“Da comunidade, 75% permanece dentro da água. O milho, a banana, a okra (quiabo), o pasto, tudo se perdeu”, contou à IPS José Asencio, na aldeia de Santa Ana Mixtán, no sul da Guatemala, a área mais afetada pela passagem da tempestade tropical Agatha. Para sobreviver, seus moradores passaram a trabalhar em troca de comida. “Estamos reforçando a margem dos rios Coyolate e Mascalate, e o prefeito nos apóia com rações de comida, mas há duas semanas não recebemos nada porque acabaram as reservas”, explicou.
José assegurou que a escassez de alimentos e de trabalho por causa dos transtornos climáticos e das inundações pioraram a situação das 373 famílias da localidade, que fica no município de Nueva Concepción, no departamento de Escuintla, no extremo sul do país. Na comunidade de Madronales, do município litorâneo de Ocós, no departamento de San Marcos, o drama se repete. “Foram inundadas plantações de milho e banana, precisamos que nos apoiem com alimentos”, disse à IPS Amparo Barrios, uma líder local.
Com a passagem da tempestade Agatha, os cultivos que dão sustento a cerca de 210 famílias ficaram sob as águas e “do pouco que restou se encarregou a tempestade Alex”, que afetou o país um mês depois, lamentou. Ao sair da Guatemala, a tempestade Agatha deixou para trás 165 mortos e mais de cem mil desabrigados. Um mês mais tarde, tempestade Alex acrescentou duas vitimas fatais e mais de dois mil desabrigados, segundo a Coordenadora Nacional para a Redução de Desastres.
Estes fenômenos naturais também afetaram El Salvador e Honduras, onde pelo menos 29 pessoas morreram e milhares ficaram prejudicadas, segundo os organismos de socorro. A mais atingida pelas duas tempestades, no entanto, é a Guatemala, uma das nações mais pobres da América Latina. Metade de sua população vive na pobreza e 17% subsiste na indigência, segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU). “O problema da mudança climática está exacerbando as condições de pobreza e extrema pobreza no país e as pessoas menos favorecidas têm a vida complicada”, disse à IPS Carlos Mancilla, diretor da unidade de Mudança Climática do Ministério de Meio Ambiente e Recursos Naturais.
As inundações não são a única preocupação. Paradoxalmente, um dos fenômenos crônicos mais complexos do território guatemalteco é o da seca, no chamado corredor seco, no norte e leste do país. O problema da adaptação à seca não é tão fácil como ocorre com as inundações. “Como se recupera o tecido social que ficou afetado pela seca? O que ocorre com a migração do chefe de família, sendo que quando a chuva derruba uma ponte se coloca outra e pronto?”, disse Carlos.
A Direção Geral de Epidemiologia informou que, em 2009, pelo menos 54 crianças morreram por desnutrição, devido à seca, catalogada como a pior em 30 anos. Enquanto, segundo a ONU, 2,5 milhões de pessoas sofreram o impacto da crise alimentar. Na Guatemala, de fato, a taxa de desnutrição crônica infantil é de 49,3%, a mais alta da América Latina e uma das maiores do mundo, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
No entanto, Carlos disse que a adaptação à mudança climática deve ir além da crise alimentar, porque o risco aumenta devido à inadequada localização dos assentamentos e pelo tipo de construções. Além da vulnerabilidade econômica, a Guatemala é considerada uma nação com uma geografia vulnerável, com alto risco de desastres devido a atividade vulcânica, falhas geológicas e profusão de montanhas e rios.
Um exemplo é a erupção do vulcão de Pucaya, a 30 quilômetros da capital, cujas cinzas cobriram a Cidade da Guatemala no dia 27 de maio, causando uma morte e milhares de afetados. Entre as medidas adotadas pelo governo para adaptar-se a estes fenômenos, Carlos citou a criação da Comissão Interinstitucional de Mudança Climática, formada por 17 secretarias e ministérios e que “está analisando o impacto por setores, incluindo a alimentação. Assim, vemos como cada um pode ajudar”, explicou.
Sucely Girón, coordenadora do não governamental Observatório de Segurança Alimentar e Nutricional, disse à IPS que o país “não está investindo em prevenção”, apesar da Lei de Segurança Alimentar e Nutricional. “O enfoque do orçamento para a reconstrução se dirige a obras cinzas (construções). Se esquece que as tempestades Agatha e Alex deixaram pessoas sem cultivos e sem trabalho para comprar comida”, disse Sucely após o anúncio do governo do social-democrata Álvaro Colom de que são necessários US$ 1 bilhão para reconstruir o país.
A especialista lembrou a necessidade de promover a diversificação da agricultura e da promoção de atividades econômicas alternativas, para romper a dependência guatemalteca do setor. E citou atividades como turismo, piscicultura e elaboração de artesanato, entre as que poderiam assegurar renda às famílias mais afetadas pelos efeitos da mudança climática em seus cultivos.
O Programa Fortalecimento da Governabilidade Ambiental diante do Risco Climático na Guatemala, uma iniciativa de não governamentais e governamentais, comunitárias e da cooperação internacional, aposta em uma agricultura sustentável. Leonal Jacinto, coordenador da Organização as Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) dentro do projeto, disse à IPS que com as boas práticas agrícolas, busca-se garantir o alimento para as populações.
No departamento de Baja Verapaz, afetado pela seca, o programa impulsiona atividades como evitar a queima, o agrodesmatamento e o uso de bagaço de cana, para melhorar a capacidade de retenção da umidade do solo. O projeto, que beneficia diretamente 791 famílias e indiretamente outras cem mil, também promove a reciclagem para a irrigação das hortas com água usada para lavar roupa e alimentos. Além disso, apóia a geração de energia por meio de biodigestores, que produzem biogás com matéria orgânica. Leonal acredita que programas como este podem gerar uma mudança na agricultura do país e torná-la mais resistente à mudança climática. Porém, devem ser levados a todo o território e a tempo. Envolverde/IPS
(Por Danilo Valladares, IPS, Envolverde, 29/7/2010)