A devastação dos rios que formam o Xingu, em Mato Grosso, é um problema que afeta índios e agricultores. São rios que nascem dentro das fazendas em volta do Parque Indígena do Xingu, onde vivem cinco mil pessoas.
Para mostrar a gravidade desse problema, os repórteres Ivaci Matias e Francisco Maffezoli Junior percorreram a região durante mais de um mês.
O Rio Xingu tem 2,7 mil quilômetros de extensão. É um gigante formado pelas águas de milhares de afluentes. Nasce do encontro dos rios Culuene e Sete de Setembro, no sul do Parque Indígena do Xingu, região nordeste de Mato Grosso.
Atravessa a reserva de ponta a ponta, fazendo voltas como se fosse uma enorme serpente, e entra no Estado do Pará para se encontrar com o Rio Amazonas.
Não é a toa que o Rio Xingu dá nome ao maior parque indígena do país. Além de ser a principal via de acesso à reserva, ele é fonte de vida para os cinco mil índios que vivem na região. É de onde eles tiram a água do uso diário e plantas para fabricar o sal usado no tempero dos peixes, fonte de alimento deles.
O cacique Raoni, líder dos índios caiapós, disse que hoje a reserva está cercada pelas pastagens e lavouras. As margens dos rios que nascem dentro das fazendas estão sendo desmatadas e o veneno usado nas lavouras está contaminando as águas.
O assoreamento no leito do Rio Xingu é outra consequência dessa devastação. Quem navega pelo lugar precisa tomar muito cuidado com os bancos de areia que se formam no fundo. O cacique Afucacá – Kuikuro disse que eles não podem fazer nada porque as nascentes do Xingu estão fora da área da reserva.
“Nascente do rio não tem dono. Quem está cuidando da nascente do rio? É o índio, o branco, o fazendeiro, o governo? Não estou mentindo. Eu estou vendo. Eu estou preocupado”, disse o cacique.
O desmatamento das nascentes e beiras de rio na bacia hidrográfica do Rio Xingu chega a 300 mil hectares. Basta sobrevoar a região para ver a devastação nas áreas de proteção permanente, protegidas por lei porque são fundamentais para a formação dos rios.
No mapa feito com base em imagens de satélite é possível ver o contraste do verde das florestas do parque e das reservas das fazendas com a mancha alaranjada do entorno, que aponta as áreas desmatadas.
É o que acontece, por exemplo, em Querência. No início da colonização da região o governo financiava a derrubada da floresta para a introdução das lavouras. Mas os tempos mudaram. Quem avança nas áreas de mata que ainda restam sem autorização é multado e corre o risco de ter a área interditada.
Em alguns casos, como o da fazenda o esforço para derrubar a mata foi inútil porque o local não serve para o cultivo da soja. Na cabeceira do Córrego Azul o agricultor tirou toda a floresta para poder aproveitar a área com lavoura de soja. Só resta uma aguinha correndo.
As autorizações para desmatamento estão suspensas em todo o município de Querência e o Ibama embargou 121 mil hectares que foram desmatados ilegalmente.
O embargo atinge mais de 1,5 mil produtores grandes e pequenos. A maioria foi para lá na época do governo militar. Eles dizem que na época foram incentivados a desmatar suas áreas.
O prefeito Fernando Gorgen protesta contra o embargo das áreas e disse que muita gente está abandonando o campo por este motivo. “É uma situação muito complicada. O governo embarga as áreas e não aponta uma solução para o problema. Querência é um município que vem de uma colonização, de um programa que foi instalado pelo governo federal. Até os desmatamentos naquela época eram financiados pelo governo federal. Agora, simplesmente chegam, embargam a área e cortam todo o crédito do pequeno produtor porque nosso município também está dentro da Floresta Amazônica”, disse.
O seu Darci Heemann, que cultiva soja e milho, tem 250 hectares embargados pelo Ibama. Ele entrou com um recurso na Justiça contestando a multa de R$ 800 mil que recebeu no ano passado. “Eu não achei justa a multa porque eu era do primário. A gente não tem o estudo como muitas pessoas tinham na época. Eu sei que pelo fim a gente errou. Agora, eu achei injusta uma multa de R$ 800 mil. Naquela época em que recebi a multa eu teria de vender a fazenda. Não ia chegar para pagar a multa”, disse.
Hoje, muitos agricultores da região do Xingu já reconheceram o erro do passado e estão dispostos a recuperar suas áreas. Para isso, eles criaram a Aliança da Terra, organização não-governamental, que está fazendo um diagnóstico das fazendas para enquadrá-las na lei ambiental.
A ONG é mantida pelos próprios agricultores e também capta recursos de fundações estrangeiras. A engenheira ambiental Aline Maldonado explicou como funciona o trabalho. “A ideia é dar uma instrução para os produtores. A gente identifica a legislação vigente. Utilizamos GPS também. Todas as informações são referenciadas de forma a poder identificar os pontos que precisam de alguma melhoria e dar uma instrução para os produtores que realmente querem inserir uma nova gestão em suas propriedades”, disse.
Esse é o caso da Fazenda Concórdia, que pertence ao seu Gilmar Burnier. Ele tem 3,3 mil hectares onde cria gado e produz soja e milho. O Rio Suiamiçu, importante afluente do Xingu, passa na divisa da fazenda. Toda a mata ciliar preservada.
Mas só isso não basta. O produtor tem a obrigação de zelar também pelas nascentes e ribeirões que alimentam o rio principal. Ao olhar no mapa feito pelos técnicos da Aliança dá para ver o desmatamento desses dois afluentes do Suiamiçu. O local era frequentado pelo gado e hoje está em estado de degradação. O seu Gilmar já concordou em recuperação da área.
Na visita anterior realizada, há quatro meses, os técnicos da Aliança da Terra fizeram algumas recomendações e agora querem saber o que já foi feito.
Pelo trabalho dos técnicos o seu Gilmar vai pagar três mil reais. Até agora a Aliança da Terra já cadastrou quase 300 agricultores interessados na recuperação de suas áreas.
(Globo Rural, EcoDebate, 03/08/2010)