Aumentar a economia no consumo de combustível e reduzir a emissão de poluentes é a meta de qualquer fabricante de motor a combustão. É também o foco de uma pesquisa em andamento no Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), em Campinas (SP), e no Departamento de Física da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em Minas Gerais.
A pesquisa tem apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), tendo sido aprovada na chamada lançada em julho de 2008 no âmbito do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (BIOEN) e do convênio entre as instituições.
“Para aprimorar a combustão, temos que estudar o processo de ignição dos motores”, disse Jayr de Amorim Filho, pesquisador do CTBE que lidera o trabalho em São Paulo, à Agência FAPESP. O estudo é realizado junto à Divisão de Aplicações do Etanol para Motores Automotivos do BIOEN. O grupo mineiro é liderado por Maria Cristina Lopes, professora associada da UFJF.
A pesquisa envolve experimentos com plasma, o quarto estado da matéria e que está presente no processo de ignição. A interação da faísca emitida pela vela de ignição com as moléculas de combustível gera o plasma que provoca a explosão liberadora de energia – que, por sua vez, faz o motor funcionar.
O processo de ignição envolve três fases. Na primeira, é feita a ruptura do gap (espaço vazio) entre os eletrodos da vela. Depois, ocorre a transição para um arco voltaico por meio da aplicação de uma alta corrente com baixa voltagem. Por fim, é obtida uma descarga elétrica rápida, da ordem de milissegundos – nessa última etapa se concentra 90% da energia envolvida no processo.
Para estudar o ciclo está sendo construída uma câmara hiperbárica que pode trabalhar até 14 atm (atmosferas) de pressão para simular as condições de queima. Nela, serão empregados os gases metano e hidrogênio.
“Não usaremos combustível nessa fase porque isso exigiria um sistema mais caro para absorver a energia que seria gerada”, explicou Amorim, ressaltando que a etapa será importante para o levantamento das temperaturas envolvidas no processo.
Para fazer o mapeamento térmico, o CTBE conta com um monocromador com câmera CCD. Por meio da aquisição de espectros, esse equipamento registra vários parâmetros, como temperatura eletrônica, temperatura do gás e densidade eletrônica.
O trabalho também exige um osciloscópio digital de alta performance. “Lidamos com altas correntes que ocorrem em curtíssimos espaços de tempo, por isso os osciloscópios convencionais não dão conta do trabalho”, disse Amorim.
O grupo de pesquisa também desenvolveu o seu próprio gerador de pulsos de alta tensão. Um microprocessador roda um programa em linguagem C (de computação), que gerencia os sinais gerados de acordo com os parâmetros desejados.
Um dos objetivos com o aparato é conseguir controlar o tempo e o volume do plasma e, com isso, encontrar as melhores condições para uma queima mais eficiente do combustível.
O projeto de uma nova vela, que envolverá também um software de controle, deverá ser um dos frutos dessa primeira etapa do projeto. “Na segunda etapa, utilizaremos cilindros transparentes para poder visualizar o experimento”, apontou Amorim.
Colisão de elétrons
A 500 quilômetros do CTBE, a equipe de Juiz de Fora detalha as sessões de choque, que são as áreas de probabilidade de os elétrons colidirem com as moléculas do combustível e assim gerar o plasma.
Para isso, são estudados os processos envolvidos na ignição do plasma e as consequências na pós-descarga em um motor de combustão interna. “O objetivo é encontrar parâmetros adequados para serem aplicados em carros que funcionem com misturas mais pobres de ar-combustível”, explicou Maria Cristina.
Isso significaria um carro mais econômico e menos poluente, uma vez que mais moléculas seriam quebradas durante a combustão. “Quebrando mais moléculas emitiríamos menos partículas danosas ao meio ambiente”, disse a professora da UFJF.
Para chegar a esses resultados, é preciso entender em detalhes o processo de ignição. Isso é feito por meio de equipamentos específicos projetados e construídos na própria universidade. De acordo com Maria Cristina, a ideia é desenvolver tecnologia nacional nessa área e promover a formação de recursos humanos especializados.
O aparelho de sessão de choque total, o espectrômetro de perda de energia de elétrons e o espectrômetro de captura eletrônica são exemplos de equipamentos desenvolvidos na própria UFJF.
O primeiro mede a reatividade como um todo, sem separar os processos. O espectrômetro de perda de energia de elétrons detalha cada um dos processos envolvidos na ignição. E, ao aprisionar por alguns instantes um elétron gerado pela faísca de ignição, o espectrômetro de captura eletrônica é capaz de fornecer a energia contida nessa partícula.
Além das simulações em laboratório, são feitos também modelamentos teóricos que descrevem a colisão dos elétrons com as moléculas de combustível.
O cálculo teórico é feito por meio da colaboração com pesquisadores de outras instituições que também atuam no projeto. São especialistas da Universidade Estadual de Campinas, da Universidade de São Paulo, das universidades federais do Paraná e do ABC e de duas instituições norte-americanas, o Instituto de Tecnologia da Califórnia e a Universidade do Estado da Califórnia em Fullerton.
“Cada reação é estudada a fundo nos experimentos aqui no laboratório em Juiz de Fora. Depois, o professor Michael Ballester, também da UFJF, utiliza-os para fazer a modelagem do plasma e o professor Jayr Amorim reproduz esse plasma no CTBE”, resumiu Maria Cristina.
A ideia é dividir o problema em diferentes especialidades para aumentar as chances de entendê-lo e de apresentar uma resposta eficiente. São ao todo dez pesquisadores colaboradores de seis diferentes instituições de pesquisa além de estudantes de vários níveis, da iniciação científica ao pós-doutorado.
Um convênio bilateral entre o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a National Science Foundation (NSF), dos Estados Unidos, auxilia o intercâmbio entre estudantes brasileiros e norte-americanos.
Desde o início do projeto, cinco estudantes dos Estados Unidos e dois do Brasil fizeram o intercâmbio atuando nesse projeto. “Isso é muito importante porque precisamos formar recursos humanos qualificados em todos os níveis para essa área de conhecimento”, disse Maria Cristina.
(Por Fabio Reynol, Agência FAPESP, 22/7/2010)