O fechamento da unidade da empresa fumageira Alliance One em Santa Cruz do Sul, anunciado no início do mês, foi o mais recente capítulo das transformações que vêm ocorrendo na indústria do tabaco no Vale do Rio Pardo. Com a perda de competitividade para Santa Catarina, estado que oferece vantagens fiscais importantes para o setor, a migração para o estado vizinho vem sendo considerada uma alternativa necessária para as empresas, causando preocupações quanto ao futuro do negócio no Rio Grande do Sul.
Atualmente, cerca de 75% do fumo para cigarros produzido no Brasil é beneficiado em território gaúcho. O Estado também é responsável pela produção de 52,3% do tabaco brasileiro. No entanto, essa posição hegemônica está sendo ameaçada, segundo analistas. "Santa Catarina tem uma proposta fiscal melhor, e investe mais em logística para exportação do que o Rio Grande do Sul, o que pode acarretar a ida de mais empresas gaúchas para o estado vizinho, pois se não fizerem isso tendem a perder competitividade", explica Marcelo Monteiro, analista setorial da consultoria Lafis.
A causa da migração são as restrições ao aproveitamento de créditos de ICMS acumulados nas compras interestaduais do produto in natura para beneficiamento e exportação. Segundo o presidente do Sindicato da Indústria do Tabaco (Sinditabaco), Iro Schünke, as fumageiras gaúchas possuem cerca de R$ 200 milhões em créditos de ICMS retidos. O valor é elevado porque cerca de 50% do fumo beneficiado no Estado vêm do Paraná e Santa Catarina, e as empresas precisam pagar 12% de ICMS nesses estados de origem quando o produto entra no Rio Grande do Sul.
O problema fiscal agravou-se durante a última década. Em 2005, a Universal Leaf foi a primeira empresa da região a fechar uma unidade no Rio Grande do Sul e transferiu parte das atividades locais para Joinville. Outras companhias também preferiram abrir novas instalações em território catarinense do que expandir suas operações no Rio Grande do Sul, como a CTA, de Venâncio Aires, que em 2009 inaugurou uma fábrica em Araranguá. Na mesma cidade, a Alliance One está construindo uma nova unidade, que abrigará, a partir de 2011, parte das operações realizadas em Santa Cruz do Sul. "Esse problema não vai terminar enquanto a retenção de ICMS não acabar e o trânsito de fumo for mais livre entre os estados. Enquanto isso não ocorrer, outras empresas devem mudar sua operações",
analisa Schünke.
Verticalização da produção é tendência crescente entre empresas
A migração para Santa Catarina não é a única transformação pela qual passa a indústria fumageira gaúcha. O processo de verticalização, em que uma empresa passa a ter controle desde a produção das plantas no campo até a venda do produto final, está se impondo como uma tendência forte no setor.
A Souza Cruz foi a primeira empresa a possuir a cadeia completa, com produtores integrados, processamento industrial e a fabricação de cigarros. Já em 2009, a japonesa JTI adquiriu as empresas Kannenberg e KBH&C, de Santa Cruz do Sul. A primeira era especializada na compra de fumo do campo, que comercializava para a beneficiadora KBH&C. Com o negócio, a JTI entrou no mercado brasileiro assumindo as duas pontas da cadeia produtiva.
Recentemente, a Philip Morris também anunciou a compra dos contratos de 17 mil produtores da Alliance One e da Universal Leaf, passando a atuar também na compra direta do produto no campo. "Esse é um processo positivo para o setor, porque deve ajudar a fortalecer o sistema", aponta Iro Schünke. O presidente do Sinditabaco lembra o investimento de R$ 113,5 milhões da Philip Morris para a construção de uma nova fábrica em Santa Cruz do Sul, lançada no mês passado. Para Schünke, esse empreendimento da companhia leva em conta os benefícios que a estratégia de verticalização deve criar. "As mudanças mostram que o setor do tabaco tem interesse em continuar no Estado, mas está procurando se adaptar aos novos tempos", destacou. (MB)
(JC-RS, 19/07/2010)