliação leva em conta o ganho ambiental, o benefício econômico e social que possa resultar”, acrescenta Rosele.
A coordenadora destaca que os trabalhos inscritos revelam a ampliação na preocupação das empresas em avançar na busca de uma produção ambientalmente adequada. “A gente tem empresas que têm enviado a cada ano seus projetos para a gente, enquanto há outras aderindo ao prêmio. Isso é muito bom”, afirma.
Torneiras ecológicas através de novos processos
Uma mudança aparentemente simples em um antigo processo de produção rendeu à Meber, fábrica de metais sanitários de Bento Gonçalves, o Prêmio Febramec Meio Ambiente em 2009, no tema Matéria Prima e Resíduos Sólidos.
A empresa decidiu reformular a estrutura das coquilhas, espécie de formas, utilizadas na fabricação de peças metálicas como torneiras. O metal fundido, ainda líquido, é conduzido até o molde por meio de canais para ser esfriado e adquirir a forma do produto final. Para reduzir o volume de matéria-prima necessário para produzir as peças e o volume de resíduo deixado no processo, a empresa decidiu diminuir e estreitar esses canais.
A solução parece óbvia, mas exigiu uma sofisticada reformulação no processo de produção. Isso porque o metal fundido precisava passar por um canal mais fino, sendo necessário, por exemplo, alterar a inclinação dos canais, para que a qualidade do produto final não sofresse interferências. “Com as coquilhas ecológicas, reduzimos a quantidade necessária (de matéria-prima) para produzir o produto sem alterar o visual e a qualidade”, afirma Juliana Lúcia Ferrari Dal Piaz, gerente de Qualidade da Meber.
Os canais mais estreitos ainda proporcionam a diminuição do material metálico que sobra na produção de cada torneira (o resíduo é reaproveitado na produção). “Sempre tem uma perda. Quanto menos gerar essa sobra, melhor”, explica Juliana.
A iniciativa integra um projeto da empresa chamado Produção Mais Limpa, iniciado em 2003, que reúne uma série de ações envolvendo várias etapas da produção na companhia. O trabalho permitiu a redução do consumo de água, de matérias-primas e energia.
Cerâmica com calor na medida
Para uma empresa cuja atividade depende da operação de fornos e secadores, calor não é algo que se possa desperdiçar. Foi focado nessa lógica que os técnicos da indústria cerâmica Ceusa desenvolveram um sistema que reduz o gasto de energia nos processos de produção.
O projeto reuniu duas etapas de produção distintas e que através do projeto passaram a dividir insumos. A união ocorre entre as fases de secagem e queima. A secagem ocorre no início do processo, com o secador a cerca de 670°C quando a indústria obtém o pó para aplicar na formação da peça. Já a queima ocorre em fornos, com temperatura de 1.200°C, onde o material compactado é moldado e aquecido.
Para reduzir o uso de gás natural na combinação dos dois processos, a empresa criou um sistema de reaproveitamento do calor, segundo Gialdino da Luz, engenheiro de materiais e gerente industrial da Ceusa.
Na queima, há a liberação de fumaça. O gás sai a 270°C e é canalizado para os secadores na unidade da empresa em Urussanga (SC). Com a temperatura alta, há uma menor aplicação de gás natural para que o equipamento atinja os 670°C. Iniciada em 2009, rendeu à Ceusa o Prêmio Febramec Meio Ambiente e hoje garante redução entre 20% e 25% no uso de gás.
Biomassa é principal fonte de energia
A adoção de dois projetos ligados à geração de energia e redução na emissão de gases permitiu à Celulose Irani vencer o Prêmio Febramec Meio Ambiente 2009 no tema Emissão Atmosférica. Para diminuir a emissão de gases, a companhia alterou a técnica de tratamentos de efluentes líquidos da produção de papel através de um procedimento que emprega oxigênio, o que evita a produção de metano. Leandro Farina, gerente de gestão para excelência da Irani, ressalta que a técnica é conhecida, mas é pouco utilizada por exigir investimentos elevados e demandar mais energia.
O maior consumo é compensado por meio de um projeto de geração de energia, onde a companhia instalou uma usina de geração a partir de biomassa. No caso, sobra de resíduos florestais e madeireiras. A iniciativa evita que os resíduos sólidos de madeira sejam depositados no lixo. “Garantimos 75% da energia que consumimos”, conta o gerente.
Além desses projetos, a empresa fez um inventário da produção e sequestro dos gases de efeito estufa. No balanço, as emissões de gases das unidades produtivas e o volume de CO2 sequestrado da atmosfera pela base florestal da Irani foram contabilizadas.
Nem plástico nem madeira
Resultado da mistura de plástico tradicional com fibras vegetais de madeira de pinus, bagaço de cana-de-açúcar ou casca de coco, um novo material para revestimentos de móveis, divisórias de ambientes, estrutura de calçados e painéis de automóveis propõe uma solução para dois tipos de problemas ambientais.
Ao reaproveitar sobra de material orgânico vegetal, a Ecofibra, criada pela Artecola, ajuda a reduzir a acumulação de resíduos vegetais, além de diminuir o uso de plástico derivado do petróleo. A solução desenvolvida ao longo de dois anos e há um ano no mercado garantiu à empresa a distinção com Prêmio Febramec Meio Ambiente em 2009 no tema Matéria-Prima e Resíduos Sólidos.
O material é obtido por meio da combinação entre resinas plásticas tradicionais e fibras naturais abundantes no País, segundo Marcos Wendt, gerente de Tecnologia da Artecola. Por enquanto, três tipos de fibras são utilizadas. Bagaço da cana-de-açúcar, que, de outra forma, normalmente seria queimado ao ar livre. Resíduos de serraria de madeira de pinus elliottii e casca do coco, que geralmente é descartada depois do consumo da água de coco. “As fibras ficam bem visíveis. Dá para perceber bem”, conta Wendt.
Além de favorecer o meio ambiente, a iniciativa ainda ofereceu novas oportunidades de mercado à companhia, que já atua nos ramos calçadista e automotivo, mas busca espaço na construção civil, decoração e fabricação de utilidades domésticas. “Em vez de um material que poderia ser 100% de matéria plástica, a gente consegue agregar até 40% de fibra vegetal”, compara Wendt.
Somado a isso, explica o executivo, o uso de placas de Ecofibra em decoração ou divisórias de escritórios reduz a utilização de produtos químicos empregados na fabricação das tradicionais chapas de MDF ou compensado usadas na produção de móveis.
(Por ANA PAULA APRATO/JC-RS, 05/08/2010)