Em entrevista exclusiva ao Portal da UnB, o cientista alemão Reiner Hartenstein afirmou que o alto consumo de energia dos grandes servidores de rede ameaçam o futuro da computação.
Há pelo menos 40 anos, o cientista alemão Reiner Hartenstein estuda os computadores. Naquela época, as máquinas que hoje dominam o mundo eram artigos de luxo, enormes e caros. Hoje, os computadores são baratos, portáteis, velozes, cabem na palma da mão e armazenam milhões de informações. Ninguém vive sem eles. O resultado é um consumo de energia nunca antes imaginado e que pode tornar insustentável seu uso no futuro.
Reiner Hartenstein assistiu a essa evolução dos computadores inquieto. Há quase duas décadas ele busca alternativas para tornar mais econômica a performance dos computadores sem perder eficiência. É a chamada computação verde, uma nova área da ciência. Da inquietude nasceram várias descobertas e parcerias, uma delas com o Departamento de Computação da Universidade de Brasília, onde o cientista está desde segunda-feira.
Em entrevista exclusiva à UnB Agência, Reiner Hartenstein revelou que somente os servidores da Google consomem 2% de toda a energia usada no planeta. “A reconfiguração dos computadores traria resultados maiores do que todas as demais propostas relacionadas à mudança climática”, contou ele, que é considerado um dos pais da computação reconfigurável, uma nova forma de desenvolver os computadores que exige menos capacidade de processamento e, em consequência, menor gasto de energia.
O tema foi detalhado em palestra nesta quarta-feira, exclusiva para especialistas da área no Departamento de Ciência da Computação. Nesta quinta-feira, o cientista falará novamente, desta vez em encontro aberto a especialistas de todos os setores, às 10h, no auditório da Reitoria, em inglês.
A seguir, a entrevista exclusiva de Reiner Hartenstein à UnB Agência:
UnB Agência – Por que a computação, como funciona atualmente, é insustentável no futuro?
Reiner Hartenstein – Os computadores estão em toda a parte, nas fábricas, nos carros, nos edifícios. Um avião de passageiros tem mais de mil processadores. Há o crescimento da internet, com mais e mais coisas carregadas na rede, videos on demand (compra de filmes pela internet para exibição no próprio computador), TV. E está chegando o cloud computing (os programas não ficam mais nos computadores e sim em grandes servidores, acessíveis pela internet). Empresas como Google, Yahoo e IBM têm um consumo de energia equivalente ao de uma cidade inteira. O Google agora está querendo vender eletricidade e terá suas próprias geradoras. Uma reportagem da revista Time mostrou que o Google sozinho responde por 2% do consumo mundial de energia. O custo da eletricidade é superior ao próprio custo dos servidores. Em 2005, quando ainda era pequena, a conta de eletricidade do Google era de US$ 50 milhões por ano.
UnB Agência – Podemos imaginar se os usuários terão que pagar por isso?
Reiner Hartenstein – Há relatos de que chegamos ao pico da produção de petróleo, o que tem impactos sobre o custo da energia. É de se esperar, pelo menos, preços maiores de energia. Talvez em 10 anos as contas fiquem impagáveis. Até aqui, a economia baseou-se no aumento da performance dos processadores. Mas isso acabou em 2005, porque os microprocessadores aquecem demais – e não é possível ter resfriamento a água nos laptops. Começaram, então, a ser usados vários processadores num mesmo chip. Mas o problema é a programação. Será preciso reescrever os softwares e reconfigurar os computadores para a computação paralela, algo que não existe. Mas não há mão de obra especializada.
UnB Agência – Como a computação verde pode reduzir o consumo de energia?
Reiner Hartenstein – Desde 15 anos atrás, os cientistas passaram a pesquisar os ganhos de produtividade com FPGA (dispositivo que pode ser programado pelo usuário, diferentemente da grande maioria dos chips encontrados no dia a dia, que já vêm pré-programados, isto é, com as suas funcionalidades definidas na fabricação). Há muitas publicações mostrando que o desempenho é espetacular em algumas tarefas. No caso da quebra de códigos criptografados, os ganhos são de 28 mil por cento. E gastando 3 mil vezes menos energia para a mesma tarefa. Com resultados assim, pode-se dispensar até o uso de ar condicionado nas máquinas.
UnB Agência – Se os resultados são tão bons, o que segura esse desenvolvimento?
Reiner Hartenstein – Existem poucos cientistas que sabem como fazer a programação. O programador típico não sabe. É preciso reformular a educação em Ciência da Computação. Trata-se de um grande esforço que leva anos para ser implementado. Também leva anos para o desenvolvimento de ferramentas de software que dão suporte a isso. Mas a reconfiguração dos computadores traria resultados maiores do que todas as demais propostas relacionadas à mudança climática. A Pegada de Carbono (total de emissões de carbono associadas a uma organização, país, etc) da internet é maior do que todo o tráfego aéreo mundial.
UnB Agência – O que precisa ser mudado na educação?
Reiner Hartenstein – É preciso que os programadores entendam paralelismo. E precisam entender que o hardware é mais complexo se há vários processadores, entender como esses processadores se comunicam entre si, como o FPGA se comunica com os processadores. Mas são coisas que os programadores nunca aprenderam. O ensino clássico da Ciência da Computação criou uma divisão entre software e hardware. O lado do software não sabe muito sobre hardware. Tanto que, quando as pessoas do hardware se deparam com um problema de programação, passam a programar eles mesmos. Os programadores não gostam que se diga isso, mas nunca se consegue ensinar hardware a um programador, mas se consegue ensinar programação a alguém do hardware. Isso foi causado pelo modo tradicional como a Ciência da Computação é tratada.
UnB Agência – Onde esses conceitos de computação verde estão mais avançados?
Reiner Hartenstein – Computação verde é uma espécie de selo para quem adota medidas de conservação, mas tem efeito limitado quando comparado à reconfiguração, que tem um efeito muito maior. Nos próximos seis ou sete anos, talvez o impacto seja de uma redução por um fator de três, no máximo. É importante, mas não resolve tudo. Os ganhos da reconfiguração, ainda que mais difíciis, são maiores. Naturalmente, os novos softwares terão que rodar em equipamentos diferentes. Isso é complexo porque diferentes indústrias precisam cooperar para implementar isso. E é preciso um esforço grande para que essas indústrias cheguem à conclusão de que devem se unir a esse esforço.
(Por Ana Lúcia Moura, Agência UnB, Envolverde, 29/07/2010)