Hoje, o Brasil, oficialmente, entende que possui 133 espécies de peixes ameaçados. Porém, um estudo publicado recentemente aponta que há 819 tipos de peixes que correm o risco de sumir dos nossos rios. Um dos pesquisadores que participou desta pesquisa é Paulo Buckup. Em entrevista à IHU On-Line, realizada por telefone, o professor falou sobre os principais problemas que os rios brasileiros têm enfrentado e criticou a forma como os rios amazônicos estão sendo tratados. “Descendo o rio Xingu, encontramos na zona de cabeceiras esses grandes projetos hidrelétricos, como o de Belo Monte. No nosso estudo, detectamos pelo menos oito espécies presentes na área de Altamira que precisam ser estudadas para compreendermos qual o impacto que a eliminação de alguns trechos vai ter sobre os peixes que vivem apenas naquela região”, explicou.
Paulo Buckup é graduado em Zoologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e mestre em Oceanografia Biológica pela Universidade Federal do Rio Grande. Pela University Of Michigan realizou o mestrado em Biologia e o doutorado em Biological Sciences. É pós-doutor pelo Field Museum Of Natural History. Atualmente, é professor pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quais são as principais espécies de peixes que estão ameaçadas no Brasil hoje?
Paulo Buckup – Nós temos uma lista oficial que inclui, originalmente, 135 espécies de peixes de água doce. Existem outras espécies marinhas, mas a maior parte em extinção são as de água doce, principalmente aquelas que são ameaçadas em suas migrações e aquelas que têm distribuição muito restrita.
IHU On-Line – Quais são os principais problemas que os rios brasileiros vêm enfrentando?
Paulo Buckup – As espécies de peixes, em primeiro lugar, têm hábitos muito específicos, tanto em relação ao seu ambiente, quanto em relação à bacia hidrográfica em que vivem. Algumas vezes o ambiente é similar, mas a espécie não existe lá, o que significa que ela está restrita a uma bacia específica. As espécies que vivem em bacias pequenas são as que estão mais ameaçadas.
Nós temos, por exemplo, uma grande concentração de áreas com espécies ameaçadas ao longo da zona de Mata Atlântica, onde há vários riachos litorâneos pequenos e isolados uns dos outros, seja pelas montanhas da Serra do Mar, seja pela água salgada do mar que está próximo. Se perdermos alguma espécie em umas dessas bacias, ela nunca mais poderá ser recuperada.
Além disto, nós temos áreas ameaçadas na própria região Amazônica, que não é homogênea como parece quando olhamos um mapa que mostra toda aquela mata verde. Nessa região há várias bacias hidrográficas e cada bacia tem seus peixes.
IHU On-Line – Isso é muito preocupante...
Paulo Buckup – Justamente. Nós fizemos um estudo recentemente em que focamos nas espécies que tem distribuição restrita e descobrimos que muitas delas ocorrem na Amazônia. E várias dessas ocorrem em pequenas áreas onde existe aquele determinado ambiente. Por exemplo: nas zonas de cachoeiras (que são as zonas que limitam o Planalto Central do Brasil em relação à Calha do Amazonas ou o Maciço das Guianas em relação às Calhas do Amazonas) encontramos peixes que são especializados em cachoeiras e não vivem fora dali.
IHU On-Line – Como funcionou esse trabalho sobre os ecossistemas dos rios?
Paulo Buckup – Um dos principais problemas é a mineração, que afeta os rios de diversas formas. A poluição e os barramentos dos rios são problemas muito significativos também. Os barramentos, sejam eles de pequeno porte ou de grande porte, eliminam habitats e até o próprio rio, porque passamos a ter um lago onde não haviam da magnitude que costumam ser criados com os grandes empreendimentos hidrelétricos, por exemplo.
Certamente, as corredeiras deixam de existir e, com isto, todos os peixes que dependem dessas corredeiras, como os peixes migratórios, desaparecem. E nessas regiões de corredeiras há peixes bastante grandes, de mais de um metro, que vivem e que dependem destes ambientes e suas peculiaridades para migrarem da área de alimentação para a área de reprodução.
IHU On-Line – Como o senhor analisa a ictiofauna da ecorregião Tapajós-Xingu que são o centro de grandes obras hidrelétricas?
Paulo Buckup – Esse trabalho originou-se de um catálogo que publicamos em 2007 que continha todas as espécies de peixes de água doce conhecidas na época. A partir disto, foi possível, pela primeira vez, fazer estudos envolvendo o conjunto da fauna. Com base neste banco de dados inicial, um conjunto de pesquisadores do Museu Nacional e do Museu da USP fez um estudo detalhado, ao longo de três anos, para identificar as espécies que poderiam ser vulneráveis por terem uma distribuição geográfica muito restrita. Nós chegamos à conclusão de que existem 819 espécies de peixes ameaçadas e este número tende a aumentar, porque, atualmente, toda semana novas espécies são descobertas no Brasil.
IHU On-Line – Nesse sentido, como o senhor analisa o estudo de impacto ambiental de Belo Monte?
Paulo Buckup – É uma das áreas mais ricas da Amazônia. Em termos de riqueza de espécie ela chega a ser mais rica do que a Mata Atlântica e heterogênea em termos de distribuição espacial. Há espécies que existem somente nas cabeceiras do Rio Tapajós e Xingu, outras que se encontram somente nos trechos principais ao longo do trajeto no Planalto; há, também, uma série de espécies que só ocorrem nas cachoeiras de Altamira e acima de Itaituba e, finalmente, há espécies que vivem nas Calhas do Amazonas. O rio é segmentado com espécies diferentes em cada uma destas áreas e o que se observa, neste caso, é que todas elas têm algum nível de ameaça.
Nas regiões das cabeceiras, no Mato Grosso, tem a soja e as pequenas hidrelétricas colocando uma pressão que leva à destruição das espécies que vivem nesse local. O sul do Pará, embora tenha áreas preservadas pelas áreas indígenas, está extremamente devastado em relação à floresta. Quando se elimina as florestas, a proteção da bacia hidrográfica se perde.
Descendo o rio Xingu, encontramos na zona das cabeceiras esses grandes projetos hidrelétricos, como o de Belo Monte. No nosso estudo, detectamos pelo menos oito espécies presentes na área de Altamira que precisam ser estudadas para compreendermos qual o impacto que a eliminação de alguns trechos vai ter sobre os peixes que vivem apenas naquela região. Algumas espécies, por exemplo, só são conhecidas nas ilhas em frente à Altamira, se essas ilhas passarem a ficar submersas, ou se de alguma forma a variação do nível de água for alterada significativamente, essas espécies podem desaparecer lá.
IHU On-Line – Quais as espécies raras ameaçadas na Volta Grande do Xingu e que implicações isso traz para a região?
Paulo Buckup – Eu, juntamente, com os outros cientistas, participei de uma avaliação crítica do que será feito nessa região. Analisamos documentos onde foram registradas as análises críticas (que são muitas!) do relatório de impacto ao Rio Xingu. No que tange a fauna de peixes, uma que eu considero bastante significativa é o fato de que cerca de 30 a 40% das espécies da região ainda não são conhecidas. Então, corremos o risco de perder espécies que ainda não estudamos. Talvez seja um preço a pagar pelo desenvolvimento, mas nós precisamos saber qual é esse preço e para isto precisa existir um “material-testemunha” destas espécies para possamos, eventualmente, saber o que foi perdido. A forma como foram feitos os levantamentos para viabilizar o projeto de Belo Monte não permite que localizemos o material que foi estudado e consultado.
(IHU-Unisinos, 22/07/2010)