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desmatamento passivos do agronegócio
2010-07-30 | Tatianaf

Três cenários de terra arrasada, configurados depois da abertura das áreas para plantações de soja, sintetizam o desafio de conservação dos biomas brasileiros a ser encarado pelo próximo presidente da República — seja ele mais simpático ao ambientalismo ou ao desenvolvimentismo. Após o período de boom do cultivo, o grão já não rende nada ou muito pouco, restaram áreas desertificadas ou com baixíssima produtividade. Em meio a essa perspectiva, pequenos agricultores de Jataí, do Assentamento Vitória, em Cristalina, e do Assentamento Colônia 1, em Padre Bernardo (todos em Goiás), tentam extrair renda. Sem fragmentos expressivos de mata nativa, esses produtores precisam inovar na terra que sobrou.

Quase sempre falta água no Assentamento Colônia 1 durante os meses mais secos do ano, agosto, setembro e outubro. Situado numa área de transição entre as zonas rural e urbana de Padre Bernardo, o lugar perdeu suas principais nascentes devido ao desmatamento empreendido pelo antigo proprietário das terras. “Quando a gente chegou, em 1996, elas já não existiam”, diz um dos assentados pioneiros do Colônia 1, Teobaldo Rocha, de 62 anos.

Teobaldo produz hortaliças e legumes orgânicos no assentamento, vendidos para clientes específicos em Brasília. É o máximo que vem obtendo das terras desapropriadas há 15 anos. Os produtos do cerrado, bastante procurados na região, são ironicamente trazidos de cidades próximas pelos trabalhadores rurais do núcleo.

No Assentamento Vitória, em Cristalina, os trabalhadores conseguiram restabelecer a vegetação nativa às margens da principal lagoa nas terras de 1,9 mil hectares. “Há dois anos, a lagoa não seca mais”, conta Levi Cerqueira, 49 anos. Quando chegaram à propriedade, em 2006, os assentados encontraram uma área completamente devastada. “O dono limpou tudo para plantar soja”, acusa Levi. Agora, as 50 famílias do assentamento já plantam milho, arroz, mandioca e feijão. E, em até 10 anos, pretendem colher baru e jatobá.

Seu Meco, como Binômino da Costa Lima é conhecido na região de Jataí, tem a mesma sensação de Levi. “Aqui não tem mais nada de cerrado. Plantaram soja até à beira da rodovia.” Aos 80 anos, seu Meco já descobriu espécies, fez levantamentos inéditos de pinturas rupestres na região e conhece cada fragmento de mata que restou na região goiana mais devastada pela cultura da soja. A família dele sempre criou gado nas terras de Jataí, sem destruir nada. “Em 1968, comecei a notar que as lavouras iam acabar com o cerrado. O próprio governo organizou a derrubada.”

Por décadas, o governo federal e o poder Executivo nos estados patrocinaram o desmatamento de biomas como o cerrado e a caatinga para a entrada das novas fronteiras agrícolas. Agora, depois do desastre ambiental patrocinado pelo próprio poder público, o desafio é conciliar o desenvolvimento econômico tão almejado com a preservação do que restou nos biomas brasileiros.

O uso intensivo do solo já resultou na desertificação — grave ou muito grave, conforme classificação do Ministério do Meio Ambiente (MMA) — de 180 mil km2, principalmente nos estados do Nordeste. O monitoramento dos biomas feito pelo MMA mostra que quase metade da caatinga (46,4%) já foi desmatada. No cerrado, a devastação já consumiu 47,7% da vegetação. O desmatamento na Amazônia vem caindo ao longo dos anos, mas ainda é bastante alto: foram 7,4 mil km2 devastados no ano passado. De mata atlântica, só restam 7% de vegetação. De pantanal, 83%.

Em 1968, comecei a notar que as lavouras iam acabar com o cerrado. O próprio governo organizou a derrubada” – Binômino da Costa Lima (Seu Meco), trabalhador rural de Jataí (GO)

Tema fora da pauta
A falta de posicionamento dos principais candidatos à Presidência diante do debate sobre o novo Código Florestal Brasileiro é o grande indicativo de que, até agora, o meio ambiente não está na pauta da campanha eleitoral. A candidata do Partido Verde (PV), a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva, foi a única a se posicionar claramente contra o texto. “Esse é o pior retrocesso da história ambiental do país”, protestou.

Quando questionado sobre o assunto, José Serra (PSDB) fez rodeios e não afirmou se é contra ou a favor da flexibilização das regras para as reservas legais e as áreas de preservação permanente (APPs). Dilma Rousseff (PT) também não quis se indispor nem com os ambientalistas nem com os ruralistas.

Dilma prometeu, se for eleita presidente, reduzir o desmatamento e impulsionar os biocombustíveis e as usinas hidrelétricas como fontes limpas de energia. Serra pregou o desenvolvimento sustentável na Amazônia e a redução obrigatória das emissões de CO2. Marina garantiu mirar no desmatamento zero, se alcançar a Presidência, além de vetar o novo Código Florestal, caso seja aprovado no Congresso.

Ninguém detalhou ainda como cumprir a meta brasileira de redução de 38,9% das emissões de CO2 até 2020, com corte no desmatamento da Amazônia e do cerrado. “Deve haver um tratamento mais equilibrado para os diversos biomas brasileiros. O agronegócio deve estar contido na área já desmatada”, ressaltou Donald Sawyer, vice-diretor do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (UnB). (VS)

Em busca da tecnologia na produção agrícola, artigo por Marcos Heil Costa

A produção agrícola pode se expandir sem aumento do desmatamento. É possível aumentar em várias vezes a produção total de grãos, fibras e carnes com pequenos investimentos em tecnologia e extensão rural, sem expandir a área plantada, o que reduziria o desmatamento.

Além disso, a implantação disseminada de técnicas de plantio direto, já conhecidas mas pouco utilizadas, poderia contribuir para reduzir as emissões de CO2 do setor agrícola em 90%, diminuir os custos de produção e conservar os solos. Assim, políticas públicas voltadas ao aumento da produtividade agrícola via investimentos em tecnologia conciliarão o interesse dos produtores e trabalhadores rurais com a conservação do meio ambiente, que é de interesse de todos.

Na área urbana, deve haver investimento público em transportes coletivos de qualidade. Trens e metrôs capilares, eficientes e confortáveis, causam muito mais do que alívio de congestionamentos. Eles reduzem as emissões de CO2, a poluição urbana e os gastos com saúde pública.

Finalmente, há que se considerar os incentivos fiscais à produção de veículos híbridos elétrico-gasolina-etanol no país, o que reduziria o consumo de combustíveis pela metade. Essa economia, além de reduzir a poluição urbana, permitiria uma maior exportação de petróleo e etanol pelo Brasil, gerando divisas que compensariam folgadamente os incentivos fiscais concedidos.

Marcos Heil Costa é doutor em ciências atmosféricas e oceânicas e professor da Universidade Federal de Viçosa (UFV).

O número
180 mil KM2
Área desertificada — de modo grave ou muito grave — pelo mau uso do solo no Brasil

Nota do EcoDebate: Enquanto isto, Wagner Rossi, o ministro da Agricultura do momento, declarou à ABr que …”As pessoas que, às vezes, defendem a natureza têm uma boa intenção, mas não conhecem o processo produtivo rural, não são capazes de entender que é perfeitamente possível compatibilizar [produção e preservação]. Ninguém quer que haja erosão, assoreamento, ninguém deixa de proteger um manancial na sua propriedade. Quem mais preserva no Brasil é o produtor rural”, disse, ao comentar o novo Código Florestal brasileiro. “Os ambientalistas têm todo o direito a ideias e opiniões, mas não podem parar o país”, disse. “Os ambientalistas que me desculpem, mas não podem fazer regras contra o povo, contra quem está levando o Estado para frente. Temos que ter cautela, normas. E elas serão respeitadas”.

Descontando os chavões e bravatas usuais, permanecem algumas questões, tais como 1) se quem mais preserva é o produtor rural então quem devastou TODOS os biomas do país? 2) quem não respeitou as normas do Código Florestal de 1965? 3) Não foram os ambientalistas que ‘fizeram’ as regras do código de 1965, promulgado em plena ditadura militar. 4) são incontáveis as manifestações de técnicos, pesquisadores e cientistas contra a famigerada ‘flexibilização’ do Código Florestal e, por isto, quem é que não tem base científica em seus argumentos.

No mais, o ministro do agronegócio apenas repetiu os chavões de sempre.

Henrique Cortez, coordenador editorial do EcoDebate.

(Por Vinicius Sassine, no Correio Braziliense, EcoDebate, 30/07/2010)


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