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2010-07-19 | Tatianaf

A matriz brasileira para a geração de energia elétrica tem a predominância nas fontes renováveis. Dessas, a hidroeletricidade é a responsável por quase 80% do total produzido. Porém esse perfil vem mudando desde o início deste século, motivado, principalmente, pela segurança do fornecimento do insumo.

Nesse sentido, a energia eólica é a mais nova fonte que luta para conquistar seu espaço no setor elétrico brasileiro. No final do ano passado, o governo realizou o primeiro leilão exclusivo desta fonte. Foi contratado 1,8 mil MW, muito mais do que os 400 MW conseguidos com o Proinfa, programa de incentivo à geração por fontes renováveis.

Agora, estamos a cerca de 30 dias da realização do próximo certame, que promete adicionar outro volume importante de energia eólica no País. Com isso, as empresas estão sendo atraídas pelas perspectivas de crescimento, o que traz mais emprego, negócios e escala a esta fonte, que pode alcançar 2,5% do total gerado no País. Porém, os planos da associação que representa o setor são mais ambiciosos e apontam para uma participação dez vezes mais elevada do que esta.

Para falar sobre este e outros assuntos, apresentamos o conteúdo do programa "Panorama do Brasil", que realizou uma entrevista com o presidente recém-empossado da Associação Brasileira da Energia Eólica (Abeeólica), Ricardo Simões. Parceria do DCI com a emissora TVB e com a Rádio Nova Brasil FM, o programa foi apresentado pelo jornalista Roberto Müller e contou com a participação de Milton Paes, da Nova Brasil FM, e de Márcia Raposo, diretora de redação do jornal DCI.

Roberto Müller: Quando é tempo de vento os reservatórios estão baixos porque é temporada de seca e quando terminam os ventos é porque temos chuvas. Me parece meio ingrato um País que tem vento e recursos hídricos, uma participação da eólica, não obstante, baixa na matriz energética brasileira. Qual é a saída para o setor?

Ricardo Simões: A saída é continuar contratando a energia da mesma forma como foi feita em dezembro do ano passado, por meio de leilões. Essa contrassazonalidade entre a eólica e a hidráulica permite ao Brasil atender a demanda de energia por meio de fontes limpas. Com isso, nossa expectativa é de que a geração de energia eólica em 2012 responda por cerca de 2% a 2,5% da matriz energética brasileira. Agora, temos a oportunidade de, mantendo o ritmo de contratação como o de dezembro ano passado, elevar gradativamente essa participação para patamares de até 20%. Para que isso efetivamente ocorra, estamos realizando alguns estudos para levar ao governo que patamar de contratação é esse e o horizonte no qual esperamos alcançar esses 20% que projetamos.

Márcia Raposo: Ricardo, nesse prognóstico que você faz, o Brasil precisaria de mais players ofertando energia eólica no Brasil ou está pensando nos mesmos agentes do setor, mas com um aporte formidável de capital? Como é que vai ser o modelo de crescimento, não só dos ofertantes de energia eólica, e como deverá ser a tecnologia? Qual é o número de empregos criados com um parque eólico?

Ricardo Simões: Bem, vamos dividir a resposta em partes. No âmbito de produtor independente de energia, nós tivemos 13 GW inscritos no leilão anterior, o primeiro de eólica. Desses a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) habilitou cerca de 11 GW. Já temos 10 GW cadastrados para o próximo leilão, esse volume mostra que a iniciativa privada quer investir em geração eólica. Agora, sob o ponto de vista do fabricante, nós temos uma mudança considerável no cenário. O Pro-eólica atraiu inicialmente a Wobben-Enercon, cujas fábricas ficam em Sorocaba, São Paulo e Pecém. Já o Proinfa, que trouxe a Impsa, que já está instalada em Suape (PE), e mais, com o advento desse próximo leilão, temos a Alstom, que está se instalando na Bahia e a GE se instalando em São Paulo. Ainda posso citar a Vestas e a Suzlon, cujos processos de finalização de financiamento estão em curso no BNDES. Por isso falamos com muita tranquilidade que a capacidade de produção de equipamentos de geração eólica no Brasil, está saindo de 900 MW para 3 GW em 2012. Isso mostra que o Brasil atraiu investimentos de fabricantes em larga escala. Para cada mil MW, cria-se até 14 mil vagas. Desse modo, tivemos 25 mil com o leilão.

Márcia Raposo: Mas para ter 20% da matriz energética no prazo que citou, você avalia que devemos ter mais atração? Vemos que vários produtores chineses estão entrando nessa área de moinhos e há mais gente nova nesse mercado...

Ricardo Simões: Além disso, para esse leilão temos informações que os chineses já estão cotando máquinas para os players que pretendem entrar neste certame.

Roberto Müller: Qual é o investimento necessário para um parque eólico, é muito alto?

Ricardo Simões: Olha, o investimento está na ordem de R$ 4 milhões a R$ 4,2 milhões por MW instalado em um parque eólico no Brasil...

Roberto Müller: ... e comparativamente a outras fontes de energia, como é que se situa esse valor?

Ricardo Simões: Se formos comparar com um projeto hidrelétrico de grande porte, a geração eólica é mais cara por MW instalado.

Roberto Müller: Ricardo, porque é mais alto o investimento em uma usina de geração de energia eólica do que em uma hidrelétrica? Por que essa informação deixa surpreso um leigo como eu?

Ricardo Simões: Roberto, isso depende da hidrelétrica. Se falarmos de Jirau, Santo Antonio e Belo Monte, é claro que a hídrica será mais barata, obviamente, em função da questão escala. Agora, se falarmos de eólica comparadas a uma Pequena Central Hidrelétrica (PCH), o investimento acaba sendo mais barato para o empreendimento de geração de energia dos ventos.

Márcia Raposo: Então depende da escala somente?

Ricardo Simões: Sim, depende da escala. Esse é mais um motivo para se fazer leilões sucessivos e com volumes significativos de venda de energia. Dessa forma, você dota essa indústria de escala para que ela tenha maior competitividade e essa vantagem chegue ao consumidor com tarifas mais baixas.

Milton Paes: Me parece que esses valores, apesar de serem mais altos, recuaram, eram mais elevados. Foi necessária essa queda para atrair investidores visando a entrada na matriz energética...

Ricardo Simões: Sem dúvida, esse investimento, no passado, estava na ordem de R$ 5 milhões por MW instalado, mas tem caminhado para patamares de R$ 4 milhões, conforme eu disse. Essa redução foi notada claramente no leilão de eólicas do ano passado.

Márcia Raposo: E modelos mais pulverizados para essa oferta de energia, como em fazendas que possam ter moinhos menores e tornem a propriedade independente de energia do poste. Vocês também pensam nessa possibilidade assim como as PCHs estão para grandes industrias eletrointensivas?

Ricardo Simões: Sim, sem dúvida. O Brasil já atrai investimentos nesse segmento de microgeração. Já estamos sendo procurados na Abeoólica, a nossa diretoria executiva tem tratado com fabricantes que desejam se instalar no Pais. Agora, para aquele produtor rural que tem um local propício, a atividade no campo é totalmente compatível com a geração de energia eólica de larga escala. Essa geração é absolutamente amigável com atividades agropecuárias. Inclusive, a energia eólica proporciona renda adicional que ajuda a fixar o homem do campo, porque os geradores eólicos pagam um aluguel em relação à receita líquida.

Milton Paes: Fala-se muito em sustentabilidade. Imagino que sob o ponto de vista da energia eólica, que é renovável, vocês estão utilizando essa questão para incentivar esses novos players e conscientizar o governo dessa questão para chegar aos 20% citados. Vocês apostam nesses conceitos para o governo comprar a ideia da energia eólica no Brasil?

Ricardo Simões: Sem dúvida, Milton, isso está na ordem do dia. Para você ter uma ideia, se ao invés do governo ter contratado os 1,8 mil MW de eólica tivesse sido contratado usinas movidas a óleo combustível, que são as mais caras na hora da geração, e essas usinas tivessem nos próximos vinte anos operado a 10% tempo, teríamos a emissão anual de 1 milhão de toneladas de CO2 adicionais. Então essa questão da sustentabilidade está colocada ao governo que tem consciência disso e, sem dúvida nenhuma, é um dos grandes atrativos para a sociedade brasileira produzir energia eólica.

Márcia Raposo: Com essas mudanças climáticas que temos vivido, fenômenos como o El Niño e o La Niña podem fazer com que as correntes de vento possam mudar dessas regiões?

Ricardo Simões: Olha, o que os especialistas em mudanças climáticas dizem é que nos próximos 25 anos, com relação à intensidade e velocidade, não haverá mudança significativa nesse panorama no Brasil. Agora, existem alguns estados que estão fazendo esforços adicionais para receber investimentos. Recentemente, o Estado de Minas Gerais lançou seu mapa eólico, e isso traz uma boa noção para o investidor passar a olhar para aquele estado como uma oportunidade de investimentos. Mas hoje, claramente, os estados da Bahia, do Rio Grande do Sul, Ceará e Rio Grande do Norte são os maiores potenciais que temos.

Roberto Müller: Em quais regiões o potencial de energia eólica é maior no Brasil?

Ricardo Simões: Hoje, a Região Nordeste lidera. Dos 71 empreendimentos vencedores do último leilão, 67 estão espalhados por aquela região. O restante está no Rio Grande do Sul. Essas são as áreas que lideram a geração eólica.

Roberto Müller: Apesar dessa perspectiva de crescimento da eólica na matriz energética brasileira, de alcançar 2,5% em 2012, ainda é muito pouco. Aonde é que essa fonte de geração tem sido mais usada no mundo?

Ricardo Simões: No ranking mundial dos principais produtores mundiais de energia eólica, os maiores são os Estados Unidos, seguidos por China, Alemanha, Espanha e Índia. Atualmente, amargamos a vigésima primeira posição.

Roberto Müller: Por que esse atraso todo, é problema de complexidade tecnológica?

Ricardo Simões: Não, não é. Como falávamos, o Brasil está crescendo como uma base de produção de energia eólica e passará a dominar ainda mais essa tecnologia. É preciso concordar que estávamos atrasados, mas em dezembro do ano passado, houve uma mudança nesse paradigma. Era inimaginável pensar no início de 2009 que chegaríamos ao final do ano com a contratação de 1,8 mil MW de energia eólica. Acho que o dia 14 de dezembro de 2009 mudou completamente o cenário de energia eólica no País, por isso, estamos extremamente confiantes de que o leilão deste ano trará uma demanda da ordem de 1,8 mil ou 2 mil MW de energia dessa fonte para o Brasil.

Milton Paes: O Brasil, graças a Deus, é privilegiado. Uma grande preocupação mundial é em relação à escassez da água. Com essa projeção no futuro, a eólica passa a ter uma importância grande e positiva nesse cenário, vocês têm essa visão lá na frente?

Ricardo Simões: Especificamente, em relação ao Brasil, andamos juntos com a geração hidráulica que é a base de capacidade instalada nacional. Olha, para você ter uma ideia, Milton, o mapa eólico do Brasil, com medições feitas a 50 metros de altura, aponta um potencial de geração de 143 GW. Se considerarmos as medições que estão sendo feitas agora, ao patamar de 80 a 100 metros de altura, nos levam ao potencial de quase 400 GW, o que traz uma enorme oportunidade para ser desenvolvida ao lado das outras fontes de energia renováveis no Brasil.

Márcia Raposo: Já há parques eólicos funcionando na Europa na altura dos 80 metros?

Ricardo Simões: Sim, já existem sim, e até mais altos, a 108 metros. No Brasil, apesar de nosso mapa eólico ter sido feito a 50 metros e as primeiras medições a 80 metros estarem ainda sendo efetuadas, o País já possui produção de equipamentos para esses 108 metros. Se continuarmos contratando de forma regular cerca de 2 mil MW ao ano passará a dominar a tecnologia de energia eólica, assim como já acontece com os carros flex, ninguém no mundo possui essa tecnologia tão avançada, e com a energia eólica pode acontecer o mesmo se nós tivermos mercado.

Márcia Raposo: Voltando à questão industrial. Você disse que grandes players estão vindo. Esses investimentos precisam de capital e estamos saindo da pior crise econômica após a de 1929. Aqui, no Brasil, não foi tão forte, mas lá fora sim, o que, certamente, tira o fôlego de investimentos. Agora, estamos vivendo uma nova perspectiva de turbulência na Europa, ninguém sabe a dimensão nem a duração. Esse cenário acelera a vinda deles para se abrigarem em um mercado em expansão ou atrapalha os planos de aportes no País?

Ricardo Simões: O que nos temos notado é que o Brasil tem estimulado um grande apetite dos grandes grupos europeus que trabalham com energia eólica naquele continente. Porém, como eles têm um mercado contratado, não acredito que a indústria eólica por lá tenha algum problema de quebra de contrato.

Márcia Raposo: Não me refiro à quebra de contrato, mas às taxas de crescimento.

Ricardo Simões: Eles certamente não terão taxas de crescimento nada brilhantes em seus mercados e, obviamente, o investimento nessa área no Brasil é uma alternativa para esses grupos porque, em referência a financiamentos, nós temos aqui instituições como o BNDES e o BNB que têm participado do esforço dos geradores e a indústria eólica para concretizar esses parques.

Milton Paes: Como é que está a pesquisa junto a instituições no desenvolvimento da tecnologia para a captação e distribuição de energia eólica no Brasil?

Ricardo Simões: O que nós conhecemos hoje está no âmbito das empresas - essas companhias têm feito inúmeras pesquisas. Especialistas falam que o grande salto para melhoria da geração eólica está no desenvolvimento tecnológico, do material e da aerodinâmica.

Roberto Müller: Em termos comparativos, o que é mais econômico e o que é mais abundante, vento (eólica) ou energia solar?

Ricardo Simões: A onda da energia solar, no Brasil, ainda está por vir. No momento, estamos assistindo ao início da onda da eólica, por isso, acredito que o País precise, ainda, surfar essa onda. Também temos bastante sol no mesmo lugar que temos os ventos e é possível imaginarmos, no futuro, os parques eólicos serem geradores de energia solar. E, como eles ocorrem no mesmo lugar e no mesmo momento, acabam sendo complementares à hidroeletricidade.

(Por MAURÍCIO GODOI, DCI, 19/07/2010)


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