As risadas das mulheres invadem a sala retangular de aproximadamente 20 metros, instalada no térreo da casa que serve de escola para 250 crianças da comunidade, na periferia sul da interminável área metropolitana da capital do México. O espaço parece pequeno para as duas dezenas de mulheres que cortam e dobram tiras de papel laminado (com uma película plástica) usado como embalagem de alimentos industriais, para depois trançá-las com uma técnica para tecer folhas de palma do povo nahua, descendente dos astecas.
É a oficina da cooperativa Mitz (“para você”, em língua náhuatl), onde mensalmente são confeccionados cerca de três mil acessórios. São bolsas, porta-moedas, agendas, porta-retratos ou enfeites natalinos, todos feitos com moldes industriais. Com mãos hábeis, Conchita Martínez, de 45 anos, costura as tiras trançadas que vão dando forma a uma bolsa de mão. “É uma grande alegria saber que nossa bolsa está até na Alemanha, embora não conheça esse país, porque nunca fui para lado algum”, disse durante a visita da IPS.
A oficina fica em Palo Solo, uma comunidade com altos índices de pobreza e marginalização, incrustada em um barranco do município de Huixquilucan, a duas horas de carro do centro da Cidade do México, onde exclusivas urbanizações residenciais estão ao lado de casas cinza, sem drenagem, em que sobrevivem povos tradicionais. Os produtos Mitz são vendidos na Alemanha, Bélgica, Espanha, Grã-Bretanha, Itália e nos Estados Unidos, a preços que variam de US$ 15 a US$ 140, e a renda permite a autossuficiência das 50 cooperativadas e suas famílias.
E também algo fundamental para elas: financia a Casa das Crianças de Palo Solo, a única escola do México para a população pobre que segue o método de ensino Montessori e que foi construída há mais de 20 anos sobre o que antes era um lixão.
Desde o nascimento da Mitz, há sete anos, 2.500 crianças da comunidade, de aproximadamente cinco mil pessoas, receberam bolsas de estudos, graças à reciclagem de mais de 40 toneladas de lixo industrial. Beatriz Santiago, mãe de dez filhos e avó de 13 netos – quase todos alunos da escola – é uma das cinco fundadoras da cooperativa e garante que o projeto torna possível um modelo diferente de integração da comunidade.
Segundo Beatriz, “é surpreendente ver donas de casa com uma inteligência bárbara que estavam se enferrujando em casa e, quando vêm aqui, mudam a relação com a família”. Acrescentou que há artesãs que fazem seu trabalho em casa, mas muitas preferem a oficina. “Também vieram homens, não muitos, embora tenham saído por questões de saúde. Não temos nenhum requisito de sexo, idade, mas precisam ter mais de 18 anos, como manda a lei. Basta terem vontade de trabalhar e se capacitarem”, explicou Beatriz.
Conchita Martínez foi empregada doméstica antes de entrar para a cooperativa. Agora se considera afortunada por ter um trabalho que lhe dá autonomia econômica e que melhorou a comunicação familiar. “Meu marido tem emprego, mas me ajuda a cortar o material e conversamos, estamos mais em família, e eu sempre digo que as bolsas bastam para tudo”, afirma entusiasmada.
Uma peça fundamental dessa história é a trabalhadora social Judith Achar, que construiu a escola e organizou paineis de cozinha e de corte e costura para a comunidade. Assim conheceu várias das artesãs. Em 2003, Judith viu que o uso de papel reciclado, em uma das comunidades indígenas que apoiava, seria ideal para ser levado para Palo Solo. Criou a Fundação Mitz, cujo lema é “tecendo o futuro”, e levou adiante a cooperativa.
Reuniu um grupo comprometido em destinar parte do ganho à educação das crianças e se concentrou em profissionalizar o processo produtivo, “para fazer de uma intenção social uma empresa social”. Essa, diz, é a chave do sucesso da Mitz. “Só o que tira o ser humano da pobreza são os projetos produtivos. A caridade apenas produz um mau hábito. Por outro lado, a produtividade traz de volta a dignidade às pessoas”, afirmou.
Inicialmente, contam as artesãs, coletavam e pintavam saquinhos da Sabritas, uma empresa mexicana que vende batata frita, doces e outras frituras em pequenas embalagens. Judith, que cuida de comercializar a marca Mitz, conseguiu que empresas multinacionais como Mars, Pepsico, Terracycle e Starbucks doassem seus resíduos. A aliança com a Mars foi também decisiva para vender os produtos nas lojas M&M nas cidades de Nova York, Orlando e Las Vegas, nos Estados Unidos.
Até agora, segundo dados da Fundação, foram vendidos mais de 150 mil produtos, que geraram mais de US$ 1 milhão, com crescimento de 50% na produção nos últimos quatro anos. Angélica Martínez, a coordenadora das artesãs, explicou que metade do dinheiro é dividida entre elas sem nenhuma distinção, 20% vão para a escola, outros 20% para os custos de produção e 10% para gastos operacionais. O modelo Mitz conjuga o comércio justo e as energias renováveis com a contribuição à autossuficiência, à solidariedade e à educação.
Em 3 de junho, dois dias antes do Dia Mundial do Meio Ambiente, Judith recebeu em Ruanda o Prêmio Internacional de Energia Global, entregue pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e pela Organização Internacional de Energia Global. A Mitz foi premiada pelo “melhor projeto de reciclagem de resíduos industriais” entre 75 enviados de todo o mundo.
“É muito bonito ver nossa oficina e que conseguimos chegar tão longe”, disse Angélica, que pretende continuar por muitos anos na cooperativa, como uma “avozinha feliz”. Como “mulheres mexicanas é muito importante, mas também é uma opção aberta aos homens, porque mostramos que, com organização e muita solidariedade, é possível ter um bom emprego e uma boa vida e que não é preciso ir para o norte trabalhar com os narcotraficantes”, ressaltou.
(Por Daniela Pastrana, Envolverde, IPS, 23/7/2010)