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tornados
2010-07-23 | Tatianaf

O andar de cima da casa que sumiu, telhas quebradas e retorcidas, árvores arrancadas, uma residência que saiu do lugar, a fábrica de móveis transformada em entulho – as histórias de perdas e destruição emersas do vento de 124 km/h que arrasou parte de Canela, na serra gaúcha

Maicon Ghesla, 18 anos, espiou pela janela e viu a cobertura de zinco da fábrica de móveis Castanheira flutuando no ar, metros acima do pavilhão de alvenaria. A estrutura metálica girou, girou e então explodiu. Folhas de zinco foram arremessadas em todas as direções, voando centenas de metros. Uma das lâminas trombou com uma árvore em frente à casa da família Ghesla e deu três voltas ao redor do tronco, como para embrulho. Tudo tremia, estrondava e rodopiava. Quando o bombardeio amainou, depois de menos de um minuto, a casa da família e ruas inteiras do bairro Santa Terezinha, em Canela, estavam transformadas em escombros.

Situado a apenas 800 metros da Igreja de Pedra, um dos cartões-postais mais conhecidos do Rio Grande do Sul, o bairro de classe média foi, na noite de quarta-feira, epicentro de um fenômeno com características de tornado, com rajada de 124 km/h. Na sequência do vendaval, os moradores atravessaram debaixo de chuva e frio, na escuridão sem energia elétrica, uma noite de contornos irreais. Vagando pelas ruas, vislumbravam pinheiros que dois homens não conseguiriam abraçar despedaçados ao meio ou arrancados pela raiz com a violência do vento. Descobriam que, em locais onde até minutos antes ficava a casa de tijolos de um amigo, restava agora apenas um par de degraus conduzindo a lugar algum. Encontravam construções destroçadas com a facilidade com que se amassa uma folha de papel. Viam coisas onde elas não deviam estar: um bosque de pinus transferido para cima de uma casa, uma porta metálica de garagem no alto de uma árvore, um poste de concreto partido em três junto ao meio-fio. Era tanta devastação que quem tinha apenas um destelhamento para lamentar se considerava afortunado.

O pintor Mário Luís Ghesla, 46 anos, pai de Maicon, conta que o primeiro sinal da tragédia foi uma rajada tão potente que o vento não parecia de ar, mas de pedra. Depois a casa tremeu, e, enquanto tremia, os vidros das janelas estouraram, espalhando estilhaços. Um tijolo vindo ninguém sabe de onde atravessou a parede da sala de uma extremidade a outra. O forro parecia ser puxado para cima. A energia elétrica falhou. Na manhã de ontem, restava a Ghesla cobrir o telhado desaparecido com lonas, lamentar o automóvel destroçado na garagem e encontrar no quintal fragmentos das vidas dos vizinhos: pedaços de moradias, utensílios domésticos e até mesmo um computador vindo não se sabe de onde.

– Destelhou e molhou tudo em casa. Nem sei mais o que presta e o que não presta – lamentou.

Enquanto Ghelsa não sabia a origem dos objetos que apareceram em seu pátio, em uma esquina próxima o mecânico Jean Carlos Boch, 37 anos, perguntava-se ontem onde afinal havia ido parar o segundo piso de sua casa, constituído por dois quartos e um banheiro de alvenaria.

– Aqui neste monte de entulho era minha garagem. Uma parede da minha casa o vizinho disse que está dentro da casa dele. Mas o segundo piso eu realmente não sei onde foi – surpreendia-se Boch, que viu serem destruídos a moradia, dois carros, móveis e eletrodomésticos.

Cenas de prédio implodido

Na hora do tornado, o mecânico estava na sala, vendo o jogo do Inter com a mãe, a mulher e os filhos, de 18 e 12 anos. Ele lembra primeiro do corte na energia elétrica. Depois, descreve um silêncio total e estranho:

– Então veio vento de supetão, derrubando, como o fim do mundo. Foi um barulho que não tenho como definir o que era. Vidraça estourando nas casas, parede voando contra parede, ferro batendo, gente gritando. Quando nosso telhado começou a levantar, ficamos todos em um canto, abraçados, sob chuva de telhas. Uma me acertou no ombro. Na hora em que a coisa aquietou e olhei o estrago na rua, pensei: terminou o mundo. Na minha cabeça, tudo não durou nem um minuto.

A mulher de Boch, Márcia Sander, 37 anos, teve outra percepção do tempo:

– Diz que durou poucos segundos, mas para mim durou uma eternidade. Parecia que não ia acabar nunca. Foi pavoroso.

Nenhuma destruição foi tão impressionante como a dos pavilhões onde funcionavam duas fábricas de móveis sob medida. Até o fim do expediente da quarta-feira, as indústrias Castanheira e Aristeu Pires fervilhavam de atividade nos seus mais de 4 mil metros quadrados de área construída. Ocupavam prédios de tijolo e aço nos quais cerca de 50 funcionários trabalhavam, produzindo a mobília dos sonhos de gaúchos de todos os quadrantes. Ontem, as fábricas estavam espalhadas pelo bairro, na forma de milhares de estilhaços de telhas, tijolos, móveis inacabados e madeira.

O expediente dos funcionários consistia em saltar sob os entulhos, tentando resgatar algo de aproveitável. Mas não sobrou quase nada. Uma parede dos pavilhões ficou parcialmente em pé, mas as outras foram ao chão. Móveis e maquinário entortaram, quebraram, perderam-se. No chão, em meio a tijolos solteiros que na véspera eram uma parede, um cartaz roto avisava: “Mantenha organizado”. O cenário lembrava o de um prédio implodido com as melhores técnicas da engenharia. Os moradores de Canela que foram em procissão ao Santa Terezinha, congestionando as ruas atulhadas, fizeram do local moldura preferencial para suas fotos.

Mais impressionante do que a destruição, só o fato de ninguém ter morrido ou se ferido gravemente. A Defesa Civil estimou em 150 as casas com danos sérios no Santa Terezinha e imediações, 30 delas com destruição total, mas registrou apenas 11 atendimentos no hospital local, todos por ferimentos leves. Sozinha na hora do tornado, Lodenira Lodea, 46 anos, foi a sobrevivente mais improvável. Ela foi arremessada com casa e tudo para o pátio do vizinho. Até o assoalho voou. Sua residência, de madeira e alvenaria, colidiu com a do policial Paulo César Madeira, que também cedeu. Ele ouviu os gritos da vizinha e a resgatou de entre as tábuas, praticamente sem sair de casa.

Ontem, em um mutirão com parentes e amigos, o filho de Lodenira, Evandro, 22 anos, trabalhava nos restos da casa em busca de algum bem que pudesse ser aproveitado. Encheu a carroceria de uma caminhonete com roupas, mas não conseguiu muito mais do que isso. Ele estava na casa de um amigo na hora do vendaval. Foi avisado dos destelhamentos e correu para casa. Temeu pelo pior quando viu que seu lar não estava mais no lugar. Mas a mãe sofrera apenas um corte no supercílio.

Os poucos bens que ficaram
Maria Aparecida de Oliveira, 34 anos, e os três filhos, de quatro a 10 anos, também escaparam por pouco. Na sala de casa, alarmaram-se com um estrondo. Era o vento forçando a porta da frente. A mãe correu para segurá-la. Não adiantou nada. A porta cedeu e arremeteu casa adentro, catapultando Aparecida sobre os três filhos, que choravam abraçados. Correram todos para baixo da cama enquanto o telhado, o sótão e o forro ganhavam os ares. As divisórias caíram. Não sobrou um documento para dizer quem eles são. De pé, só o esqueleto de alvenaria da casa.

– O vento durou 30 segundos. Se fosse um pouco mais, teríamos morrido. Levei meus filhos para passar a noite na casa de uma prima, mas eles não dormiram. Passaram a noite de olhos arregalados. O menor perguntava o tempo todo se a coisa ia voltar.

Em um dia que foi de avaliação de estragos e de resgate do que sobrou, em meio ao ruído das motosserras dos bombeiros e ao cheiro de pinheiros quebrados, Clair Pruch, 50 anos, cuja casa destruída ilustrou a capa de Zero Hora ontem, resgatava dos escombros bens para comemorar:

– Só duas coisas são importantes, que ninguém se machucou e que amigos a gente tem de sobra.

(Por Itamar Melo, Zero Hora, 23/07/2010)


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