Esta é a segunda parte de uma reportagem que analisa as preocupações e iniciativas do setor de transportes para minimizar os impactos ambientais produzidos pela atividade econômica que é fundamental para o desenvolvimento do País. Nesta semana, encerrando a reportagem, mostramos os esforços para a transição dos veículos dos combustíveis fósseis para outros tipos de energia. Mostramos também que um dos empecilhos para um maior cuidado com as emissões de poluentes é a frota brasileira, que é antiga e com uma tecnologia ultrapassada - e que além disso é predominante sobre outros modais considerados mais limpos, como os trens e os navios.
A geração de elevados níveis de poluentes pelos motores a diesel usados em caminhões e ônibus, a baixa eficiência e a dependência de um combustível fóssil têm levado a indústria dos transportes, universidades e entidades ligadas ao ambiente a desenvolver tecnologias mais limpas. A tendência para as próximas três décadas é de que os motores elétricos híbridos - que mesclam a combustão a diesel à utilização de eletricidade - substituam os motores utilizados atualmente, que funcionam principalmente à base de diesel misturado a um ainda pequeno percentual de biodiesel. “Os veículos híbridos devem atuar como tecnologia de transição. Assim, o mercado não abandona a tecnologia que já domina e migra aos poucos para uma alternativa que pode ser menos danosa ao ambiente”, afirma o gerente de projetos ambientais da Confederação Nacional do Transporte (CNT), Vinícius Ladeira.
Ele explica que os motores alternativos que estão em estudo atualmente utilizam hidrogênio ou eletricidade pura para gerar energia. Mas, em ambos os casos, também é fundamental avaliar a melhor forma de geração desta energia para que ela também não seja um fator prejudicial ao ambiente. “As usinas de carvão e as usinas termelétricas que funcionam à base de óleo diesel também geram poluição”, explica Ladeira.
As indústrias de transporte já estão se mobilizando para fazer a transição dos veículos que utilizam combustível derivado de petróleo para os veículos híbridos. De olho nas novas tendências do mercado, a empresa gaúcha Agrale, em parceria com a Siemens, desenvolveu o ônibus Agrale Hybridus - modelo apropriado para o transporte urbano de passageiros, especialmente em corredores centrais ou em linhas de interligação. O veículo é resultado da necessidade de utilização de ônibus modernos, confortáveis, silenciosos, eficientes e que gerem o mínimo possível de custos e de impactos ao ambiente.
A tecnologia híbrida diesel/elétrica do ônibus Agrale utiliza um conjunto propulsor formado por dois motores elétricos de tração de indução trifásica, interligados mecanicamente, por intermédio da caixa somadora, e um motor elétrico auxiliar. Em vez de baterias pesadas, com autonomia limitada e longo tempo para recarga, o Agrale Hybridus é equipado com o sistema Electric Low Floor Axle (Elfa), desenvolvido pela Siemens. O sistema Elfa reúne dois ultrapacitores (U’Caps), cada um com 110 capacitores interligados que produzem entre 600 e 700 volts de energia. Ainda integra o sistema um gerador de energia, com quatro inversores e breaking resistor (resistência elétrica). Esse conjunto substitui as baterias convencionais de chumbo-ácido e até mesmo as de íon de lítio. O veículo também dispõe de um motor a diesel Cummins, turbinado, de quatro cilindros em linha, potência de 170 cv (125 kW) e torque de 61 kgf.m (600 NM).
O sistema armazena a energia cinética gerada em frenagens e, quando a capacidade cai para um patamar abaixo de 60%, os ultracapacitores ligam eletronicamente o motor a combustão para restabelecer o nível necessário de energia elétrica. O sistema Elfa pode ser utilizado em modelos que operam com diferentes tipos de combustível como gasolina, diesel, etanol ou GNV. Com esse conjunto, o Agrale Hybridus permite economia de combustível de até 30% e reduz os poluentes na mesma proporção. A tecnologia já está desenvolvida e o veículo em fase final de testes, permitindo que o ônibus esteja à disposição dos clientes a partir do início de 2011.
O gerente nacional de vendas de veículos da Agrale, Ubirajara Choairi dos Santos, considera que o Agrale Hybridus constitui-se em alternativa de curto prazo para o trânsito de ônibus urbanos em grandes cidades. Mas, para que ele possa ser lançado no mercado, é necessário o apoio dos órgãos governamentais, como já ocorre em diversos outros países. A capacidade do veículo é para o transporte de 73 passageiros, dos quais 20 sentados e 53 em pé.
Ladeira acredita em limite de B-20 para mistura do biodiesel
Em relação aos combustíveis, os investimentos estão voltados, principalmente, para o desenvolvimento de biodiesel e para a redução dos níveis de enxofre do diesel. Várias empresas estão investindo grandes somas na busca de uma fórmula que seja economicamente viável e realmente não poluidora. É o caso da Mercedes-Bez, mencionada na primeira parte desta reportagem. O biodiesel é obtido a partir da transformação de óleos animais ou vegetais e substitui total ou parcialmente o combustível fóssil.
Ladeira explica que a vantagem do biodiesel é que, além de reduzir a emissão de poluentes, tanto na cadeia de produção quanto na combustão, também diminui a dependência do combustível fóssil, seja ele diesel ou gasolina. Além disso, é uma fonte renovável. Hoje, é obrigatória a adição de 5% de biodiesel ao óleo diesel comercializado no Brasil. O percentual de mistura não é maior, diz Ladeira, porque não há produção de biodiesel suficiente e pela falta de garantias dos efeitos sobre os motores. “O uso do biodiesel é um tendência, mas limitada a um determinado percentual. Acredito que a mistura chegue no máximo ao B-20, sem que haja problemas no motor”, pondera.
O consultor técnico da NTC & Logística, Neuto Gonçalves, afirma que tanto o uso do biodiesel em motores convencionais quanto a utilização de carros elétricos apresentam problemas econômicos. Os testes são demonstrativos, pois os veículos elétricos ainda têm um custo muito elevado de produção. Por isso, diz ele, para o curto prazo, a saída é investir na melhoria do óleo diesel.
O diesel utilizado no Brasil possui baixa qualidade em consequência do elevado teor de enxofre. Enquanto em países como Japão e Estados Unidos a queima do diesel emite 10 ppm e 15 ppm (partícula por milhão de enxofre), no Brasil o índice chega a 1.800 ppm. Ladeira explica que para tornar o diesel mais limpo é necessário fazer adaptações nas refinarias. E estas transformações demandam investimentos muito elevados “A Petrobras terá que investir bilhões de reais para adaptar as refinarias de forma que possam depurar o óleo”, revela Ladeira. Mesmo com a baixa disponibilidade de diesel mais limpo no mercado, conforme acordo entre o Ministério Público, Ministério do Meio Ambiente, Petrobras, Agência Nacional do Petróleo e Gás e Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores, desde 1 de janeiro de 2009 o diesel S-50 abastece os ônibus dos municípios de São Paulo e Rio e, paulatinamente, vai sendo implantado em outras cidades. Em Porto Alegre, o diesel mais limpo foi disponibilizado para frotas de ônibus a partir de janeiro deste ano.
Frota com mais de 20 anos gera 80% da poluição nas ruas e rodovias
Na contramão das pesquisas em tecnologias ambientalmente mais limpas, o sistema de transportes brasileiro opera com uma frota que tem a idade média muito elevada - isso se constitui em um problema tão ou até mais sério em termos de emissão de poluentes. A estimativa feita pela CNT é de que 64% dos mais de 1,4 milhão de caminhões que rodam no Brasil tenham entre 20 e 30 anos de uso. Quase 600 mil caminhões têm mais de 20 anos e cerca de 270 mil rodam há mais de 30 anos. “A frota mais antiga é de propriedade dos carreteiros, os caminhoneiros autônomos”, destaca o assessor-técnico da NTC & Logística, Neuto Gonçalves, citando levantamento da CNT que mostra que 85% desses caminhões pertencem a autônomos. “O problema é que um caminhão antigo polui o equivalente a 10 caminhões novos”, revela Gonçalves.
Os motores dos veículos de carga mais velhos foram fabricados sem tecnologia de controle de emissões de poluentes. Esta exigência era inexistente há 20 ou 30 anos, o que faz com que o nível de poluição gerado pelos veículos dessa época seja alarmante. Ladeira revela que 33% da frota antiga, composta por veículos de mais de 20 anos, geram 80% da poluição emitida pelos caminhões. No outro extremo, estão os veículos de carga com menos de cinco anos, que correspondem a 27% da frota e emitem apenas 3,8% de poluição. “Estes dados comprovam que os caminhões antigos são os maiores poluidores. É por isso que a CNT luta tanto por políticas de renovação de frota”, diz Ladeira.
Para Gonçalves, a retirada desses caminhões antigos de circulação daria um resultado muito mais eficiente e rápido no que se refere ao controle da poluição lançada no ambiente. Só que para isso acontecer, o governo teria que criar uma política de renovação de frota que auxilie o carreteiro a adquirir um novo veículo de carga sem ter o orçamento impactado. Os financiamentos e os mecanismos atualmente oferecidos aos caminhoneiros autônomos, como o Programa Procaminhoneiro, ainda tornam muito difícil a aquisição de um caminhão novo. “Há uma série de exigências documentais e garantias que os carreteiros não conseguem apresentar. Além disso, eles também não conseguem pagar a prestação da compra porque o frete que cobram é muito baixo”, afirma Gonçalves.
Para Ladeira, a renovação da frota nacional depende de um programa especial de crédito ao transportador com a retirada de circulação dos veículos velhos. O Programa Renovar elaborado pela CNT no ano passado apresenta várias proposições. Uma delas é o pagamento de um bônus para o caminhoneiro na entrega do caminhão antigo, que seria usado para a compra de um mais novo. Iniciativas como estas já foram adotadas em outros países como o México, Argentina e Portugal. A experiência destes países será apresentada e debatida no dia 12 de agosto em Brasília, na sede da CNT.
Estradas ruins e desequilíbrio no uso de modais agravam a situação
Há ainda outros aspectos que devem ser considerados quando o assunto é sustentabilidade. Neuto Gonçalves afirma que as más condições das estradas brasileiras também contribuem diretamente para o aumento da emissão de poluentes no ar. “Quanto pior a situação das estradas, mais os veículos consomem combustíveis”, afirma Gonçalves. Considerando este aspecto, o Brasil não vai bem. Um levantamento anual realizado pela CNT revela que 70% das estradas brasileiras estão em estado deficiente, ruim ou péssimo.
A falta de uma política clara de desenvolvimento da intermodalidade é outro dos fatores que sacrificam o ambiente. Hoje, há um desequilíbrio muito grande na matriz de transportes. O modal rodoviário corresponde a 58% da matriz, enquanto o ferroviário responde por 25%, e o hidroviário por apenas 13%. Segundo Gonçalves, é preciso ampliar o uso das ferrovias e das hidrovias. “Não tem lógica percorrer 2,2 mil quilômetros de caminhão para escoar soja do Mato Grosso (MT) até Paranaguá (PR). O custo do frete é muito elevado, quase a metade do valor de venda do produto - a tonelada de soja transportada custa R$ 230,00 e é comercializada por R$ 450,00. Sem contar a deterioração das estradas, os acidentes e a poluição emitida desnecessariamente”, diz Gonçalves. O correto, para ele, seria fazer este tipo de movimentação por ferrovias, um sistema que é mais barato, não polui e não danifica as rodovias.
“O Ministério do Meio Ambiente vem desenvolvendo planos muito bons voltados para a preservação da natureza, mas para executá-los precisaria de mais comprometimento do Ministério dos Transportes para que as ações sejam executadas em conjunto”, cobra Gonçalves. Para o professor e engenheiro rodoviário Mauri Panitz, a inexistência de uma política pragmática para todos os modais de transportes faz com que o transporte rodoviário tenha uma maior participação entre os demais da matriz. “Tal fato tem provocado a falsa interpretação de ele ser hipertrofiado. Na realidade, os demais modais é que se tornaram atrofiados e ineficientes, eis que sempre foram subsidiados por verbas públicas e operados por funcionários de sucessivos governos, dos quais nunca lhes foram exigidas uma política de resultados econômicos. As intervenções eram manipuladas segundo os interesses político-partidários”, critica Panitz. A inspeção veicular - que entre outros itens verifica a quantidade de fumaça preta expelida pelos escapamentos - é outra medida considerada fundamental no controle da qualidade do ar nas grandes cidades.
(Por Cláudia Borges, JC-RS, 22/07/2010)