As comunidades quilombolas do Sapê do Norte estão reconvertendo áreas antes degradadas pelo monocultivo de eucalipto da ex-Aracruz Celulose (Fibria) para a produção de alimentos sem o uso do agrotóxico. Além de buscar o resgate de suas raízes, os negros estão também replantando espécies nativas de mata atlântica e reelaborando táticas tradicionais e experimentando novas técnicas de manejo.
Só na comunidade de São Domingos, 13 hectares estão sendo reconvertidos com apoio de pequenos agricultores e indígenas do Estado com o objetivo de trazer de volta a agrobiodiversidade, onde antes predominavam a cultura de larga escala e o manejo químico responsável pelo empobrecimento e contaminação do solo e das águas da região.
Ao todo, mais de três mil mudas de espécies frutíferas e nativas da mata atlântica já foram plantadas na região.
Alimentos como melancia, abóbora, quiabo, maxixe, coco, manga, jaca, cajá e banana livres de agrotóxicos já estão sendo consumidos pelos quilombolas e populações tradicionais da região, que, através de trocas intercomunitárias, promovem a preservação e o resgate da tradição da região.
Na comunidade de Angelim Santa Clara, sete hectares de terras também receberam mudas de mata atlântica, e em São Cristovão os negros estão garantindo a preservação de variedades regionais de aipim.
Submetidas a uma incorporação subordinada da lógica da expropriação de terras, as atividades desenvolvidas na região eram apenas a cata de restos de eucalipto e as farinheiras que resistiam entre os eucaliptais da ex-Aracruz Celulose (Fibria).
A reconversão das terras empobrecidas após 40 anos de exploração da ex-Aracruz Celulose (Fibria) é um dos maiores desafios das 32 comunidades quilombolas no Estado, mas em meio aos eucaliptais, a agricultura quilombola vem conquistando o seu espaço e ajudando a conquistar a independência das comunidades que ainda lutam pelo reconhecimento oficial de suas terras.
Na prática, os negros vêm articulando a resistência política. Segundo o artigo publicado pelo antropólogo Marcelo Calazans, a medida contribui para o desenvolvimento coletivo de um novo padrão produtivo, ancorado em uma nova base social e política na região.
Das 12 mil famílias que habitavam o sapê do Norte, apenas 1,2 mil resistiram. Nada menos que 90% migraram para as periferias urbanas da região norte do Espírito Santo e mesmo para a região metropolitana de Vitória.
Diante de um vasto e longo quadro de violações, os quilombolas se organizam para exigir a titulação de seu território e pressionam contra um novo boom de expansão dos monocultivos de eucalipto. Para isso, é necessário ainda providenciar regularização fundiária, crédito e extensão rural, políticas agrícolas e florestais, licenciamentos e zoneamentos, isenções fiscais, abastecimento, entre outras providências.
Segundo o relatório do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da presidência da República, os quilombolas do Estado sofrem com a insegurança alimentar e nutricional devido à situação de subordinação aos eucaliptais a que foram impostos.
Praticamente sem terra, água e mata, pouco restou para as famílias que resistiram na região e hoje lutam pela resistência de suas famílias no território quilombola Sapê do Norte que compreende parte dos municípios de Conceição da Barra e São Mateus, no norte do Estado.
Ao todo, cerca de 12 mil famílias habitavam a região do Sapê do Norte, mas apenas 1.200 resistiram na região. Nada menos que 90% migraram para as periferias urbanas da região norte do espírito santo e mesmo para a região metropolitana de Vitória.
(Por Lívia Francez, Século Diário, 29/07/2010)