Um líquido atóxico projetado para ser aplicado em massas de água elimina algas e ainda mata várias espécies de mosquitos. Trata-se de um surfactante (ou tensoativo) que funciona ao mudar as características da superfície da água.
O produto foi desenvolvido pelo engenheiro químico Marcos Gugliotti por meio do Programa FAPESP Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE) e foi testado em laboratórios da Universidade de São Paulo (USP) e da Superintendência de Controle de Endemias do Estado de São Paulo (Sucen).
Ao ser aspergido, o produto forma uma película na superfície da água reduzindo a tensão superficial do líquido. “É essa tensão que impede que os mosquitos afundem enquanto botam ovos na água. Sem ela, asas e patas ficam encharcadas e o inseto acaba afundando”, disse Gugliotti à Agência FAPESP.
Segundo ele, ao mudar as características da superfície da água a ação do mosquitocida é totalmente mecânica, uma vez que não conta com substâncias tóxicas.
“Se uma pessoa ou um animal beber água com a película, o produto não causará mal algum à saúde. Além disso, ele é inerte, ou seja, não reage com outras substâncias”, garantiu o pesquisador, que atualmente faz pós-doutorado no Instituto de Física do campus de São Carlos da USP.
O tensoativo também se mostrou um eficiente algicida. Por alterar as características físicas da superfície da água, o filme prejudica a flutuabilidade das algas que acabam afundando e morrendo. “Como o produto não rompe a membrana celular das algas, elas não derramam toxinas na água, como ocorre com alguns algicidas que destroem essas membranas”, afirmou.
O filme mosquitocita e algicida é biodegradável e se decompõe em um período de 48 horas, em média. Por isso, após esse tempo precisa ser renovado. Sua eficiência pôde ser verificada em lagos, reservatórios de água parada e em rios com fluxos lentos e laminares.
Para testar o surfactante, Gugliotti contou com o Laboratório de Mosquitos Geneticamente Modificados do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP. Em 24 horas, o produto eliminou 94% das pupas macho e 86% das pupas fêmea da espécie Culex quinquefaciatus, o principal vetor da filariose ou elefantíase.
“Contra o Anopheles aquasalis, espécie comum em várias regiões do Brasil e que transmite a malária, a película se mostrou ainda mais eficaz. Em apenas duas horas o produto eliminou completamente as larvas e as pupas da espécie”, disse.
Em outro teste, realizado no Núcleo de Avaliação e Pesquisa do Serviço Regional de Marília (SP) da Sucen, o filme eliminou 98% das pupas do mosquito transmissor da dengue Aedes aegypti.
De acordo com Gugliotti, em testes toxicológicos o produto se mostrou inofensivo a peixes, crustáceos e moluscos. Aves aquáticas, como patos e gansos, também não foram afetados e conseguiram nadar normalmente sobre a película.
O cientista prevê que o filme poderá afetar de maneira colateral outras espécies de insetos que também botam ovos sobre a água. No entanto, esse efeito pode ser minimizado ao se restringir a aplicação em águas infestadas por insetos vetores de doenças.
O produto pode ser encontrado também na forma de pó. Um quilo do produto é suficiente para cobrir uma superfície de 10 mil metros quadrados. A mesma área pode ser preenchida com a aspersão de um litro do produto em sua versão líquida. Gugliotti procura agora parceiros interessados na produção e na comercialização da película. A estimativa é que o produto seja comercializado a R$ 22 o quilo.
Inspiração
O mosquitocida-algicida foi inspirado em outra película desenvolvida em 2005 em outro projeto apoiado pelo PIPE-FAPESP. O objetivo da época era reduzir as perdas de água por evaporação em reservatórios. Gugliotti obteve um produto que reduz em até 50% a taxa de evaporação de uma massa de água.
O pesquisador chegou a testar o antievaporante no espelho d’água do Congresso Nacional, em Brasília (DF), e recebeu destaque em reportagens na Agência FAPESP e na revista Pesquisa FAPESP.
“Em diversos testes feitos em tanques com o antievaporante, percebemos que havia inúmeros mosquitos mortos na água após a aplicação do produto”, contou Gugliotti, que realizou adaptações no antievaporante a fim de aumentar a eficiência do novo surfactante contra os insetos.
A função algicida também foi descoberta por acaso. O pesquisador estava visitando a unidade Semiárido da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), na cidade de Petrolina (PE), quando decidiu testar a película antievaporante em um tanque de pisicultura desativado. A água que estava verde ficou límpida em um intervalo de 24 horas.
O mesmo projeto rendeu ainda um terceiro produto, um redutor de manchas de óleo que pode ser aplicado em vazamentos de navios petroleiros ou de dutos.
A ideia do redutor de óleo surgiu quando o pesquisador observou que, ao ser aspergido, o antievaporante acabava aglutinando a sujeira superficial da água. A partir daí, Gugliotti adaptou a composição do produto a fim de direcioná-lo à contenção de óleo nas águas.
O antievaporante e o redutor de óleo já contam com pedidos de depósito de patente e o pesquisador espera entrar em breve com um novo pedido para o mosquitocida-algicida.
(Por Fabio Reynol, Agência FAPESP, 21/07/2010)