O país que produz quase metade da energia solar no mundo tem mais dias nebulosos que ensolarados. Parece, no mínimo, um investimento equivocado, mas o motivo de as coisas serem desse jeito explica, em grande parte, o porquê de a Alemanha estar à frente na batalha contra a dependência dos combustíveis fósseis – intensificada com o combate ao aquecimento global e, agora, ainda mais urgente depois do vazamento de petróleo no Golfo do México. Desde muito cedo, os alemães reconheceram a importância da transição para uma economia mais limpa e, recentemente, começaram a colher os frutos de seu pioneirismo.
A Alemanha parece estar em um ritmo completamente diferente das grandes potências. Enquanto a maré negra se espalha e o Brasil só tem olhos para a exploração do pré-sal, os alemães anunciaram uma meta arrojada: em 2050, a previsão é de que toda a eletricidade produzida no país venha de fontes renováveis, como solar, eólica ou biomassa. No ano passado, as fontes alternativas responderam por 16,1% da eletricidade gerada no país.
O segredo alemão não é nenhum mistério, e a própria Alemanha busca disseminar as experiências que deram certo para o resto do mundo. O primeiro fator foi uma mudança de postura, que para os europeus ocorreu já na década de 70. Ao contrário dos demais países, a Alemanha resolveu responder à crise do petróleo da época com o investimento em energias limpas. O resultado são décadas de estudos que levaram o país à liderança em tecnologia no setor. Grande parte dos mais modernos equipamentos – de células solares fotovoltaicas a turbinas eólicas – é produzida em território alemão.
– Há muito intercâmbio com a Alemanha, mandamos muitos pesquisadores para universidades de lá. Inclusive, temos aqui na UFRGS um pequeno gerador eólico de uma empresa alemã – diz o peruano Harold Deza Luna, pesquisador em energias renováveis do Laboratório de Transformação Mecânica da UFRGS.
Mas não é só tecnologia que a Alemanha exporta. A legislação criada pelo país para impulsionar a produção de energia renovável foi copiada por cerca de 70 nações mundo afora. A principal delas entrou em vigor em 2000: a Erneuerbare-Energien-Gesetz, conhecida pela sigla EEG – que, segundo Luna, é a maior lição alemã para o Brasil. É o que pensa também a americana Piper Foster, da Sopris Foundation, dos EUA.
– Essa é a medida isolada mais poderosa para combater as mudanças climáticas e incentivar as energias renováveis – disse a pesquisadora, que está há mais de um ano em Berlim para estudar as experiências alemãs no desenvolvimento de energias limpas.
Pela EEG, todo cidadão pode montar uma pequena central de energia de fontes renováveis, que é ligada à rede elétrica. As operadoras do país são obrigadas a comprar o que for produzido em excedente, pagando tarifas preestabelecidas, que valem por 20 anos. Os valores variam de acordo com o tipo de energia, sendo mais altos para as fontes que custam mais e que precisam ser mais desenvolvidas, como a solar fotovoltaica. A diferença de preço é repassada para os consumidores, que têm um pequeno aumento na conta de luz. Assim, o custo-benefício da instalação da tecnologia para esse tipo de energia torna-se muito interessante.
Muitos governos ainda não fazem grandes investimentos em energias renováveis devido ao alto custo. Isto, segundo Piper, é um erro que poderá colocar empresas e países em uma situação muito vulnerável no futuro.
– Quando as pessoas dizem que energia renovável é cara, ignoram o fato de que o preço dos combustíveis fósseis está aumentando e que carvão, gás natural e petróleo estão acabando. Apesar de o custo das energias renováveis ser mais alto no início, podemos prever seu custo no longo prazo, porque vento e sol são gratuitos – finaliza.
(Por PRISCILA DE MARTINI, Zero Hora, 24/07/2010)